Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si. Escapa-lhe a intenção da vida, o movimento simples que corre através das linhas, que as liga umas às outras e lhes dá uma significação. É dessa intenção que o artista pretende apossar-se, situando-se no interior do objecto por uma espécie de simpatia, baixando, por um esforço da intuição, a barreira que o espaço interpõe entre ele e o modelo. É verdade que esta situação estética, como, de resto, a percepção exterior, alcança apenas o individual. Mas é possível conceber uma pesquisa orientada no mesmo sentido da arte e que tivesse por objecto a vida em geral, do mesmo modo que a ciência física, seguindo até ao fim o rumo assinalado pela percepção exterior, prolonga em leis gerais os factos individuais.
Decerto esta filosofia jamais alcançará do seu objecto um conhecimento comparável ao que a ciência tem do seu. A inteligência continua a ser o núcleo luminoso em torno do qual o instinto, mesmo alargado e depurado em intuição, é apenas uma vaga nebulosidade. Mas, em vez do conhecimento propriamente dito, reservado à pura inteligência, a intuição poderá fazer-nos apreender o que os dados da inteligência têm aqui de insuficiente e deixar-nos entrever o meio de os completar. (...) Pela comunicação simpática que estabelecerá entre nós e o resto dos vivos, pela dilatação que obtiver da nossa consciência, introduzir-nos-á no domínio próprio da vida, que é compenetração recíproca, criação indefinidamente continuada.
Henri Bergson, in 'A Evolução Criadora'
Nenhum comentário:
Postar um comentário