IZABELLA NARDONI E BERNARDO BOLDRINI - Vítimas inocentes de ódios conjugais.
Por Alexandre Figueiredo
Que relação existe entre ônibus queimados, moradora estuprada e morta por zelador, agências bancárias depredadas, torcedor assassinado por um vaso sanitário, mulher linchada por um boato de sequestro e policiais matando namoradas na rua?
Isso quando não se fala em crianças inocentes mortas por conta de ódios ou desavenças conjugais, como os simpáticos Izabella Nardoni e Bernardo Boldrini, mortos no meio de um caminho entre pais e madrastas em discussão.
A banalização da violência contraria as expectativas de um Brasil desenvolvido e próspero. Afinal, um conjunto de fatores mostra o quanto nosso país está em crise, numa violenta crise sócio-cultural, crise de valores que influi em diversos aspectos, da arte à política, da criminalidade à libertinagem.
Ontem houve uma série de atos de vandalismo depredando nada menos que 467 ônibus no Rio de Janeiro, além de outros em várias capitais do país onde se realizaram greve dos rodoviários. E ainda se refletem os atos da mulher linchada no Guarujá por causa de um boato de que ela teria sido sequestradora, e do torcedor que foi morto por um rival que jogou um vaso sanitário contra a vítima.
De um lado, a permissividade, a corrupção, o desprezo ético. De outro, a raiva daqueles que querem perder privilégios que nem percebem se são benéficos ou se realmente eles gostam de tais benefícios. Ou então a indignação de quem não tem sequer o que precisa, e joga sua raiva contra quem representa algo negativo contra aquele.
São reflexos que vem desde a ditadura militar, que veio para tentar resolver - pelo menos sob a ótica da sociedade conservadora - as tensões sociais que ocorreram em 1964, mas não só não resolveu como criou e agravou muitas tensões, abafadas durante anos seja pela impunidade da corrupção e do crime, seja pela ilusão de um otimismo e uma paz que na verdade não existem.
CRISE DO DESEJO
Uns querem mais, sem necessidade. E tem muito quando não valorizam. Outros não tem sequer o básico. A desigualdade social no Brasil é uma crise do desejo, porque as pessoas que obtém privilégios e benefícios não sabem o que querem, não têm noção de perda, e isso vale desde políticos carreiristas até feminicidas.
O Brasil sofre uma crise até pior do que aquela que muitos tentavam evitar em 1964. Porque hoje a corrupção está tão banalizada e a política tão asséptica e sem gosto, insossa na teoria e amarga na prática, a cultura popular, se antes era apenas precária, hoje sucumbe à imbecilização mais escancarada.
A nossa mídia também está muito grotesca. Antes tínhamos um Carlos Lacerda esbanjando fúria na televisão. Atualmente são os "urubólogos" que não tem a erudição do político udenista. Se muitos reclamavam de um Zé Trindade, em 1964, hoje temos que reclamar contra centenas de milhares de péssimos comediantes, péssimos músicos "populares" e sub-celebridades.
O Brasil tinha um projeto em 1964. Mas hoje ele não foi reencontrado. Há quem veja saudosismo no "milagre brasileiro" (1969-1974) e tem ainda o cinismo de se proclamar "progressista". Hoje o Brasil não se encontra e está perdido por um surto de vandalismos, crimes cometidos por pessoas "comuns", corrupção justificada por alegações "técnicas", imbecilização cultural tida como "libertária" etc.
Daí que a trilha sonora dos bancos depredados e ônibus incendiados, de donas-de-casa linchadas sob falsa acusação de sequestro, policiais dando tiro em namoradas nas ruas e torcedor agredindo outro jogando vaso sanitário só não pode ser outra coisa.
A trilha só pode ser a do "funk" que promove pseudo-ativismo às custas de suas baixarias "provocativas". Ou a do "sertanejo universitário" que louva a união entre a embriaguez e o controle do volante dos automóveis. Ou a do "brega de raiz", o de Waldick e Odair, falsamente libertário mas feito sob medida para as marchas da família que pedem "intervenção militar" no Brasil.
Ou então são as "fusões" como os tributos falsamente "alternativos" de Raça Negra e quejandos, o Grupo Molejo bancando o engraçadinho com camiseta na estética Ramones, o tributo cinicamente "emepebista" do "Rei do Jabá" Michael Sullivan e a tortura de juntar Smiths e É O Tchan numa mesma mixagem, algo tão ofensivo quanto convidar o vegetariano Morrissey para um churrasco.
Junto a isso, há o "jornalismo verdade" dos programas policialescos que mais parecem "indústrias do crime", já que, ao espetacularizar a violência, exibida impunemente num horário altamente acessível ao público infantil, cria condições para que os violentos de ocasião tivessem seus quinze minutos de má fama às custas de um impulso nervoso que lhe dê algum sentido, ainda que mau, à sua vida.
E a própria intelectualidade está sintonizada no espírito que faz surgirem vândalos, torcedores violentos e linchadores e destruidores de bens públicos. Em vez de questionar os problemas sócio-culturais, nossas elites pensantes as reafirmam, em vez de desejarem qualidade de vida elas só querem um Brasil mais promíscuo, mais prostituído, mais drogado.
Se as elites pensantes só querem um país libertino que satisfaça suas vaidades pessoais, bastante paternalistas com as classes populares mas no fundo temerosas com qualquer despertar do povo pobre, então a crise que o país passa está muito, muito grave.
Não serão chuvas de dinheiro, seja de Guido Mantega, seja do(a) ministro(a) da Cultura de plantão, que irão resolver as coisas. Não serão, da mesma forma, os gols de Neymar e seus amigos na copa do próximo mês. E também não será a promessa de que as novas mídias digitais irão revolucionar o país, até porque esse papo esconde o antigo mito, reciclado, da coisificação do homem ante a máquina.
É bom que haja muitas crises, porque assim os problemas se tornam escancarados. O problema é que essas crises aumentam mais e mais, e o Brasil sucumbe a essa situação caótica que as esquerdas otimistas não previram e a direita pedante não conseguirá resolver. Isso porque os problemas são muito mais complexos, e até agora as melhores soluções ainda são desconhecidas por muitos.
Por Alexandre Figueiredo
Que relação existe entre ônibus queimados, moradora estuprada e morta por zelador, agências bancárias depredadas, torcedor assassinado por um vaso sanitário, mulher linchada por um boato de sequestro e policiais matando namoradas na rua?
Isso quando não se fala em crianças inocentes mortas por conta de ódios ou desavenças conjugais, como os simpáticos Izabella Nardoni e Bernardo Boldrini, mortos no meio de um caminho entre pais e madrastas em discussão.
A banalização da violência contraria as expectativas de um Brasil desenvolvido e próspero. Afinal, um conjunto de fatores mostra o quanto nosso país está em crise, numa violenta crise sócio-cultural, crise de valores que influi em diversos aspectos, da arte à política, da criminalidade à libertinagem.
Ontem houve uma série de atos de vandalismo depredando nada menos que 467 ônibus no Rio de Janeiro, além de outros em várias capitais do país onde se realizaram greve dos rodoviários. E ainda se refletem os atos da mulher linchada no Guarujá por causa de um boato de que ela teria sido sequestradora, e do torcedor que foi morto por um rival que jogou um vaso sanitário contra a vítima.
De um lado, a permissividade, a corrupção, o desprezo ético. De outro, a raiva daqueles que querem perder privilégios que nem percebem se são benéficos ou se realmente eles gostam de tais benefícios. Ou então a indignação de quem não tem sequer o que precisa, e joga sua raiva contra quem representa algo negativo contra aquele.
São reflexos que vem desde a ditadura militar, que veio para tentar resolver - pelo menos sob a ótica da sociedade conservadora - as tensões sociais que ocorreram em 1964, mas não só não resolveu como criou e agravou muitas tensões, abafadas durante anos seja pela impunidade da corrupção e do crime, seja pela ilusão de um otimismo e uma paz que na verdade não existem.
CRISE DO DESEJO
Uns querem mais, sem necessidade. E tem muito quando não valorizam. Outros não tem sequer o básico. A desigualdade social no Brasil é uma crise do desejo, porque as pessoas que obtém privilégios e benefícios não sabem o que querem, não têm noção de perda, e isso vale desde políticos carreiristas até feminicidas.
O Brasil sofre uma crise até pior do que aquela que muitos tentavam evitar em 1964. Porque hoje a corrupção está tão banalizada e a política tão asséptica e sem gosto, insossa na teoria e amarga na prática, a cultura popular, se antes era apenas precária, hoje sucumbe à imbecilização mais escancarada.
A nossa mídia também está muito grotesca. Antes tínhamos um Carlos Lacerda esbanjando fúria na televisão. Atualmente são os "urubólogos" que não tem a erudição do político udenista. Se muitos reclamavam de um Zé Trindade, em 1964, hoje temos que reclamar contra centenas de milhares de péssimos comediantes, péssimos músicos "populares" e sub-celebridades.
O Brasil tinha um projeto em 1964. Mas hoje ele não foi reencontrado. Há quem veja saudosismo no "milagre brasileiro" (1969-1974) e tem ainda o cinismo de se proclamar "progressista". Hoje o Brasil não se encontra e está perdido por um surto de vandalismos, crimes cometidos por pessoas "comuns", corrupção justificada por alegações "técnicas", imbecilização cultural tida como "libertária" etc.
Daí que a trilha sonora dos bancos depredados e ônibus incendiados, de donas-de-casa linchadas sob falsa acusação de sequestro, policiais dando tiro em namoradas nas ruas e torcedor agredindo outro jogando vaso sanitário só não pode ser outra coisa.
A trilha só pode ser a do "funk" que promove pseudo-ativismo às custas de suas baixarias "provocativas". Ou a do "sertanejo universitário" que louva a união entre a embriaguez e o controle do volante dos automóveis. Ou a do "brega de raiz", o de Waldick e Odair, falsamente libertário mas feito sob medida para as marchas da família que pedem "intervenção militar" no Brasil.
Ou então são as "fusões" como os tributos falsamente "alternativos" de Raça Negra e quejandos, o Grupo Molejo bancando o engraçadinho com camiseta na estética Ramones, o tributo cinicamente "emepebista" do "Rei do Jabá" Michael Sullivan e a tortura de juntar Smiths e É O Tchan numa mesma mixagem, algo tão ofensivo quanto convidar o vegetariano Morrissey para um churrasco.
Junto a isso, há o "jornalismo verdade" dos programas policialescos que mais parecem "indústrias do crime", já que, ao espetacularizar a violência, exibida impunemente num horário altamente acessível ao público infantil, cria condições para que os violentos de ocasião tivessem seus quinze minutos de má fama às custas de um impulso nervoso que lhe dê algum sentido, ainda que mau, à sua vida.
E a própria intelectualidade está sintonizada no espírito que faz surgirem vândalos, torcedores violentos e linchadores e destruidores de bens públicos. Em vez de questionar os problemas sócio-culturais, nossas elites pensantes as reafirmam, em vez de desejarem qualidade de vida elas só querem um Brasil mais promíscuo, mais prostituído, mais drogado.
Se as elites pensantes só querem um país libertino que satisfaça suas vaidades pessoais, bastante paternalistas com as classes populares mas no fundo temerosas com qualquer despertar do povo pobre, então a crise que o país passa está muito, muito grave.
Não serão chuvas de dinheiro, seja de Guido Mantega, seja do(a) ministro(a) da Cultura de plantão, que irão resolver as coisas. Não serão, da mesma forma, os gols de Neymar e seus amigos na copa do próximo mês. E também não será a promessa de que as novas mídias digitais irão revolucionar o país, até porque esse papo esconde o antigo mito, reciclado, da coisificação do homem ante a máquina.
É bom que haja muitas crises, porque assim os problemas se tornam escancarados. O problema é que essas crises aumentam mais e mais, e o Brasil sucumbe a essa situação caótica que as esquerdas otimistas não previram e a direita pedante não conseguirá resolver. Isso porque os problemas são muito mais complexos, e até agora as melhores soluções ainda são desconhecidas por muitos.
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