John Locke
Diz-se que os ingleses consideram John Locke (1632-1704) o maior filósofo de todos e o mais importante para a modernidade.
Enquanto nós, como diziam os antigos, no “ano da graça de nosso senhor Jesus Cristo de dous mil e treze”, estamos ainda discutindo acerca da laicidade do Estado brasileiro e da separação entre Estado e Igreja, John Locke, em 1689, fazendo jus à admiração do povo inglês, escreveu a “Carta sobre a Tolerância”[1], defendendo:
Mas que toda a jurisdição do magistrado[2] diz respeito somente a esses bens civis, que todo o direito e o domínio do poder civil se limitam unicamente a fiscalizar e melhorar esses bens civis, e que não deve e não pode ser de modo algum estendido à salvação das almas, será provado pelas seguintes considerações.
Em primeiro lugar, mostraremos que não cabe ao magistrado civil o cuidado das almas, nem tampouco a quaisquer outros homens. Isso não lhe foi outorgado por Deus, porque não parece que Deus jamais tenha delegado autoridade a um homem sobre outro para induzir outros homens a aceitar sua religião.
[...]
Em segundo lugar, o cuidado das almas não pode pertencer ao magistrado civil, porque seu poder consiste totalmente em coerção. Mas a religião verdadeira e salvadora consiste na persuasão interior do espírito, sem o que nada tem qualquer valor para Deus, pois tal é a natureza do entendimento humano, que não pode ser obrigado por nenhuma força externa.
[...]
Em terceiro lugar, o cuidado da salvação das almas de modo algum pode pertencer ao magistrado civil; porque, mesmo se a autoridade das leis e a força das penalidades fossem capazes de converter o espírito dos homens, ainda assim isso em nada ajudaria para a salvação das almas. Pois se houvesse apenas uma religião verdadeira, uma única via para o céu, que esperança haveria que a maioria dos homens a alcançasse, se os mortais fossem obrigados a ignorar os ditames de sua própria razão e consciência, e cegamente aceitarem as doutrinas impostas por seu príncipe, e cultuar Deus na maneira formulada pelas leis de seu país? Dentre as várias opiniões que os diferentes príncipes sustentam acerca da religião, o caminho mais estreito e o portão apertado que levam ao céu estariam inevitavelmente abertos a poucos, pertencentes a um único país: o que salientaria o absurdo e a inadequada noção de Deus, pois os homens deveriam sua felicidade eterna ou miséria simplesmente ao acidente de seu nascimento.
[...]
Nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos os direitos que lhe pertencem como indivíduo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser-lhe preservados.
[...]
Ninguém, portanto, nem os indivíduos, nem as igrejas e nem mesmo as comunidades têm qualquer título justificável para invadir os direitos civis e roubar a cada um seus bens terrenos em nome da religião. Aos que pensam de outro modo, pediria que ponderem consigo mesmos acerca das ilimitadas ocasiões para a discórdia e guerras, quão poderosa provocação para rapinas, matanças e infindáveis ódios que fornecem à humanidade. Nenhuma segurança ou paz, muito menos amizade, jamais pode ser estabelecida ou preservada entre os homens, se a opinião predominante está fundada no privilégio e que a religião deve ser propagada pela força das armas.
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