segunda-feira, 2 de julho de 2012

O sagrado direito de consumir o planeta




Reinaldo Canto, CartaCapital

“Para alegria de muitos, a obrigatoriedade da entrega gratuita e indiscriminada das famigeradas sacolinhas plásticas nas redes varejistas de São Paulo retorna por determinação legal.

Nesse novo round, a Justiça invalidou o acordo firmado entre o governo estadual de São Paulo e a Associação Paulista de Supermercados (APAS), que previa a cobrança pelas sacolas no ato da compra. A Associação prometeu recorrer, mas afirmou que irá cumprir a determinação.

A Justiça levou em conta argumentos como o de direito adquirido anteriormente pelos consumidores e os lucros financeiros com a venda das sacolas que já eram embutidos nos preços dos produtos.

Quanto ao segundo argumento nada a contestar, acredito realmente que seria justo debater essa questão e achar uma alternativa não lesiva aos consumidores. As sacolas “gratuitas” eram realmente uma ilusão, o consumidor sempre pagou por elas, mesmo sem saber disso.

Agora, quanto a um direito adquirido, isso é no mínimo, algo difícil de aceitar! O Código de Defesa do Consumidor brasileiro é um dos mais avançados do mundo e possui em seus artigos um arcabouço legal de proteção aos direitos das pessoas, dos consumidores contra a ganância, a irresponsabilidade e o poder econômico de empresas e governos, na venda de produtos e na prestação de serviços. Por outro lado, é preciso também entender que os consumidores, antes de tudo cidadãos, possuem também responsabilidades.”


As sacolas plásticas são simbólicas nesse sentido. Se ao mesmo tempo os consumidores podiam e novamente podem adquirir quantas delas achar necessário, eles também se sentem no direito de descarta-las como e onde considerarem convenientes. Afinal, esse consumidor não paga impostos?
A falsa sensação da “sacolinha grátis” sempre fez com que esse artigo banal de consumo não tivesse valor nenhum. Por essa razão, são inúmeros os exemplos de sacolas “jogadas” em qualquer lugar. Muitas delas podem ser vistas cotidianamente e sem nenhum esforço, basta olhar a sua volta, nos rios, mares, ruas e praças.  Foram, por acaso, os marcianos que as deixaram nesses locais? Não, foram os consumidores que possuem direitos inalienáveis de fazer o que bem entenderem com elas.
Aos sempre indignados com quaisquer mudanças que firam o ciclo insano do consumismo, poderão afirmar não desprovidos de alguma razão, que tal proibição não resolve nossos problemas de geração de lixo, de poluição e que existe uma infinidade de produtos embalados em plástico pelos próprios fabricantes, etc, etc…
Tudo isso é verdade, o que não altera a urgente necessidade de mudanças na maneira como consumimos. A restrição no uso indiscriminado de sacolinhas plásticas tem um caráter eminentemente simbólico e, bem ou mal, o consumidor já tentava se adaptar a uma nova realidade com o uso de sacolas retornáveis. A Justiça freiou esse processo, no meu entender, de modo pouco inteligente.
Muitas outras ações precisarão ser tomadas e implementadas com urgência, pois nossos problemas ambientais só tendem a crescer de maneira exponencial nos próximos anos. Se formos contar com a boa vontade das pessoas e a conscientização voluntária, estamos condenados a acelerar cada vez mais a destruição dos nossos recursos. É preciso dar passos rápidos no caminho para um mundo menos insustentável.
A questão é não ser possível acreditar que está tudo bem se a cada dia surgem novas informações colocando mais e mais pressão sobre o planeta. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) calculou que a humanidade consumia em 2005, 60 bilhões de toneladas de recursos anualmente. Isso dá um consumo de 9 toneladas para cada habitante do planeta.  De lá pra cá, não é preciso ser especialista, esses números só podem ter crescido.
Novamente espero a manifestação daqueles revoltados que ficam aboletados em suas poltronas prontos a criticar sem propor absolutamente nada: “quer dizer que você acredita que acabar com as sacolas plásticas vão resolver todos os nossos problemas?”
Se tivermos sempre a atitude de contestar qualquer medida de limitação aos nossos insustentáveis hábitos de consumo e tudo for visto como algo que: irá ferir direitos e confortos pétreos e imutáveis, isso irá significar que num futuro pouco distante, vamos conviver com restrições ainda mais severas. Elas, invariavelmente, deverão ser tomadas de cima para baixo, impostas arbitrariamente e penalizando, como sempre, primeiro os mais pobres.
Pense nisso e enxergue um pouco além das sacolas plásticas. O problema é muito maior que o plástico, mas também passa por ele.

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