O câncer de próstata é o câncer mais frequente e uma das principais causas de morte por câncer em homens no Brasil e no mundo. Muitas estratégias foram estudadas para tentar reduzir as mortes por este câncer. Desde a década de 1990 até cerca de 2008 acreditava-se que se homens sem sintomas realizassem o PSA e o toque retal periodicamente conseguiríamos combater esse problema e salvar vidas. Contudo, entre 2008 e 2013, diversas instituições de saúde atualizaram suas diretrizes sobre o rastreamento do câncer de próstata, modificando as suas recomendações.
O senso comum diz que a melhor maneira de lidar com o câncer é fazer o diagnóstico e iniciar um tratamento agressivo o mais cedo possível. Essa crença faz com que as pessoas não se preocupem muito sobre quais os malefícios que um exame ou tratamento podem causar.
Qualquer intervenção médica pode produzir benefícios e também malefícios, e esse balanço com relação ao rastreamento populacional com o exame do PSA está mudando significativamente.
O TelessaúdeRS não apoia a campanha Novembro Azul (idealizada pelo Instituto Lado a Lado em parceria com a Sociedade Brasileira de Urologia) por entender que as melhores evidências científicas atuais apontam que mais homens serão prejudicados pelo rastreamento com PSA e exame de toque do que terão benefício. Esta campanha não aborda, de forma responsável, os possíveis malefícios do rastreamento e a importância da decisão informada e preferências pessoais dos homens na decisão de realizar o exame.
1. O que são estratégias de rastreamento?
O rastreamento é uma estratégia que busca encontrar pessoas aparentemente saudáveis que estejam com risco aumentado de desenvolver uma doença como o câncer ou diabetes, por exemplo. O objetivo é identificar estas situações clínicas antes que a pessoa manifeste sintomas para que o diagnóstico e tratamento adequado seja implementado. Contudo, não é uma ação isenta de riscos.
2. O que é o exame do PSA?
É um exame de sangue utilizado para tentar identificar pessoas com câncer de próstata. Níveis altos de PSA podem indicar a presença do câncer, mas isso também pode ocorrer em outras situações frequentes como o aumento da glândula (hipertrofia prostática benigna), ou inflamação (também chamada de prostatite). Ele também pode não identificar uma parte dos homens que de fato têm câncer de próstata.
3. Que outros exames são utilizados para o rastreamento do câncer de próstata?
Geralmente o toque retal é utilizado em conjunto com o PSA para o rastreamento do câncer de próstata, mas as evidências atuais indicam que mesmo a realização de ambos os exames não garante um melhor desempenho do rastreamento.
4. Existem outros exames que podem detectar o câncer de próstata?
Atualmente não existem outros exames de rastreamento capazes de identificar precisamente o câncer de próstata. Diversos testes estão sendo desenvolvidos para melhorar a acurácia do rastreamento com PSA. Entretanto, neste momento, não existe evidência científica suficiente para apontar se eles são precisos.
5. Quais são os possíveis danos do rastreamento com o PSA? Não é um simples exame de sangue?
O PSA é um exame de sangue simples, mas se o resultado for positivo, os homens provavelmente serão submetidos a outros exames, o que pode causar danos importantes.
Em um a cada seis homens que se submetem ao rastreamento sistemático do câncer de próstata (com PSA e toque retal) por 11 anos, a presença de um câncer que não existe é sugerida. Isto é chamado de resultado “falso-positivo”, e pode causar preocupação, ansiedade, e levar a outros exames que na verdade não seriam necessários. Dentre eles, a biópsia, por exemplo, que pode ter complicações como febre, infecção, sangramento, problemas urinários e dor.
Um pequeno número de homens precisará internar em um hospital por causa destas complicações. Atualmente, quando um câncer de próstata é diagnosticado, não existem maneiras de prever com certeza se esse câncer nunca causará problemas e não necessita de tratamento ou se é um câncer agressivo. Isso significa que muitos cânceres diagnosticados não causariam problemas (chamamos isto de “sobrediagnóstico”).
Como existe tanta incerteza hoje em dia sobre quais cânceres de próstata precisam ser tratados, quase todos os homens com este câncer descobertos através do PSA e toque retal são tratados com cirurgia, radioterapia ou tratamento hormonal. Muitos desses homens não necessitam de tratamento porque o seu câncer não vai crescer ou causar problemas. Isso é chamado de “sobretratamento”.
O tratamento para o câncer de próstata também pode causar danos importantes e geralmente duradouros como disfunção erétil e incontinência urinária como consequência da cirurgia, problemas intestinais devido à radioterapia e um pequeno risco de morte ou complicações sérias devido à cirurgia.
A imagem abaixo pode ajudar a entender melhor o que sabemos hoje com relação aos riscos e benefícios do rastreamento do câncer de próstata com o PSA e o toque retal. É uma representação com base nas pesquisas mais recentes que mostra o que acontece quando comparamos dois grupos de mil homens com as mesmas características e riscos de desenvolver câncer de próstata.
Ambos os grupos foram acompanhados por 11 anos. O da esquerda são homens que não realizaram qualquer tipo de rastreamento para o câncer, enquanto que os homens do grupo da direita realizaram PSA e toque retal sistematicamente.
Fontes: Ilic et al. (2013) Cochrane Database of Systematic Reviews, Art. No.:CD004720.Harding Center for Risk Literacy. (2014). Disponível em: https://www.harding-center.mpg.de/en/health-information/facts-boxes/psa |
Após 11 anos de acompanhamento podemos observar que o número de homens que morreram por câncer de próstata é o mesmo nos dois grupos (7 homens). Contudo, no grupo que fez o rastreamento, 20 homens foram diagnosticados e tratados para o câncer sem necessidade e 160 homens sem câncer tiveram resultado falso-positivo e realizaram biópsia também sem necessidade. Ou seja, em resumo, ao final de uma década, no grupo que não realizou rastreamento 783 homens estavam sadios e não sofreram danos, enquanto que no grupo que fez rastreamento apenas 603 homens estavam nesta situação.
6. Como decidir se devo fazer o exame do PSA?
Esta é uma decisão difícil frente ao cenário de incerteza atual sobre esse rastreamento. Sabemos que alguns grupos de homens apresentam fatores de risco que aumentam a chance de desenvolver esse câncer, tais como homens negros e/ou com história familiar de câncer de próstata (especialmente familiares de 1º grau que tiveram câncer de próstata antes dos 65 anos). O melhor conselho é discutir os riscos e benefícios do rastreamento com o seu médico de confiança, levando em consideração seus fatores de risco, preferências pessoais, saúde atual e estilo de vida.
7. Existe alguma outra situação em que o PSA e o exame de toque retal estão sempre indicados?
Sim. Sempre que o homem apresentar sintomas que podem estar relacionados com o câncer de próstata esses exames estão muito bem indicados. Nestes casos, não chamamos de rastreamento e sim de investigação diagnóstica.
8. Quais são os sintomas do câncer de próstata?
Os sintomas do aumento da próstata por motivos benignos (hiperplasia prostática benigna) ou malignos (câncer de próstata) são muito semelhantes, embora as causas benignas sejam muito mais frequentes. Em ambas as situações o PSA e o toque retal devem ser realizados. Os sintomas mais frequentes incluem:
- diminuição da força do jato urinário
- dificuldade para iniciar a micção
- necessidade súbita de urinar
- urinar várias vezes à noite
- sensação de esvaziamento incompleto da bexiga
Na presença de quaisquer desses sintomas o homem deve procurar o seu serviço de saúde de referência para investigação e acompanhamento.
9. Existe alguma outra maneira de prevenir o câncer de próstata?
Na verdade, existe sim. As evidências atuais indicam que a alimentação saudável e a prática de exercício físico ajudam a reduzir o risco de câncer de próstata, além de ajudar a prevenir também as doenças cardiovasculares – principal causa de mortalidade no mundo.
10. Quem mais, além do TelessaúdeRS, têm essa opinião?
Não defendemos esta opinião sozinhos. Por exemplo, os governos do Canadá e do Reino Unido, países cujos sistemas de saúde estão entre os melhores do mundo, também compartilham dessa opinião e não recomendam o rastreamento sistemático de sua população para o câncer de próstata. Outras instituições também assumiram esta posição, como o INCA (Instituto Nacional do Câncer) no Brasil, o USPSTF (US Preventive Services Task Force) nos Estados Unidos, e o CTFPHC (Canadian Task Force on Preventive Health Care) no Canadá. O próprio Richard Ablin, cientista que descobriu o PSA em 1970, escreveu um artigo para o New York Times em 2010 reconhecendo que sua descoberta não é apropriada quando utilizada para o rastreamento populacional.
Texto escrito por Thiago Frank, Médico de Família e Comunidade.
O TelessaúdeRS está atento ao debate científico e se compromete a atualizar sua posição sobre esse tema à luz de novas evidências que possam ajudar a compreender melhor os riscos e benefícios do rastreamento do câncer de próstata
Referências:
US Preventive Services Task Force:
Canadian Task Force on Preventive Health Care:
Instituto Nacional do Câncer (INCA):
UK National Screening Committee:
Artigo do Richard Ablin no New York Times:
Publicado originalmente dia: 17/11/2014
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