domingo, 26 de agosto de 2018

Marx mostra que a ocasião não faz apenas ladrões


Uma das características mais marcantes dos textos de Marx é a ironia. Importante lembrar disso ao ler o trecho abaixo. Pertence a um rascunho para “O Capital” chamado “Teorias da Mais-Valia”, escrito entre 1861 e 1863:

Um filósofo produz ideias; um poeta, poesia; um pastor, prédicas; um professor, compêndios etc. Um criminoso produz crimes. Observe-se mais de perto a relação desse ramo de produção com o todo da sociedade e dar-se-á conta de muitos preconceitos. O criminoso produz não apenas crime, mas também o direito criminal e assim também o professor que dá palestras sobre direito criminal e ademais o inevitável compêndio de onde o professor retira a "mercadoria" que lança no mercado. Disso advém incremento da riqueza nacional. Sem falar no prazer privado que a leitura dos compêndios criminais proporciona - como nos ensina o Prof. Roscher, referindo-se àquele que ele mesmo produziu. O criminoso produz além disso a polícia e a justiça criminal, juízes, carrascos, jurados e assim por diante. E todos esses ramos de atividade, que compõem grande parte das divisões sociais do trabalho, desenvolvem certas faculdades do espírito humano, inventam novas necessidades e novas formas de satisfazê-las.

Mas não há qualquer ironia em muitas situações sociais contemporâneas produzidas pela criminalidade. Um instantâneo delas pode ser flagrado em reportagens corriqueiras cujos títulos são, por exemplo, “Segurança privada fatura bilhões com violência nas ruas” ou “Segurança é tema central de candidatos ao governo do estado”. E ainda, “Violência faz audiência de programas policiais na TV disparar”.

Ou seja, a ocasião não produz apenas ladrões, mas principalmente enormes lucros e mais repressão.

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