Vários companheiros -- começando pelo sempre solidário Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional -- escreveram à rede Carrefour para manifestar seu inconformismo com o procedimento adotado no caso de Claudinéia Freitas Santos, a diarista desempregada que, num momento de desespero, tentou roubar dez bermudas e dois sapatos para seus filhos.
A todos o Carrefour respondeu o mesmo:
"A empresa não prestou queixa, mas tomou as providências cabíveis para casos de furto, que é a de acionar as autoridades policiais".
Entrega o destino de Claudinéia nas mãos do Estado, que "assume a posição de acusador" porque "o caso foi definido como crime de ação penal incondicionada".
Ou seja, a empresa lavou as mãos, escorada nos formalismos:
"Em outras palavras, o Carrefour não tem legitimidade para autorizar a revogação da fiança decretada pela Justiça".
Então, estamos conversados.
Assim como em Os Miseráveis, que lembrei no meu artigo inicial, cada vez que um Valjean qualquer surrupiar um pão do Carrefour, a empresa o entregará à Polícia e vai dar suas responsabilidades por encerradas.
Não terá o mínimo interesse em verificar se o furto foi motivado pela falta de dinheiro para comprar drogas ou pela falta de alimento para evitar que uma criança morresse de fome.
Dá tudo no mesmo.
Porque questão social e caso de Polícia são a mesma coisa, na ótica que se depreende das afirmações dos porta-vozes do Carrefour.
E, para não desembolsar 300 reais numa fiança nem entregar alguns vestuários e cestas básicas para uma pobre coitada, a empresa perdeu a oportunidade de exibir uma face humana -- aquela que seu gerente deveria ter mostrado, liberando Claudinéia, já que não houvera prejuízo.
Profissionalmente, embora detestasse tal trabalho, já tive de zelar pela imagem de muitas companhias. Cheguei a conquistar prêmios nacionais e internacionais por meu desempenho.
Pois bem, em minha atividade de relações públicas eu avaliaria como catastróficos os danos causados à imagem do meu cliente num caso como este.
Pode-se até compreender que um gerente mais realista do que o rei corra a chamar a Polícia em episódio na qual não havia a mínima necessidade disso.
Mas, é ao rei que compete dar a última palavra.
Então, um diretor do Carrefour deveria vir a público para deixar claro que, embora a rede tenha sido fundada na França, não aprova nem repete a inclemência face aos miseráveis que Victor Hugo criticava nas autoridades francesas do século 19.
Pois, há sempre a chance de uma queixa dessas, que não fere a letra da Lei mas estupra o espírito da Justiça, ser recebida por autoridades brasileiras igualmente insensíveis.
E de uma mãe de 10 filhos acabar na prisão por causa de dez bermudas e dois sapatos, assim como Jean Valjean passou 19 anos em trabalhos forçados por causa de um pão.
Com a diferença de que Claudinéia é uma senhora de carne e osso, levando vida das mais sofridas, e não um personagem literário.
Felizmente, a Justiça paulista voltou atrás nesta 2ª feira (9), revogando o mandado de prisão que expedira quatro dias antes, de forma que a diarista responderá ao processo em liberdade.
A péssima repercussão junto à opinião pública fez com que começassem a corrigir uma situação de iniquidade extrema.
Espanta, no entanto, que o caso tenha ido tão longe.
E que, antes da intervenção da imprensa e dos blogueiros, tendesse a reeditar a desumanidade do capitalismo selvagem, supostamente deixado para trás.
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