O retorno da triangulação
Prepare-se para a aliança Obama/Republicanos
By JEFF COHEN, no Counterpunch
Com Obama defendendo uma grande escalada militar no Afeganistão, a história pode muito bem se repetir com vingança. E não é apenas o caso de compará-la com LBJ [Lyndon Johnson], que destruiu a sua presidência nos campos de batalha do Vietnã e entregou o poder a Nixon e ao Partido Republicano.
Existe outro paralelo amedrontador: Obama parece seguir os passos de Bill Clinton, que obteve seu maior "triunfo" legislativo -- o NAFTA [acordo comercial com o Canadá e o México] -- graças a uma aliança com os republicanos que derrotou uma forte oposição de militantes e democratas.
Foi há 16 anos neste mês que Clinton formou sua coalizão com o Partido Republicano para atropelar o ceticismo público com o tratado comercial e derrotar o movimento contra o NAFTA liderado por sindicatos, ambientalistas e grupos de defesa dos consumidores. Como Clinton obteve sua maioria no Congresso? Com os votos de quase 80% dos senadores republicanos e com quase 70% dos deputados republicanos. Os democratas no Congresso votaram contra o NAFTA na proporção de 3 a 2, com a oposição incluindo os líderes democratas nas duas casas.
Para conseguir maioria hoje no Congresso sobre o Afeganistão, a Casa Branca de Obama aparentemente vai replicar a farsa trágica de Clinton: ignorar as dúvidas em seu próprio partido e fazer aliança com os extremistas republicanos que nunca aceitaram sua presidência em primeiro lugar.
As conspirações não são novidade para o Partido Republicano. Clinton causava um desprezo similar [ao causado por Obama] na direita, apesar de sua política centrista e amigável com as corporações. Quando líderes conservadores como Newt Gingrich e Dick Armey deram a Clinton (e à elite corporativa) a vitória no NAFTA, isso não evitou que operadores da extrema-direita continuassem a circular vídeos malucos acusando Clinton de promover o assassinato de repórteres e outros.
Para os que elegeram Obama, é importante relembrar a espiral que se acelerou depois que a aliança de Clinton com os republicanos passou o NAFTA. Deveria causar alarme entre nós agora o que acontece no Afeganistão.
O NAFTA foi seguido rapidamente pelo debacle de Clinton na reforma de saúde, uma "reforma" desenhada especialmente pelas grandes companhias seguradoras, seguida da chocante derrota dos democratas nas eleições legislativas de novembro de 1994, quando ativistas sindicais e progressistas estavam letárgicos e a direita acelerada colocou Gingrich na cadeira de líder do Congresso.
Um ano depois, assessorado por seu estrategista-chefe, Dick Morris (sim, o que agora detona Obama na Fox), Clinton declarou: "A era do grande governo acabou". Nos anos seguintes, Clinton provou que a era dos grandes negócios estava longe de acabar -- trabalhando com líderes republicanos ele deu bem-estar corporativo aos conglomerados da mídia (Ato de Telecomunicações de 1996) e aos bancos de investimento (abolição do Ato Glass-Steagall de 1999).
Hoje, é crucial perguntar para onde vai Obama. Do estímulo aos bancos à reforma de saúde, ele demonstrou a mesma tática de Clinton de atropelar os progressistas no Congresso em busca de corromper legislação e de fazer acordo com os democratas que representam corporações ou os republicanos "moderados". Enquanto isso, o incrível encolhimento da "opção pública" tornou-se uma piada doentia.
[Nota do Viomundo: A opção pública pretendia oferecer aos estadunidenses a oportunidade de, querendo, escolher um seguro de saúde administrado pelo governo federal. Com isso, acreditavam os progressistas, seria possível aumentar a competição e reduzir os preços. Mas, pelas versões do plano que estão no Congresso, o resultado final poderá obrigar todo estadunidense a ter seguro de saúde comprado de empresas privadas!].
Ele vai de recuos nas liberdades civis à reforma de saúde que contempla interesses corporativos, à sua promessa típica de Bush de "acabar o serviço" no Afeganistão. A busca de Obama por apoio republicano no Congresso para financiar a escalada de tropas [no Afeganistão] poderá ser o golpe final para desorientar e desmobilizar os ativistas progressistas que o elegeram no ano passado.
Através dos séculos, nenhum poder estrangeiro conseguiu "acabar o serviço" no Afeganistão, mas o presidente Obama pensa que ele é um comandante-em-chefe duro o suficiente para conseguir isso. Que pena que ele não demonstrou essa dureza para enfrentar os republicanos ou os lobistas corporativos [na reforma do sistema de saúde]. Com eles, ele é o "negociador-em-chefe".
Quando você começa no centro (vamos dizer, na reforma de saúde ou Afeganistão) e rapidamente dá vários passos à direita para aplacar os políticos direitistas, os lobistas ou os generais, por definição você está governando como um conservador.
Tem havido um queda gradual na esperança de mudança real que muitos americanos sentiram na noite de eleição, em novembro de 2008. Para alguns de nós que acompanhamos o governo Clinton no início dos anos 90, a esperança morreu dias depois da eleição de Obama quando ele escolheu como chefe da Casa Civil Rahm Emanuel, um estrategista de Clinton que arquitetou a aliança que aprovou o NAFTA no Congresso.
Se Obama não mudar na questão das tropas no Afeganistão (assim como Clinton lutou ferozmente pelo NAFTA), só uma mobilização sem precedentes de progressistas -- alguns dos quais trabalharam incessantemente para eleger Obama -- será capaz de enfrentá-lo. Acreditem em mim: os republicanos que gritam contra os déficits orçamentários de Obama quando obstruem a reforma do sistema de saúde vão se tornar amigos do déficit para gastar 1 milhão de dólares por ano por soldado (sem mencionar os contratos terceirizados) que segue para a Ásia.
A única notícia boa que posso ver: talvez uma aliança da Casa Branca com os republicanos para promover a escalada de tropas no Afeganistão fará acordar os grupos liberais (como o MoveOn) para que tenham uma visão mais crítica das políticas de Obama.
Jeff Cohen é professor de Jornalismo e foi do grupo Democratas Progressistas dos Estados Unidos.
Do blog Vi o mundo.
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