sábado, 2 de janeiro de 2010
Bem-vindos a 2010
Marcelo Carneiro da Cunha
Estimados leitores, bem-vindos. Estamos todos entrando em um ano como nunca houve igual, e eu imagino 2010 como entrarmos em uma montanha-russa daquelas, das que aceleram até os dentes da gente estalarem e todo mundo ter que segurar as calças pra não acontecer nenhuma tragédia, em público, ao menos.
Se vocês têm memória, o que não é o meu caso, lembram que há um ano as nuvens e as tempestades assolavam o horizonte, na tal crise do sub-prime, lembram? O mundo ia acabar, minha gente. Banqueiros iam mendigar nas esquinas, o Tietê ia virar mar, nosso real ia derreter, junto com a tadinha da Groenlândia, e a Argentina não ia se classificar para a Copa. Aliás, não ia haver Copa.
Ao final de doze meses de fortes emoções, com exceção do Tietê virar mar, as piores previsões não se confirmaram e cá estamos, nós, eu, você e o senhor aqui ao lado, firmes e fortes, e rumo a 2010. Alvíssaras!
E agora, passemos às previsões desse seu servo para o ano que acabou de nascer.
Em primeiro lugar, 2010 vai ser o último ano em que viveremos o governo Lula. Para alguns leitores da Veja isso pode parecer uma boa coisa, mas para a vasta maioria dos brasileiros, isso representa o fim de uma era, da melhor de todas, onde vivemos o melhor período de nossas vidas, como país e como pessoas. Uma época na qual aprendemos a viver com inflação baixa, desemprego em baixa, com crescimento econômico e sem maiores crises, tudo que a gente nunca tinha vivido antes. Uma época em que aprendemos a distribuir um pouco a nossa riqueza e aparentemente nos demos bem. Uma época em que o Brasil saiu das páginas policiais do mundo e passou a ocupar capas e capas. Uma época em que começamos a sentir que agora vai.
E ela termina em 2010, em troca do sei lá o que, mas tende a se dividir entre a seriedade sisuda da ministra Dilma e a seriedade mal-humorada do governador de todos os paulistas, José Serra. Eu acho que todos, todos mesmo, vamos sentir saudades do bom humor contínuo do nosso presidente Lula. Mas precisaremos escolher o melhor caminho, porque 2010 vai definir o século do Brasil. Como iremos usar o pré-sal, como iremos nos situar no mundo, como iremos tratar nossos recursos naturais e o meio-ambiente; como vamos aumentar nossa produção de alimentos, como vamos lidar com os Estados Unidos - com autonomia de país que se acredita grande, ou com aquela submissão de sempre e de antes -, como vamos lidar com nossos vizinhos sul-americanos - com a prepotência hegemônica da FIESP ou com uma atitude mais estratégica e generosa, de quem quer compartilhar prosperidade. Com vamos ser como país, como povo, como nação, tudo isso vamos escolher em 2010. Portanto, espero que todos pensem, leiam - a Veja inclusive - e façam a melhor escolha para o país.
Eu sei que vou lançar ao menos dois livros, e que dois filmes com livros meus serão lançados em 2010. Nada mal. Ficam como a minha contribuição para tornar o mundo ainda melhor.
Eu sinto que algo enorme vai acontecer, algo que mexe profundamente comigo e que, creio, vai sacudir a vocês todos. A Apple deve lançar o seu tablet, que se juntará a outros aparelhos já no mercado, e que servirá como leitor digital e dará um impulso enorme para a substituição de muitos e muitos jornais, revistas e, sim, livros, para o formato digital. Assim, no mesmo ano em que lanço dois livros, posso estar assistindo ao começo do fim do livro em papel, como o conhecemos e amamos. Como vai ficar o mundo depois disso? Vocês imaginam? Eu já estou preparado para viver sem salas de cinema, sem televisão como ela é hoje - mas sem livros em papel? Meu bisavô precisou se ajustar a um mundo sem cavalos ou charretes, imagino que não tenha sido fácil.
2010 vai ser o começo do novo século pra valer, já que a primeira década serviu para o século 20 ainda existir um pouquinho. 2010 é o começo de uma nova era, e vamos ver o casamento gay, finalmente, acabar com esse tratamento injusto para quem não se encaixa no padrão que umas igrejas inventaram. Vamos ver se as escolas resistem ao teste dos novos tempos ou desaparecem junto com os pandas. Vamos ver se os pandas se organizam e resistem a tudo, especialmente a nós.
Especificamente, entre as minhas previsões para 2010, todos verão que vamos ter um novo BBB e vai surgir mais uma safra de ex-BBS. Algum político importante vai ser pego com a mão na cumbuca, alguma famosa da Globo vai se separar e jurar que está vivendo um novo momento mágico e de encontro consigo mesma. O time da minha simpatia neo-paulistana vai ganhar a Libertadores, e na final vai ficar com sete jogadores contra todo o time adversário e a mãe do juiz no gol. A crítica literária, cinematográfica e musical vai continuar sem entender nada, acho que o Djavan vai lançar um novo disco, e o Caetano vai falar alguma besteira.
Acho que as mulheres vão continuar sendo os seres mais perfeitos, belos e dominantes sobre a Terra e que nós homens vamos continuar sendo os mesmos trastes de sempre. Acho que na eleição do ano o outro lado não tem discurso ou proposta e vai se comportar meio como os garotos igualmente sem idéias mas com músculos do colégio, partindo pra uma pancadaria nunda vista antes.
Acho que o Eike Batista vai descobrir ainda mais petróleo e mudar o feng-shui da casa dele mais uma vez. Acho que o Obama vai dar a volta na direita maluca americana. Acho que o Bispo vai continuar aprontando, e quero ver se o Ministério Público consegue pegar ele de jeito. Acho que o Papa vai continuar assustando criancinha. Acho que a Jessica Alba vai continuar ignorando a minha existência e que o Woody Allen vai lançar mais um filme que muita gente vai achar sensacional e muita gente vai achar igual aos outros. Acho que O Marçal Aquino, o Michel Laub, o Marcelino, a Ivana Arruda Leite, a Adriana Lunardi vão continuar escrevendo pra caramba.
E acho que todos vamos estar aqui em primeiro de janeiro de 2011 para comparar minhas previsões com as da Mãe Dinah e ver quem acertou mais e melhor. E acho que, de tudo, o mais dificil mesmo vai ser torcer pela Seleção do Dunga, ainda mais com aquele monte de vuvuzela ao fundo, tornando a nossa vida difícil, e, a da Seleção, impossível.
Um bom 2010 a todos, um ótimo ano para todos nós.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br
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