Um Estado capaz de construir uma infraestrutura sólida não é o bastante. Deve ser também um Estado inclusivo
David Sloan Wilson and Sigrun Aasland
Não é segredo que as nações escandinavas estejam fazendo algo correto. Em matéria de felicidade e qualidade de vida eles lideram consistentemente. O guru Francis Fukuyama chamou a procura da boa sociedade de “vá para a Dinamarca”. Até o The Economist mostrou um viking pateta em sua capa com a chamada “O próximo super modelo”.
Como as nações nórdicas obtém seu sucesso – e se elas podem ser copiadas por outros países – é uma outra questão. Bernie as enxerga como modelo. Hillary discorda. O inferno irá congelar antes que Ted e Donald dirijam seu olhar a tal direcionamento “socialista”.
Talvez uma nova maneira de pensar constante no Evonomics possa ajudar. Um certo olhar básico para tal é desfazer o mito disseminado nos EUA e perigosamente ineficiente em outros países de que o setor privado faz tudo bem feito e o setor público o faz de maneira pobre. A sociedade moderna requer uma infraestrutura extensa que não emerge de baixo para cima através de mercados desregulados. Este tem sido o caso, nos EUA e outros lugares como atesta minha recente entrevista para Daron Acemoglu. Uma das razões para o fato das nações nórdicas trabalharem bem é que elas não sucumbiram – ainda – ao canto da sereia do mercado livre fundamentalista.
Um Estado forte capaz de construir a infraestrutura não é suficiente. Deve ser também um Estado inclusivo que trabalha em benefício de todos, oposto a um Estado extrativista que trabalha somente em benefício de uma elite reduzida, assim como minha entrevista para Acemoglu também deixa claro. Talvez as nações nórdicas também trabalhem bem por isto – Estados sólidos trabalhando em colaboração com um forte setor privado, fortes sindicatos, e um forte, bem informado e confiável eleitorado.
Mesmo isto é necessário mas não suficiente. Uma economia nacional que funciona bem é um complexo sistema de adaptação, assim como um automóvel com partes interdependentes. Mesmo um Estado forte e inclusivo não funcionará bem se não puser as partes de sua economia juntas para trabalharem da maneira correta, o que não é matéria simples para qualquer sistema complexo. Nem planejamento centralizado nem mercado desregulado irão funcionar. Alguma coisa no meio termo se requer, que David Collander chama de “laissez faire ativista” no extrato de seu livro com Roland Kupers intitulado A Complexidade e a Arte da Política Pública”.
Durante os últimos três anos o Evolution Institute tem feito um estudo especial sobre a Noruega como exemplo de uma evolução cultural em direção da alta qualidade de vida. Temos, no momento, uma extensa rede de associados que nos auxiliam para combinar seu detalhado conhecimento da sociedade norueguesa e sua economia com nossa distinta perspectiva teórica – incluindo Sigrun Aasland, diretor de análise da AGENDA, um laboratório de ideias focado nas políticas domésticas e assuntos internacionais das Noruega. Minha entrevista com Aasland provê um olhar para o complexo sistema ajustável que opera sob a superfície da economia norueguesa.
DSW: Saudações, Sigrun, e bem vindo ao Evonomics
AS: Obrigado David. Estou realmente entusiasmado em fazer parte desta discussão.
DSW: Para começar, fale-nos a respeito de sua própria experiência. Sei, através de conversações prévias, que parte de seu treinamento econômico se deu nos EUA, logo vc, pessoalmente, experimentou as filosofias econômicas muito diferentes dos dois países.
AS: Sim! Eu tive sorte o bastante para obter meu mestrado na escola de estudos internacionais avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins em Washington, DC. Também trabalhei no Banco Mundial durante 5 anos após minha graduação. A SAIS é um grande programa – o que pode ser mais perfeito para maníacos em política do que estudar no coração da elaboração política global? E ela tem também um corpo discente verdadeiramente internacional – e assim você aprende economia e política junto com gente da China, Japão, Suécia, Polônia, Equador, Canadá, Marrocos e EUA
Dizem ser bom, de vez em quando, desafiar nossas concepções globais. Eu cresci na Noruega e o Estado de bem estar sempre foi auto evidente. No SAIS nem tanto. Me lembro de que alguém escreveu no banheiro do porão: “de quantos escandinavos uma escola de política direitista, de fato, precisa? Tornou-se ser um número razoável, em parte porque tínhamos nossos estudos cobertos por nosso próprio estado de bem estar social e podíamos estudar numa escola de graduação cara simplesmente por ela ter as graduações para tal.
DSW: Bem, aí há um benefício de um estado de bem estar social!
SA: Na classe de Economia do Trabalho da SAIS não discutíamos sobre o nível e formato das políticas sociais, mas bastante sobre o Estado Social como conceito. O contraste era significativo com relação à tradição norte americana, mas também os estudantes do leste europeu eram bastante libertários – tendo crescido logo depois da queda do comunismo. Você aprende bastante vendo de fora o seu próprio sistema. Ao menos eu aprendi.
DSW: Agora conte-nos um pouco sobre a AGENDA e seu papel como diretor de Análise. Onde está alocada a AGENDA no espectro político norueguês e onde está alocado o espectro inteiro com relação ao espectro norte americano?
SA: AGENDA é um laboratório de pensamento e a centro esquerda da política norueguesa. O conceito de laboratórios de pensamento é relativamente novo na Noruega. Nós temos tido partidos políticos e institutos de pesquisa, e, gradualmente, penso que tenha ficado cada vez mais claro que há uma brecha entre os dois. Políticas tendem a se orientar para o conflito e há sempre uma luta pela atenção, bem como de tempo e espaço. Na outra ponta do espectro pesquisadores hesitam em se engajar no debate político por serem mal interpretados ou tidos como simplistas. Nosso trabalho é abrir um debate político de mente aberta. E explicitamente não fazemos juízo de valor. Não somos afiliados a qualquer partido. Porém nossa filosofia é de que a liberdade só é possível quando as oportunidades são, de fato, iguais. Hoje em dia vemos que não são. Capital e recursos se acumulam, a desigualdade é crescente, e suas possibilidades dependem, fundamentalmente, da situação econômica de seus pais. O estudo de Robert Putnam, entre outros, demonstra isto claramente. Nós convidamos pesquisadores – incluindo Putnam para contribuir e procuramos criar tanto pensamentos mais profundos quanto uma ponte entre pesquisa e política. Também produzimos nossa própria análise sobre fatos políticos, incluindo política econômica e do Trabalho, o futuro do Estado de Bem Estar, políticas energéticas e climáticas, migração e desenvolvimento.
DSW: Obrigado por essas informações preliminares – foram de muita ajuda. Agora mergulhemos! Eu o conheci, primeiramente, numa conferência que dei no BI, a maior escola de administração da Noruega. Minha conferência foi sobre “A vantagem competitiva da colaboração” e você esteve presente como comentarista. Fiquei impressionado como descreveu a economia norueguesa como um sistema de adaptação com partes interligadas. Você poderia, por favor, repetir aquela sucinta descrição?
SA: Adoraria! Meu ponto principal – bem ilustrado no Economist e outros é que o modelo nórdico faz sentido economicamente. Não é simplesmente sobre Justiça e Igualdade. É também – e mais importante ainda – sobre usar todo o talento, toda a tecnologia possível e em constantes mudanças. Isto significa alta produtividade.
O assim chamado modelo norueguês pode ser ilustrado como um triângulo consistindo de três fatores interligados. Primeiro: um Estado de bem estar forte financiado por impostos fornecendo redes de Educação, Saúde e segurança social. Segundo: uma economia de livre mercado com políticas fiscais e monetárias ativas afim de assegurar a estabilidade, distribuição e pleno emprego. E terceiro, uma forte colaboração em um mercado de trabalho organizado com formação de salários coordenados e colaboração a nível empresarial.
No momento este modelo tem demonstrado a habilidade de combinar impostos relativamente altos com alta produtividade. O crescimento da produtividade tem caído menos na Noruega do que em muitos outros países. Há algumas razões para isto. Uma estrutura de salários coletivamente negociada e comprimida significa que o trabalho pouco qualificado é relativamente caro enquanto que o trabalho mais qualificado é barato. Do momento em que o trabalho altamente qualificado complementa a tecnologia enquanto o de baixa tecnologia a substitui, três coisas acontecem. Primeiro, os empregadores investem em tecnologia de modo a substituir os trabalhadores menos qualificados já que o diferencial de custo é pequeno. Segundo: caso não sejam altamente produtivos, os mesmos empregadores não conseguirão manter os empregados e terão de dispensá-los. Isto assegura adaptabilidade nas companhias mas também entre elas. Adaptar ou morrer.
DSW: Evolução cultural em progresso
SA: Esta última é importante e me leva ao próximo ponto. Apenas como ilustração – durante os últimos dois anos aproximadamente 30 000 pessoas perderam seus empregos em petróleo e gás como consequência dos preços de petróleo declinantes e em consequência de uma demora em investimento no crescimento da produtividade do setor. Na primeira onda tratava-se de trabalhadores convidados mas, eventualmente, de staff norueguês. Enquanto dramático a nível pessoal para aqueles que perderam seus empregos, isto aconteceu sem crise ou desconforto social. Tal é administrável pelo fato de trabalhadores noruegueses terem segurança social e não segurança no emprego. É assegurada pelo Estado uma certa rede de segurança para os demitidos.
A terceira coisa que ocorre é uma boa colaboração no ambiente de trabalho. A vida norueguesa no trabalho é caracterizada por uma hierarquia limitada e de pouca distância até o topo. Isto significa que ideias podem ser trazidas e decisões tomadas na linha de produção por empregados confiáveis e qualificados. Aliás, a pesquisa demonstra que firmas com alto nível de trabalho organizado são mais capazes de se reorganizarem e reestruturarem.
DSW: Isto irá surpreender muitos leitores americanos.
SA: Bem, eles não estão sozinhos. Eu diria que há um mito bem estabelecido de que trabalho organizado atrapalha a inovação e reestruturação. Mas, no microcosmo, a maioria das pessoas concordariam que o bom diálogo promove melhores soluções para todo mundo. Vc sabe que não é do interesse dos trabalhadores verem as empresas naufragarem. Em um nível macro a forte tripartite colaboração entre sindicatos, empregadores e Estado também tem interesse em assegurar a formação responsável de salários. E juntas elas podem abraçar as vastas e difíceis reformas onde uma perspectiva de longo prazo é necessária. Dois exemplos: na negociação anual de salários a indústria de exportação sempre negocia primeiro e estabelece o cenário para as demais, assegurando assim que o crescimento de salários não excederá aquilo com que os exportadores possam lidar. A nível político, em 2008 os três parceiros negociaram o início de grande reforma da aposentadoria que dará menos às pessoas mas será necessária para assegurar o suprimento de trabalho e orçamentos públicos numa população que está envelhecendo.
Tudo isto, no caso, não é para dizer que não hajam desafios pela frente. Um deles é que o mercado de trabalho sofre mudanças. Com mais trabalhadores em Serviços, com mais conhecimento e com ( não ainda) mais free lancers estamos vendo um declínio do trabalho organizado ( membros de sindicatos). Atualmente está em 50% da força de trabalho e, em algum ponto, poderá deixar de ser representativo para uma melhor negociação coletiva e um papel político forte. Segundo, através da imigração aparece uma percentagem maior de trabalhadores de qualificação mais baixa do que a população norueguesa típica. Já estamos tendo problemas com os próprios noruegueses menos qualificados num mercado de trabalho altamente produtivo. Permitir salários menores minaria os princípios acima e poderia mesmo tornar os benefícios sociais mais atraentes do que os salários para alguns. Logo não é uma boa solução. Construindo competências e integrando mais imigrantes ao mercado de trabalho nos seus próprios termos parece mais sensível, mas é naturalmente mais fácil de dizer do que de fazer, ao menos para a primeira geração de imigrantes ( de fato a segunda geração de imigrantes consegue ir bastante bem)
DSW: Mesmo um sistema de adaptação complexo pode ser destruído por forças externas. Vamos falar mais sobre inovação. A Noruega, às vezes é mostrada como tendo falta de inovação mas sua análise parece sugerir o contrário.
SA: Há uma discussão interessante acerca dos modelos que, de fato, trazem inovação. Na minha compreensão Daron Acemoglu e outros argumentam que sociedades igualitárias com Estado forte e redes de segurança consideráveis são bons lugares para se viver, mas são dependentes de outros ( como os EUA) para buscar inovação pois o principal mecanismo de inovação é a possibilidade de ir à frente numa sociedade, de outro modo, desigual. Outros pesquisadores tem questionado esta análise, questionando inter alia como esta inovação é mensurada. Tais pesquisadores mostram que tanto em patentes e pesquisadores per capita – os países nórdicos tem se apresentado bem melhor que os EUA. Joseph Stiglitz também oferece teorias alternativas argumentando que altos níveis de confiança e uma forte rede de seguridade promovem, de fato, a inovação pois o risco de fracasso é percebido como muito menor. E assim como outro laureado do Prêmio Nobel, Daniel Khanemann, ilustrou – as pessoas tendem a escolher risco zero sobre o possível ganho.
A estrada para a inovação e o sucesso é pavimentada com tentativas fracassadas. Assim sendo se concentra em duas questões básicas: Primeiro – que tipo de relacionamento traz nova maneira de pensar? E segundo: as pessoas pensam de forma inovadora se elas tem muito a ganhar, pessoalmente – ou se o fracasso em tentar traz baixo risco?
DSW: Sua análise do que está por “debaixo dos panos” da Economia norueguesa ilustram bem o três fatores que listei na minha introdução a esta entrevista; 1) um Estado forte 2) um Estado inclusivo; e 3) um Estado adaptável a um sistema complexo. Eu gostaria de ouvir mais a respeito do terceiro fator. Como a Noruega conseguiu, por um lado, evitar os riscos de um planejamento central, de um lado, e de um mercado desregulado de outro? Como ela consegue lidar com o fato que qualquer política de intervenção terá efeitos em cascata através de um complexo sistema social e econômico?
SA: Bem, esta é uma grande pergunta. E não estou aqui para atestar que a Noruega já tem tudo resolvido. Mas os blocos de construção estão no lugar. E eu gostaria de voltar a uma questão a que você também se referiu na sua introdução: esta não é uma economia de planejamento. De fato meu principal ponto é que não é só o Estado que promove o modelo nórdico. É um consenso complexo e estável que envolve empregadores e empregados – precisamente para assegurar o setor privado e as exportações. A Economia não é centralmente planejada. A parcela do PIB ocupada pelo setor público é alta porque os serviços de bem estar e bens coletivos são publicamente administrados ou financiados. Mas a economia, em geral, se mostrou altamente adaptável.
DSW: Muito obrigado pela sua visão de insider da economia norueguesa que penso será reveladora para muito leitores norte americanos. Melhor ainda, eu e meus colegas da Evolution Institute esperamos trabalhar com você e seus associados da AGENDA de modo a – como eu coloco – nos tornarmos administradores sagazes do processo evolucionário.
SA: Obrigado!
Tradução: Maneco
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