James Randi, hoje com 87 anos, passou grande parte de sua vida usando a sua extraordinária habilidade de ilusionista e prestidigitador para desmascarar picaretas que se valiam de truques para tirar dinheiro dos outros, como esse monte de "pastores", "bispos" ou "missionários", que exibem seus "milagres" pela televisão por todo o mundo, ou médiuns e "cirurgiões espirituais" - uma legião de "paranormais" com poderes que deixariam o Super-Homem envergonhado de tanta incompetência.
A vida e o trabalho de Randi em prol da desmistificação dessa indústria de falsidades estão muito bem retratados no filme "An Honest Liar", dirigido por Tyler Measom e Justin Weinstein, que se encontra no catálogo da Netflix.
O documentário mostra desde o tempo em que Randi se apresentava como mágico e escapista, seguindo a trilha de seu ídolo Houdini, até os dias de hoje, quando passou pelo drama de ver seu companheiro de mais de duas décadas ser preso nos Estados Unidos por ter vivido lá com documentos falsificados.
A história de Randi é mais interessante que muitos filmes de ficção.
Sua obsessão em desmascarar os picaretas é merecedora de aplausos.
Mas o filme revela algo assustador: o fato de que muitas pessoas, apesar de todas as evidências que lhes são apresentadas de que aquela coisa extraordinária que veem não passa de uma farsa, de um truque barato, continuam a crer nos poderes mágicos do autor da "façanha".
A batalha entre Randi e o "paranormal" Uri Geller, que durou anos, exemplifica isso muito bem.
O israelense Uri Geller ficou famoso, décadas atrás, por entortar colheres e outros objetos de metal ou fazer relógios quebrados funcionarem, por meio, como dizia, do seu poder mental.
Apareceu em inúmeros programas de televisão dos Estados Unidos, deixando seus apresentadores e telespectadores atônitos.
Randi percebeu de cara que Geller era apenas mais um mistificador.
E passou a ir a todos os programas em que Geller se apresentava, fazendo exatamente as mesmas coisas que ele.
Chegou ao ponto de conseguir que dois discípulos seus, bem treinados nos truques "mágicos", passassem por uma bateria de testes científicos que durou anos - os mesmos testes que autenticaram as façanhas de Geller.
Mesmo assim, provando que qualquer mágico profissional possuía os mesmos "poderes" que Uri Geller, Randi teve de ouvir, nos programas de televisão de que participava, que ele simplesmente havia reproduzido, por meio de ilusões e truques, o que o israelense havia feito com seus poderes mentais.
A conclusão a que Randi chegou é que as pessoas acreditam naquilo que querem, seja lá por que razões for.
De certa forma, constroem e vivem num mundo de ilusão, no qual tudo é possível.
Esse é um fenômeno que ocorre bastante no Brasil atual.
Muitas pessoas creem realmente que o país vive uma grave crise econômica e moral, tudo por culpa de um determinado partido político.
Essa crença se origina, na maioria das vezes, na própria pessoa, em seus preconceitos e ressentimentos, mas não se pode desprezar o papel dos meios de comunicação em disseminá-la, já que eles, por terem se transformado em panfletos de propaganda ideológica, fazem questão de apresentar esta como uma nação maldita, condenada, inteiramente sem futuro - pelo menos enquanto for dirigida pelos trabalhistas.
Para tais pessoas, a única realidade que existe é aquela que querem ver, deformada e pintada em branco e preto, sem nuances ou sutilezas.
Mais vale a palavra de um "pastor", a fofoca de um vizinho, o inteiro non sense de algum texto numa rede social, que a objetividade dos fatos.
Randi desmascarou centenas de farsantes, mas não impediu que muitos deles continuassem a lucrar com seus negócios trapaceiros, já que boa parte do público preferiu ficar imerso nesse universo irreal de milagres, curas fantásticas e divindades que concedem a certos homens, os escolhidos, poderes sobrenaturais.
No fundo, cada um acredita no que quer, vive sua própria realidade, e enfrenta, dessa forma, os demônios que o assolam no cotidiano.
Paciência...
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