Atacar o governo Dilma não tem sido tarefa fácil para os setores médios mais tradicionais da sociedade brasileira. Se por um lado sentem que não desfrutam mais de privilégios exclusivos de classe – como aeroportos vazios ou a posse distinguida de automóveis – e que os empregos melhor remunerados num futuro próximo já não lhe são antecipadamente assegurados, por outro percebem que a critica mais acerba ao governo que lhes restringiu o prestigio social pouco repercute. E isso lhes enche de ódio.
Foi assim em lugares e épocas bastante diferentes da que vivemos no Brasil de hoje. Anton Tchekov em seu “O Jardim das Cerejeiras” mostrava na Rússia de incipiente capitalismo a fúria lancinante de uma família da aristocracia rural, sitiada em sua casa da cidade pelos representantes da nova classe de comerciantes e industriais, prontos a pagar em moeda sonante o que restara do patrimônio penhorado por dividas.
Talvez seja isso mesmo o que a manifestação solitária de 20 pessoas na Manhattan brasileira, a Avenida Paulista, pareceu demonstrar numa ordinaria sexta feira de janeiro: a reação ao sentimento de insignificância daqueles que tendo antes cimentado a relação do estado com os mais ricos percebem-se agora politicamente descartados pelo status quo.
Por que acabaram deserdados transparece de maneira eloquente no relato que faz em primeira pagina o jornal Valor Econômico, transcrito abaixo, sobre a maneira pela qual os setores capitalizados da sociedade brasileira veem conseguindo valorizar ainda mais seus ativos por meio do mais baixo custo do dinheiro vigente no mercado financeiro, desde que em 1994 foi lançado o “plano real”.
Agora já é possível aos milionários comprarem barcos, aeronaves e fazer até investimentos usando dinheiro levantado às novas taxas praticadas no mercado, ao invés de lançar mão das aplicações com melhor remuneração feitas pelos fundos de investimentos para detentores de fortunas nos “private equity”.
Juro menor atrai a classe A
Do Valor Econômico, edição de 15/01/2013
A forte redução dos juros também mudou a vida financeira dos brasileiros endinheirados. Com a taxa Selic a 7,25% ao ano, os milionários começam a achar mais vantajoso tomar crédito do que pôr a mão no bolso para adquirir bens de valor elevado - imóveis de altíssimo luxo, aviões, helicópteros etc. - e até para realizar investimentos.
O volume de crédito no segmento de private banking - que abriga clientes que têm mais de R$ 1 milhão só para aplicações - cresceu 33,2% em 2012 (até setembro, último dado disponível), mais que o dobro do crédito para pessoa física em geral. "Nossa carteira de crédito no private cresceu 50% no ano passado. Na parte imobiliária, o volume dobrou", diz Luiz Severiano Ribeiro, diretor do Itaú.
A perspectiva dos executivos de bancos ouvidos pelo Valor é de que o ritmo dessa expansão siga em dois dígitos nos próximos anos. O estoque de crédito no segmento era de R$ 12,75 bilhões em setembro, o que representa apenas 2,6% dos ativos totais sob gestão (R$ 496,2 bilhões). Nos grandes bancos globais, a relação entre ativos e crédito no segmento supera 10%. "Em outros países nos quais atuamos os empréstimos representam 15% dos ativos", afirma Maria Eugênia López, diretora do "private banking" do Santander, que viu as concessões de crédito a milionários avançarem 40%.
"Os clientes podem pagar o que quiserem à vista, mas percebem que não há motivo para desmontar uma carteira de investimentos que rende mais que o custo da dívida", afirma Gabriel Porzecanski, diretor de "private bank" do HSBC, cujo carro-chefe tem sido empréstimos para aquisição de imóveis, sobretudo nos EUA. Por essa lógica, não há motivos para se desfazer de parte de uma carteira de ações que pode render 12%, 15%, 18% ao ano para comprar um helicóptero com uma linha de crédito de 9% ao ano, por exemplo.
Das cinco linhas do private, a que mais cresceu em 2012 foi a de "empréstimos diversos", operações de curto prazo cujo volume aumentou 153% e atingiu R$ 3,79 bilhões. "O financiamento de aeronaves tem sido, junto com os imóveis, um grande atrativo no segmento", afirma Ribeiro, do Itaú.
brasilquevai
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