segunda-feira, 9 de novembro de 2015

EUA, China e Rússia: nova Guerra Fria?


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O objetivo deste primeiro de uma série de artigos, é analisar os atuais conflitos na Síria e na Ucrânia, a partir dos posicionamentos de EUA, China e Rússia em relação a eles, tendo como pano de fundo a transição na ordem mundial que está em curso. Tais conflitos somente podem ser compreendidos a partir de uma visão global dos conflitos geopolíticos e econômicos, pois não são fenômenos estritamente nacionais.
No atual sistema de poder internacional, desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos da América (EUA) são a única super-potência mundial. A principal potência imperialista está no vértice do sistema e exerce a sua hegemonia em aliança com as potências europeias (principalmente a Alemanha, mas também o Reino Unido e a França) e o Japão, articuladas no G-7 e na Otan. Para Samuel Pinheiro Guimarães, no “sistema internacional moderno, existe um condomínio de grandes potências, sob a hegemonia imperial americana consagrada no sistema das Nações Unidas”.
Segundo o especialista em Geopolítica Wanderley Messias da Costa, no contexto do capitalismo imperialista, a partir do final do século XIX até hoje, emergiram as potências mundiais e “as estratégias dessas potências tornaram-se antes de tudo globais, isto é‘projetos nacionais’ tenderam a assumir cada vez mais um conteúdo necessariamente internacional.”
Na coalizão liderada pelos EUA, obviamente há contradições, em especial com a Alemanha a França, que lideram a União Europeia, mas a força relativa dos EUA nas áreas econômico-financeira, tecnológica, político-diplomática e sobretudo militar, é tão grande que inibe possíveis dissensões e confrontos entre os membros da coalizão, fruto das contradições inter-imperialistas. As divisões entre as potências imperialistas durante o século XX, evoluindo para graves conflitos de interesse e depois guerras, estiveram na gênese das duas guerras mundiais.
No pós-Guerra Fria, todas as principais potências imperialistas fazem parte da mesma coalizão, amalgamada pela supremacia estadunidense. Talvez essa seja a principal razão, ao lado do “equilíbrio do terror” que a capacidade militar nuclear e de armas de destruição em massa de vários países cria, para não haver hipótese plausível de uma Terceira Guerra Mundial hoje.
Em termos geopolíticos, econômicos e militares, acelera-se a transição em curso nas relações de poder no mundo. Porém, a supremacia dos EUA ainda é muito grande, e a transição atual não está dada, é uma tendência, um movimento entre uma ordem global unipolar e uma possível nova ordem multipolar, que provavelmente terão os EUA e a China como futuras super-potências, e novos pólos como a União Eurasiática e a América do Sul integrada. Todavia, esse trânsito pode ser abortado por esforços de contenção, conflitos e guerras, a fim de se manter o status quo da ordem mundial.
O movimento de transição em direção à multipolaridade, apesar de reversível manu militari, deverá ser complexo e prolongado, contudo é uma tendência com direção, cujo ritmo e intensidade têm se acelerado e se intensificado nos últimos anos. Segundo James N. Rosenau, “uma ordem global nova ou reconstituída pode muito bem levar décadas para amadurecer”.
Em um contexto de crise capitalista internacional, os EUA e a União Europeia ampliam a ofensiva econômica e militar para tentar reverter a tendência ao declínio relativo de sua hegemonia. Assim, objetivamente, adensa-se a disputa entre os EUA e os países líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), por um lado, e a China, a Rússia, os demais BRICS e países em desenvolvimento, inclusive da América Latina, por outro. Essa tendência da atualidade não é inexorável e eterna, como também não o é nenhuma ordem mundial.
O conflito na Síria, seguido pelas disputas político-militares na Ucrânia, marca uma nova etapa, no qual os Estados Unidos, a União Europeia e a Otan podem muito, mas não podem tudo. De 1989, ano da “queda do Muro de Berlim”, a 2012-2015 foram quase 25 anos de supremacia quase completa do chamado Ocidente, principalmente nos temas de segurança internacional. Agora essa situação começa a se alterar.
Os dois vetos seguidos de Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU, em 2012 e 2013, somados ao conflito entre a Rússia e a Georgia, que terminou com uma resposta militar russa e o reconhecimento de Moscou à independência da Abkházia e da Ossétia do Sul, em 2008, podem ser caracterizados como ações políticas de Rússia e China que indicam um possível novo equilíbrio de poder em formação. A paralisação do Conselho de Segurança, em temas tão relevantes para os EUA, o Reino Unido e a França, quanto os conflitos na Síria e na Ucrânia, é algo inédito desde o fim da União Soviética.
Para Celso Lafer e Gelson Fonseca Jr., “as formas globais de equilíbrio de poder, multipolares, bipolares, ou a condição unipolar, afetam diretamente a maneira pela qual os organismos internacionais realizam os princípios e valores que adotam”. Os autores associam “a relação bipolar na Guerra Fria e a paralisação do Conselho de Segurança”, dizendo que uma das principais evidências da nova ordem mundial pós-Guerra Fria é que “estaria superado, aí sim, um defeito do sistema anterior, justamente o bloqueio dos mecanismos multilaterais pelo impasse permanente no Conselho de Segurança” da ONU.
Daí autores como Luiz Alberto Moniz Bandeira fazerem referência a uma “segunda Guerra Fria”. Para Moniz Bandeira – que escreve em seu livro “A Segunda Guerra Fria” antes do agravamento do conflito na Ucrânia –, há uma “nova guerra fria” em curso, e “a Síria converteu-se Major Theater War [maior teatro de guerra] (MTW) da segunda guerra fria, evidenciando mais nitidamente a confrontação de dois blocos, conformados, de um lado, por Estados Unidos, União Europeia, petromonarquias do Golfo Pérsico, Turquia e Israel, e, do outro, por Rússia, China e Irã, não obstante a diversidade e as contradições de interesses”.
Nos próximos artigos discutiremos as relações entre EUA, China e Rússia, e como estas se manifestam nos atuais conflitos envolvendo a Síria e a Ucrânia.

Por Ricardo Alemão Abreu**ECONOMISTA, MEMBRO DO COMITÊ CENTRAL E DA COMISSÃO POLÍTICA DO PCdoB, NA TAREFA DE SECRETÁRIO NACIONAL DE ORGANIZAÇÃO
link: http://renatorabelo.blog.br/2015/11/09/eua-china-e-russia-nova-guerra-fria/

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