terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A imprensa pós-Copenhague

Por Luciano Martins Costa


Durou menos de uma semana o engajamento da imprensa brasileira na questão crucial – para a humanidade – das mudanças climáticas provocadas principalmente pela atividade humana. Na véspera de Natal, com a economia consolidando sinais de plena recuperação após a crise que eclodiu em setembro de 2008, os jornais voltam à rotina de todos os anos: números e mais números sobre vendas, notícias sobre investimentos e aquisições, e a repetição dos indicadores de sempre sobre a economia.

Se a Conferência da ONU sobre Clima, realizada entre 7 e 18 de dezembro em Copenhague, sob intensas expectativas de todo o mundo, refletiu alguma mudança clara, essa mudança não está necessariamente exposta no documento final dos chefes de Estado, mas na aceitação geral da tese de que o mundo precisa adotar novos paradigmas para o desenvolvimento.

Isso quer dizer, em miúdos, que os efeitos da atividade econômica não podem continuar sendo medidos pelos lucros das empresas e pelo crescimento do Produto Interno Bruto. Essa informação não está presente nos jornais pós-conferência.

Papel velho

Como se nada tivesse acontecido em dezembro de 2009, a imprensa brasileira retoma o padrão do noticiário de sempre, sem se dar conta de que, após Copenhague, muitos dos indicadores que utiliza para mensurar o desempenho da economia ou de uma empresa individualmente não fazem mais sentido.

O observador que analisa as escolhas da imprensa no longo prazo fica com a impressão de que os jornalistas responsáveis pelo posicionamento de seus veículos entraram na "onda verde" de Copenhague sem entender o que estavam fazendo. E saem dela para voltar ao que sempre souberam fazer: repetir dados e mais dados, sem se dar conta de que, agora, mais do que antes, a atividade isolada de um empreendimento ou de um indivíduo tem que ser analisada em relação aos seus efeitos na coletividade. Tanto em termos ambientais como em termos sociais.

O tema ambiental entrou na agenda da imprensa em fevereiro de 2007, quando foi divulgado o relatório do IPCC – o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Mas ele representa uma mudança mais profunda do que aquela que a imprensa quer admitir.

As edições de quinta-feira (24/12) foram escritas para o mundo antes de Copenhague e já saem das máquinas como jornais velhos.

Uma nova relação

Uma das mudanças mais significativas foi explicitada na quarta-feira (23) pelo presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri. Em entrevista coletiva distribuída pelas agências internacionais, ele disse que o principal resultado do encontro em Copenhague foi a consolidação do grupo chamado Basic, formado por Brasil, África do Sul, Índia e China.

A atuação desse grupo, segundo o cientista, foi fundamental para levar os países industrializados a concordar com a carta de intenções que irá orientar as decisões transnacionais no futuro, e evitar que as nações desenvolvidas enterrassem o Protocolo de Kioto, que tem força de lei e impõe metas de redução de emissão dos gases nocivos aos países ricos.

A entrevista foi fartamente reproduzida nos sites noticiosos no final da tarde e na noite de quarta-feira, mas os jornais brasileiros de papel não lhe deram importância. Só o Globo a publicou.

Apenas um detalhe já valeria a pena como notícia e como sinal do que deve mudar após a conferência de Copenhague: a sigla Basic passa a denominar os países em desenvolvimento que cobram a criação de um cenário mais favorável ao desenvolvimento sustentável no futuro. Ela deve substituir a sigla Bric, aplicada até então aos países em desenvolvimento apenas em sua identificação como forças econômicas emergentes.

Note-se que a sigla Basic exclui a Rússia, que se aliou aos países industrializados na postura de fugir às responsabilidades diante das mudanças climáticas.

Mundo real

Ao deixar de lado essas evidências de que alguma coisa está mudando nas relações internacionais após a conferência da ONU, os jornais reforçam a sensação de que o encontro de Copenhague representou um fracasso total, o que é no mínimo controverso.

Salvo uma ou outra reportagem sobre casos específicos de danos ambientais, o tema da sobrevivência do planeta vai se esvaindo do noticiário.

Os jornais só enxergam a velha economia, enquanto o mundo real faz força para dar à luz um sistema que justifique as esperanças de um futuro melhor.

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