"A pior forma de desigualdade é tentar
fazer duas coisas diferentes, iguais"
(Aristóteles, filósofo grego)
Como dizia a letra do samba intitulado Plataforma, “não sou candidato a nada... mas o meu peito não se conforma”.
Não tenho o perfil de ganhador de Prêmio Pulitzer, do Nobel de Literatura, e muito menos eu me habilito a vestir um fardão de qualquer academia de letras. De pessoas com fardão só aceito aqueles humildes atendentes de portarias de hotéis cinco estrelas que, quando tiram aquela ridícula fantasia de gala, pegam ônibus lotados para as suas humildes residências.
É por não pretender galardão de qualquer espécie que tenho a pretensão (talvez vaidosa, pois existe a vaidade de não ter vaidade) de tentar botar o dedo na ferida com liberdade e isenção.
Não tenho o perfil de ganhador de Prêmio Pulitzer, do Nobel de Literatura, e muito menos eu me habilito a vestir um fardão de qualquer academia de letras. De pessoas com fardão só aceito aqueles humildes atendentes de portarias de hotéis cinco estrelas que, quando tiram aquela ridícula fantasia de gala, pegam ônibus lotados para as suas humildes residências.
É por não pretender galardão de qualquer espécie que tenho a pretensão (talvez vaidosa, pois existe a vaidade de não ter vaidade) de tentar botar o dedo na ferida com liberdade e isenção.
Vivemos um incrível período de ebulição dentro do chamado Estado de Direito, cujas causas e efeitos merecem análise acurada.
Os três poderes da República funcionam institucionalmente, os estados e municípios têm governantes eleitos. Só que:
- prendem-se políticos corruptos em processos judiciais como nunca antes se viu neste país (um ex-presidente da Câmara dos Deputados há um mês e dois ex-governadores do Rio de Janeiro em menos de 24 horas);
- a presidente eleita é afastada do cargo por diversos fatores, que vão da convivência com a corrupção até a manipulação contábil do Tesouro como forma de se encobrir o verdadeiro caos das contas públicas;
- o vice-presidente que dirigia o partido que dava sustentação política à presidente deposta termina se beneficiando do próprio caos que ajudou a criar (e da chapa eleitoral) e se torna presidente da República. Tudo constitucionalmente resolvido e continuado;
- nada funciona na economia. O PIB do Brasil permanece caindo;
- o desemprego, aumentando;
- a União apresenta um orçamento com déficit de bilhões;
- os estados e municípios, que não emitem moeda sem lastro (como disse o Pesão, governador do RJ, num arroubo de sinceridade que denuncia a prática comum aos governos federais, causadora de inflação num período de depressão econômica, tal é a gravidade da situação), estão falidos e com dificuldades até de pagar salários do funcionalismo e dos aposentados.
Foi o que se viu quando um grupo de manifestantes interrompeu sessão da Câmara Federal agredindo pessoas e pedindo intervenção militar, como se os fardados tivessem o poder de resolver problemas econômicos que não dominam (ou que dominam tanto quanto a turba que os quer no poder).
QUESTÃO NODAL: A FALÊNCIA DO CAPITALISMO.
O mais grave disso tudo é a perigosa manipulação midiática da crise. Ouvi e vi, na cobertura em TV fechada de um canal pertencente a uma grande rede de televisão, uma multidão exultando com a prisão dos ex-governadores. Havia quem usasse lenços brancos na cabeça e estourasse champanhe, numa alusão a um triste evento num restaurante de luxo internacional patrocinado por um dos ex-governadores presos. Uma apresentadora afirmou ser "triste vermos que todo o sofrimento da população vem dessa corrupção com o dinheiro público”.
Qualquer espectador passivo e justificadamente indignado com a corrupção engole tal pílula midiática sem água e sem perceber a mensagem subliminar. Tentam convencer a todos e a si próprios que tudo é uma questão de gestão competente e honesta, e não de forma e conteúdo de uma relação social falida por seus próprios fundamentos, silenciando sobre a questão nodal: a falência do capitalismo!
O dano causado pela corrupção é grave. Além de retirar do povo recursos que deveriam ser utilizados em seu benefício ao invés de desperdiçado em espetáculos grotescos de mulheres de políticos recebendo joias e mimos de milhares de dólares em meio a uma celebração bizarra num hotel internacional suntuoso, demonstra a relação promiscua dos governantes que não se regem pela definição de prioridades num orçamento público sabidamente deficitário, mas sim pelo interesse econômico que dita o processo eleitoral e pelo desejo de enriquecimento fácil.
Mas apesar de tantos desvios de dinheiro e de conduta, este ainda não é ponto fulcral do problema, como quer fazer-nos crer o comentário da tal apresentadora, cujo subtexto é: “Se acabarmos com a corrupção, tudo se resolverá”.
Tal comentário, superficial mas muito bem elaborado, dentro dos limites aceitáveis para uma crítica jornalística chapa branca, incita a população revoltada contra um alvo equivocado, pelo menos para quem guarda um sentimento de credulidade sistêmica conservadora ou por quem se considera um mudancista (ainda que meramente reformista); ou ainda, se quisermos rotular os comportamentos (o que é sempre uma postura temerária e susceptível de equívocos), para a chamada direita e a chamada esquerda.
Há um silêncio midiático retumbante (se é que cabe tal figura de retórica) quanto a um ponto fundamental, sobre o qual nada se ouve e não se lê uma linha sequer: o fato de que o sistemanão tem mais uma conexão mínima com a capacidade de provimento das necessidades sociais. Este ponto fundamental silenciado se refere à ocorrência, às causas e às consequências da falência sistêmica econômica e política mundial (o segundo aspecto ligado ao primeiro) do capitalismo!
Por que a apresentadora e comentaristas da referida rede de televisão passam batidos pela questão da falência do sistema capitalista?
É porque a empresa para a qual trabalham faz parte de um sistema que é corrupto ontologicamente e antologicamente. Embora noticie o combate à corrupção, é do sistema corrupto que retira os seus lucros para remunerar os empregados jornalistas, deles extraindo mais-valia (uma das espécies de corrupção), ainda que os ditos cujos sejam excepcionalmente bem pagos na comparação com os demais trabalhadores jornalistas de mídias menos abrangentes.
A corrupção política é um cancro social abominável, que deve ser combatido com antibióticos jurídicos penais e civis em dosagens fortes, como agora ocorre graças a magistrados e promotores que se vestem com as roupas de paladinos da justiça. A corrupção sistêmica, contudo, é consentida por leis e inalcançável pela justiça, daí sua letalidade em termos sociais! (por Dalton Rosado)
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