“A impaciência revolucionária é um fenômeno eminentemente pequeno burguês”
(frase atribuída a Mao Tsé Tung)
Por Raul Longo(*)
Evidente que a ideologia independe da classe social, mas os comportamentos identificam os de cada classe independentemente da ideologia à que se reivindicam.
Tive isso muito claro numa discussão sobre Luchino Visconti que, oriundo da nobreza, era comunista. Foi por volta do ano 2000 e o acesso à parafernália da informática e novos meios eletrônicos de difusão cultural, hoje entretenimento, ainda era restrito a uma minoria.
Em conversa paralela numa reunião de amigos, não dei atenção ao dono da casa que concentrava a conversa com os demais acusando algo de ser uma merda. Alguém ao lado me cochichou indignação por ele estar ser se referindo a um clássico da cinematografia universal: “Morte em Veneza”.
Indignei-me também e lembrando não gostar da linguagem literária dos filmes de Godard ou Bergman, afirmei que nem assim classificaria de “merda” a obra desses mestres. Expliquei quem foi e qual o significado de Visconti para a 7ª arte. Também contei sobre o escritor Thomas Mann e o cinema expressionista alemão reportado no “Morte em Veneza”.
Foi meu erro. Apesar de identificados como esquerdas e militantes lulistas, tomaram como ofensa o fato de alguém que não tinha sequer um aparelho de TV deter informações que não eles não possuíam. Acusaram-me de prepotente e não quiseram mais saber de amizade.
A informática popularizou-se tanto que certamente já não se sentem mais ameaçados quando alguém expõe alguma informação que desconheçam, pois recentemente encontrei a esposa do casal que me cumprimentou muito reconciliadora. Tudo é bastante compreensível considerando que em centros pequenos raramente se depara com alguém que exceda a um nível médio de informações, como é ocorrência comum nas cidades maiores onde normalmente não se sente obrigação de saber mais do que a maioria.
Talvez ainda por essa falta de circulação de informações, pontos de vista, percepções e opiniões divergentes é que há pouco provoquei outra discussão com amigos comentando as manifestações de junho como resultado da sistemática e permanente campanha da mídia contra o governo. Apesar de candidatos pelo PT, coesa e peremptoriamente esses amigos não admitiram nenhuma possibilidade de interferência midiática, convictos de que as manifestações foram espontâneas e provenientes do que consideram falho no governo.
Tentei argumentar concordando com a falta de reações do governo Dilma em alguns aspectos, mas não haver outra justificativa para uma mobilização que não se verificou nem mesmo em momentos de incomparáveis maiores dificuldades à população. Não aceitaram e garantiram que desde o início a mídia se posicionou contra as manifestações.
Como não deixaram expor o que percebia, desisti de tentar e depois usei o correio da internet para enviar imagens e textos da mídia enaltecendo o movimento, e considerações de observadores nacionais e internacionais com a mesma conclusão comum à grande maioria dos que buscaram analisar os motivos daquelas manifestações. E, claro, ironizei desculpando-me por concordar com aquelas opiniões contrárias às de suas certezas.
Dias depois, tentando retomar a mesma discussão, um deles demonstrou-se ofendido com minhas brincadeiras, mas pedi para não retornarmos a uma conversa inútil se impossível aceitar o que se comprovava pelo material que enviei.
Tentei entender porque tamanha dificuldade em concordar com a percepção de tantos analistas e acabei concluindo que se deva ao fato de aqui – como deve ocorrer em outras partes e com todos os partidos – no diretório do Partido dos Trabalhadores haver muitos envolvidos em projetos pessoais que, por maior esforço ou oportunidade, estreitaram relações com o governo federal. Imaginei provável que os amigos se sintam preteridos, transferindo suas mágoas às lideranças nacionais, inclusive Dilma e Lula a quem, na oportunidade seguinte, um deles conferiu todos os adjetivos empregados pela direita. Só faltou o “apedeuta”, porque de resto entrou até o “mau pai” do Collor de Melo!
Dizer o quê? Nada!… Até porque isso da classe média, de direita ou esquerda, adotar os preconceitos da elite, é típico. Mas cometi a bobagem de tentar alguma ponderação sugerindo sempre haver os que cometem erros e deslizes, numa rápida lembrança ao caso dos “Aloprados”. Imediatamente afirmou que ali é que Lula prejudicou Gushiken.
Espantado, lembrei que Gushiken não teve nada a ver com o caso dos “Aloprados”. Insistiu: “- Claro que sim.” Imaginei ter se confundido e lembrei se tratar do caso em que se envolveu o churrasqueiro, natural daqui de Florianópolis; mas então se uniram e pela experiência anterior senti que tentariam me convencer do que sabia não ser verdade. Também indisposto com o mórbido oportunismo, considerei melhor deixar a conversa. Afinal, como candidatos devem ter lá suas razões, mas não sou filiado a partido algum e embora acostumado às assimilações dos discursos da mídia, ainda me é impossível aceitar métodos de manipulação e falsificação de denúncias sem fundamentos. Mesmo quando empregados por quem se identifique como esquerda.
Aí também não tem nada a ver com classe social ou ideologia. Seja discutindo com rico, pobre ou remediado; comunista ou capitalista, a experiência indica que isso de domínio do fato só no STF e o melhor seria enviar o que encontrasse do histórico do que foi citado.
Insistiram para que ficasse, mas sorri me despedindo e prometendo enviar pela internet o que não me deixariam falar ali. No computador, em casa, foi só consultar por “Escândalo dos Aloprados” e copiar o trecho em que são relacionados os nomes dos envolvidos. Novamente fiz acompanhar os pedidos de desculpas por não haver qualquer indicação sobre Gushiken no verbete do Wikipédia.
Aí um escreveu suas dúvidas sobre minha amizade, já que me recusei a ouvir a relação de companheiros que acredita terem sido abandonados por Lula, inclusive Gushiken a quem a seu ver o ex Presidente teria abandonado. Como entre os citados se incluem alguns de meus correspondentes, respondi oferecendo transmitir-lhes suas impressões para conferir o que pensam e sentem a respeito. E copiei trechos de notícias sobre visitas de Lula à Gushiken no Hospital 9 de Julho e Sírio Libanês, onde faleceu após 12 anos de tratamento de câncer no estômago que provocou seu pedido de exoneração em 2006.
Pensei em explicar que não votei em Dilma ou Lula para serem companheiros de sindicalistas ou coo partidários, mas pelo povo brasileiro. Talvez pudesse também escrever que não votei esperando que em 10 anos mudassem os 500 da história da sociedade brasileira, como Fidel mudou a de Cuba, já que desde Salvador Allende não confio no voto como arma mais adequada para mudanças tão abruptas. Mas adiantaria tentar demonstrar que com o surgimento da máfia russa após o fim da União Soviética e tentando entender os motivos da China reassumir a economia capitalista, concluo as utopias como incompatíveis a imediatismos pretensamente revolucionários?
Dizem que Mao Tse Tung afirmava que a impaciência revolucionária é um fenômeno eminentemente pequeno burguês. Não sei se é verdadeira a autoria, mas a frase me faz mesmo lembrar a proverbial paciência chinesa de tão longa história.
Poderia ter escrito também que jamais votaria em qualquer candidato esperando que fizesse um governo perfeito, pois me parece impossível ou irreal um governo perfeito num sistema imperfeito. Mas será que adiantaria?
Depois encontrei também o outro amigo que igualmente demonstrou não ter mais motivos para continuar sendo meu amigo. É triste, mas o que fazer quando os ideais não correspondem aos fatos?
Como dizia Cazuza, sempre há quem precise de alguma ideologia pra viver.
*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.
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