segunda-feira, 31 de outubro de 2016

EM UBATUBA-SP, NOVO ZONEAMENTO AMEAÇA COMUNIDADES TRADICIONAIS E ÁREAS DE MATA ATLÂNTICA


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Por Vanessa Cancian – Comunicação do FCT (Fórum de Comunidades Tradicionais) 
Após audiência pública polêmica e cheia de controvérsias, mapa do novo zoneamento costeiro continua com poucas justificativas técnicas e que podem causar danos irreversíveis aos moradores e à natureza do litoral Norte de SP.
Em audiência pública realizada no dia 24 de outubro, em Ubatuba, lideranças comunitárias, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPE) e entidades ligadas à conservação costeira e aos direitos socioambientais questionam a legitimidade do processo que irá concretizar o novo Zoneamento Ecológico e Econômico do Gerenciamento Costeiro (Gerco) do Litoral Norte do Estado de São Paulo (ZEE LN). Falta de informação, interesse de iniciativas privadas e um grupo setorial sem representatividade dos povos e comunidades tradicionais foram alguns dos pontos elencados pelo público que lotou o auditório no município.
Cortada pela rodovia Rio-Santos (BR 101), a cidade é também o local onde vivem povos e comunidades tradicionais desconhecidos da maioria dos turistas e visitantes. Quatro quilombos, duas aldeias indígenas e dezenas de comunidades caiçaras resistem à especulação imobiliária e ao turismo exploratório, lutando para continuar em seus territórios. As grandes áreas ainda preservadas no município dialogam com a existência dessas comunidades, ainda que legislações ambientais arbitrárias (e aplicações de sanções injustas) também prejudiquem a todo instante os  modos de vida tradicionais que ainda existem na região.
Neste território de luta e resistência, o turismo de massa e a especulação imobiliária fazem com que grande parte das pessoas que frequentam o local  não conheçam  a diversidade cultural presente e muito menos os enfrentamentos de cada comunidade para manter-se em seus territórios. Atualmente, o município passa pela revisão do mapa do Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE/LN), que faz parte do Gerenciamento Costeiro (Gerco), ferramenta que define como se dá o uso, ocupação e utilização das áreas costeiras.
A audiência pública demonstrou pela voz de comunitários, ambientalistas, moradores, pesquisadores que o processo não foi construído de maneira participativa e que faltam embasamentos técnicos e justificativas para algumas mudanças no zoneamento. O Ministério Público Federal e o Estadual questionaram também a gravidade dos interesses privados que têm regido uma série de definições  do ZEE/LN.
“Não se trata somente de falar em Z1, Z2, mas sim em saber o que é cada uma dessas zonas e qual a consequência de cada uma delas na vida das comunidades, ponderar os pontos positivos e os pontos negativos, colocar na balança. O que eu estou vendo é que está havendo mentiras por parte do interesse privado para trazer algumas comunidades para o lado de alguns empreendedores”, pontuou a Dra. Walquíria Imamura Pícolli, Procuradora da República.
“Existem vários setores com interesses diversos, marinas, meio ambiente, setor imobiliário, todos legítimos, desde que sejam defendidos com clareza e, sem mentiras. Agora não dá pra sair enganando comunidade tradicional, falar em demolição, fazer promessas de desenvolvimento. O Gerco não determina a instalação de escola, emprego, saúde, luz elétrica, isso é promessinha de empreendedor que quer enganar as comunidades”, alertou a Procuradora sobre a situação alarmante de Ubatuba. Os empresários com interesses em abrir e facilitar seus empreendimentos estão dialogando diretamente com as comunidades com falsas promessas e prejudicando a legitimidade do processo.
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Fonte: informarubatuba.com
A voz do povo chegou tarde
“Este processo participativo está chegando no final e isso é inadmissível!”, ressaltou Tami Albuquerque, do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Coletivo de entidades ambientalistas de Ubatuba. “O Estado ter ido esclarecer o que é o zoneamento dentro das comunidades tradicionais cinco dias antes da audiência pública é vergonhoso. Essas informações deveriam ter chegado anos atrás”, completa. Na semana anterior a audiência, a CPLA realizou quatro reuniões em comunidades cujas decisões ainda não estavam de acordo, além de não ter sanado o problema, diversas outras comunidades ficaram sem essa assistência e seguem controvérsias no mapa apresentado.  Ademais, as reuniões só foram realizadas porque as comunidades se manifestaram e ocuparam o último encontro do Gerco que tinha como finalidade avançar e aprovar o mapa sem quase nenhuma participação popular.
“É evidente também que não há representatividade neste grupo de trabalho e que ele não representa a diversidade brasileira. Faz séculos que o território do Brasil é comandado por homens brancos e para homens brancos, e isso foi perpetuado no processo. Onde estão as mulheres e a diversidade de povos e comunidades tradicionais existentes?”, questionou Albuquerque. Ela ressaltou que as cadeiras para as comunidades deveriam ter sido inseridas de toda forma e que isso prejudicou a legitimidade do processo. “Sem essa participação, como que eles podem decidir com consciência quais áreas deveriam ser eleitas para cada situação?” finalizou.
“De acordo com a Convenção 169 da OIT, deveria ter sido feita a consulta prévia e informada às comunidades tradicionais”, segundo explica a Dra. Maria Capucci, Procuradora Geral da República. Capucci salienta também que mesmo se representantes estivessem alinhados com a defesa das populações tradicionais, ainda é preciso refazer os processos de consultas para suprir o que é exigido por lei.
Em paralelo aos interesses de grandes empresários do setor da construção civil e do setor náutico, as comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas não foram ouvidas e a falta de informação predominou durante toda a elaboração do zoneamento. Isso significa dizer que as populações que habitam a região e que possuem suas vidas diretamente ligadas ao manejo tradicional ficaram aquém das decisões importantes.
O Grupo Setorial do Gerco, que coordenou o processo junto a Coordenadoria de Planejamento Ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (CPLA) não contemplou com nenhuma cadeira os povos e comunidades tradicionais do município, ou seja, a representatividade para essas comunidades ficou anulada durante todo o decorrer do processo.

Zoneamento sem justificativas técnicas e sem respeito às populações tradicionais
Ficou evidente na audiência pública que a população presente clama por mais respeito ao meio ambiente e aos povos tradicionais. A abertura de grandes áreas para empreendimentos como se pretende na praia do Ubatumirim (no Norte de Ubatuba) é um dos pontos mais polêmicos do zoneamento. Empresários de marina e do setor da construção civil demonstraram abertamente seus interesses e o Gerco, até o momento, colocou uma grande mancha de Z4OD em uma área que já está nas mãos de uma das maiores construtoras de Ubatuba.
“Segundo trabalho da professora Celia Regina de Gouveia Souza, do Instituto Geológico do Estado de São Paulo (também ligado a SEMA), Ubatumirim é um local apontado como área de risco costeiro muito alto. E a praia do Félix é indicada como área de alto grau de erosão costeira”, como pontou Bruno Gios, Assistente Técnico do Ministério Público Federal. Bruno questionou o fato da pesquisa, que está vinculada a um instituto da própria secretaria não estar sendo levada em conta. “Estimular a ocupação dessas áreas poderá causar consequências drásticas à praia, aos ambientes naturais e aos próprios usos de atividades antrópicas na costeira, e ambas aparecem no mapa como Z4OD”.
“Não acredito ser adequado, ou coerente você fomentar a ocupação urbana em locais onde o risco de erosão costeira é muito elevado”, destacou Gios. O especialista alertou que as consequências dessa ocupação são: aumento da frequência e magnitude de inundações costeiras causadas por ressacas, comprometimento do potencial turístico da região costeira e gastos astronômicos com a recuperação das praias e reconstrução da orla marítima.
“Na região Sul de Ubatuba, na Maranduba há uma área de 170 hectares marcada no mapa como Z5, zoneamento que não prevê nenhuma porcentagem de preservação. Dentro dessa área há um polígono de 70 hectares de maciço florestal que equivale a 40% deste território”, salientou o biólogo. O especialista afirma que não há cabimento compreender toda essa região com esse zoneamento, ou seja, a precarização do ecossistema será ainda mais intensa sem considerar a área que já existe preservada.
Da mesma maneira que foi feito no zoneamento anterior, comunidades tradicionais já demarcadas como o quilombo da Fazenda, de Camburi e a aldeia Boa Vista seguem sem ser sinalizadas pelo mapa, ou seja, aparecem somente como áreas verdes, o que chancela as injustiças territoriais e desconsidera o modo de vida feitas destas comunidades. Além disso, repetem a forma autoritária feita no passado que criou os parques estaduais sem sinalizar os povos e comunidades tradicionais que já estavam no local antes da consolidação dos mesmos.
A manutenção e garantia dos modos de vida tradicionais das comunidades em seus territórios não está sendo considerada. “Em nome do progresso” o zoneamento costeiro desconsiderou inclusive laudos técnicos que apresentam incompatibilidade dos zoneamentos propostos com a realidade do município.

Como vai ficar o mapa?
Após a longa audiência e a evidente insatisfação da população de Ubatuba com relação ao mapa proposto pelo Grupo Setorial do Gerco, é incerto saber se a CPLA irá ou não considerar as alterações propostas. A CPLA irá concluir as audiências públicas do Litoral Norte, que inclui as cidades de Caraguatatuba, São Sebastiao e Ilhabela até o dia 4 de novembro.
Mesmo aqueles que não participaram da audiência ainda podem encaminhar sugestões de mudança e os documentos devem ser protocolados pessoalmente até o dia 11 de novembro. O local de recebimento em Ubatuba é na Sede da Fundação Florestal localizada na Rua Esteves da Silva, 510, centro. Além disso, também podem ser enviadass por carta registrada para a SMA/CPLA (Av. Prof. Frederico Hermann Jr., 345, Alto de Pinheiros, São Paulo – SP. CEP 05419-010) ou por e-mail parabcaio@sp.gov.br

Para saber mais:
O que é o ZEE?
A revisão do zoneamento define como é permitido ocupar o solo em cada área do território, como por exemplo, onde é permitido ou proibido pescar, criar marisco, construir casas e prédios, praticar agricultura, colocar estruturas náuticas, entre outras coisas. A alteração das áreas implica diretamente nos interesses da iniciativa privada uma vez que grandes empreiteiros e empresários visam determinadas áreas de comunidades para empreender em nome do capital e sem considerar a soberania dos povos tradicionais que vivem ali. O processo de revisão que teve início em 2014 e em cada um dos municípios do litoral Norte criou grupos de trabalho para executar as ações com membros do poder público e da sociedade civil, mas não contemplou a participação de comunidades tradicionais com a chamada consulta prévia informada, segundo exige a convenção 19 da OIT

O que é o Gerco?
O Gerenciamento Costeiro é uma ferramenta utilizada por vários países para ordenar os diferentes usos das áreas costeiras. No Brasil, a Política Nacional de Gerenciamento Costeiro foi instituída legalmente em 1988.  Na esfera estadual, São Paulo foi o primeiro Estado a instituir legalmente o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro – PEGC em 1998.O Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE é um dos instrumento do PEGC e visa classificar o território em unidades e disciplinar os usos.  O primeiro ZEE foi instituído em 2004 e passa, atualmente, por um processo de revisão. Esse processo está ocorrendo desde 2011 e deveria ocorrer com a  participação de toda a sociedade. O Grupo Setorial do Litoral Norte é o fórum colegiado responsável por elaborar o ZEE. Esse grupo é tripartite composto por 24 cadeiras: ⅓ de representantes do Governo do Estado, ⅓ de representantes dos municípios (2 de Ubatuba, 2 de Caraguatatuba, 2 de São Sebastião e 2 de Ilhabela) e ⅓ de representantes da sociedade civil. Para definir os representantes da sociedade civil é realizado um processo eleitoral.
Fonte: preservareresistir.org
via: http://negrobelchior.cartacapital.com.br/em-ubatuba-sp-novo-zoneamento-ameaca-comunidades-tradicionais-e-areas-de-mata-atlantica/

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