Le Em Dubai, um futuro feito de areia
Le Monde, no UOL
Jérôme Fenoglio
Dubai (Emirados Árabes)
Em Dubai, os mapas rodoviários se leem no futuro. Consultá-los muitas vezes equivale a procurar uma ponte que não existe, a querer circular sobre uma via ainda não conectada à rede, a se aventurar em um bairro que se resume a um cartaz publicitário. Esses mapas locais ilustram a peculiar relação com o tempo desenvolvida pelas empresas de construção do emirado. Nessa grande mistura de gêneros e de prazos, os canteiros se confundiam com os projetos, as maquetes com as realizações, as fotografias com as simulações saídas dos escritórios dos arquitetos. As datas de lançamento e de entrega das obras eram separadas por alguns meses somente. Tanto que mais ninguém, no local, parecia capaz de distinguir o que estava quase terminado daquilo que não havia nem mesmo começado.
É essa imprecisão, intencionalmente mantida, que complica hoje o inventário dos projetos que têm uma chance de sobreviver à crise econômica. Pois desde que esse processo foi atingido pelo estouro de seu principal motor - a especulação imobiliária, os mapas de Dubai também devem ser interpretados no passado. Segui-los equivale a se dedicar a uma espécie de arqueologia ao contrário, a discernir os vestígios de uma megalópole que não acontecerá, a encontrar as fundações de um ex-futuro centro do mundo autoproclamado, que desabou sob sua pretensão de se tornar, em quinze anos, uma mistura de Nova York, Veneza e Orlando.
As ruínas mais visíveis desses canteiros faraônicos são banhadas pelas águas do golfo Pérsico. A empresa Nakheel, agora conhecida como o fardo super-endividado de sua matriz Dubai World, havia se especializado nessas remodelagens significativas do litoral, nessas ilhas desenhadas com areia para impressionar os satélites de observação, primeiros transmissores desse grande espetáculo globalizado.
De fato, o início das obras havia posicionado Dubai como primeira capital talhada para a era Google Earth. Mas também como metrópole "anti-Copenhague", cujo desejo de visibilidade sobre o mapa se situa no ponto oposto ao imperativo ecológico de deixar o mínimo possível de vestígios sobre o planeta.
E o que restará dessas gesticulações geográficas? Das três quase-ilhas artificiais em forma de palmeiras, somente a menor, Palm Jumeirah, pode ser considerada como concluída. Ela ainda comporta duas ramificações mortas, onde nenhum alinhamento uniforme de mansões contíguas brotou. E seu semi-círculo externo, que deveria proteger o conjunto contra as marés ao mesmo tempo em que acolhe hotéis de luxo, ainda está muito modestamente ocupado pelos complexos prometidos.
Além disso, os problemas temidos por muitos geólogos já começavam a se apresentar. Por falta de correntes, as águas que banham a palmeira não são suficientemente renovadas. Acima de tudo, o afundamento da areia pelas obras teria sido superior ao que havia sido previsto. Esse nível excessivamente baixo sobre a água ironicamente faz pensar no nome do complexo turístico, Atlantis [Atlântida], situado na ponta desse continente ameaçado de inundação.
A desintegração nas águas do Golfo é um risco muito mais iminente para a segunda palmeira, situada mais ao sul, perto da imensa zona portuária de Jebel Ali. Lá, a forma de inspiração vegetal está completa, mas nenhum prédio foi erguido. Sobre uma das flechas de areia que ligam o conjunto à terra firme, as pilastras de uma futura ponte vão diminuindo, como uma confissão da nítida desaceleração das obras nos últimos tempos. De qualquer forma estas deveriam se interromper em breve, uma vez que a Nakheel já não pagava há nove meses o grupo coreano Samsung, encarregado da obra, segundo operários designados para o projeto.
Bem ao norte do litoral do emirado, perto da cidade antiga de Dubai, a terceira palmeira nem atingirá esse estágio. As obras que deveriam dar forma a Palm Deira, que teria sido a maior de todas, foram suspensas há meses - na Dubai da crise imobiliária, nunca nada é cancelado, tudo é "adiado".
Até os projetos aquáticos mais delirantes, figurando em alguns mapas, como a réplica em areia do sistema solar, não foram oficialmente jogados nas lixeiras da história. Dos arquipélagos sonhados por Nakheel ao largo da cidade, hoje há somente o "The World", composto por ilhas dispostas como um planisfério terrestre. Mas mesmo ali, a realidade é bem diferente das fotomontagens divulgadas.
As ilhas estão nuas, com exceção daquela que contém a mansão modelo destinada a seduzir as grandes fortunas. A crise e as dificuldades materiais, amplamente subestimadas, não deixam que se espere para breve o início das construções. Por falta de manutenção, algumas ilhotas já começaram a ser atacadas pelas marés.
Em terra, alguns grandes projetos de desenvolvimento visavam um objetivo simétrico às extensões do litoral: trazer água para o deserto. Eles não terão um destino melhor. Assim, o "canal da Arábia", que deveria cercar em 80 quilômetros a zona do novo aeroporto internacional Jebel ali, existe somente no papel dos mapas regionais. O desmoronamento do mercado imobiliário esmagou sobretudo o projeto que deveria concluir a transformação de Dubai em "cidade global", atraindo e mantendo os turistas em vez de vê-los transitando sobre suas terras.
Sobre milhares de hectares, Dubailand deveria ser constituída de uma miríade de parques de diversões, de residências e de hotéis. Hoje, a imensa porção de deserto que lhe era destinada é povoada por alguns raros vestígios desse sonho desvanecido: o portão para um futuro estúdio da Universal, a carcaça em concreto de mais um shopping center, uma cabeça de dinossauro acima de uma cerca, os inevitáveis embriões de loteamentos.
À beira desse projeto "adiado", uma faixa de asfalto novo em folha atravessa as areias deste que seria o Tiger Woods Resort, um complexo residencial construído em torno do primeiro campo de golfe projetado por uma celebridade. A estrada leva, através das dunas, até o que se parece com um palácio, servindo de escritório de vendas. Avançamos, impressionados pela obra, contornamos... É um cenário, que esconde pré-fabricados e que acaba dando ares de "Tintim no País dos Sovietes" a essas encenações de Dubai.
O problema é que esse cenário do emirado-espetáculo foi amplamente vendido e está fora de questão fazer o reembolso. Os lotes arenosos de Waterfront, ao lado de Palm Jebel Ali, os das futuras residências de Dubailand, várias ilhotas caríssimas do "The World", e os apartamentos das inúmeras torres em construção por toda a cidade encontraram compradores, segundo um processo inalterável de venda na planta. "Na assinatura, os compradores deviam pagar somente 10% da soma total", explica Thomas Bunker, agente imobiliário canadense da empresa Better Homes. "Depois eles corriam para revender antes do segundo pagamento, embolsando o lucro. Os apartamentos virtuais poderiam mudar cinco ou seis vezes de mãos. Os especuladores inexperientes faziam empréstimos para comprar até dez deles de uma só vez: a bolha não parava de inchar". Isso levava as construtoras a lançar cada vez mais projetos novos, em vez de começar a construir o que haviam vendido com os 10% recebidos.
Então o emirado se encontra hoje estufado por uma oferta imobiliária que não corresponde a nenhuma demanda, e não somente no setor de moradia. Em 2011, com as entregas em curso, metade dos escritórios deverá estar desocupada. Para salvar os móveis, as construtoras se converteram em massa às virtudes da "consolidação". "Eles procuram convencer os proprietários que não desapareceram junto com a especulação a desistir de seus apartamentos virtuais nas torres que não têm nenhuma chance de serem construídas", explica uma especialista do mercado imobiliário local. "Em troca, eles lhes propõem, em troca de abatimentos, investir em um imóvel que têm boas chances de serem concluídos. Assim, cada um minimiza suas perdas".
Ainda que ela não diminua a debandada, essa técnica tem ao menos a vantagem de desbloquear um mercado onde os proprietários não queriam mais pagar e as empreendedoras não podiam mais terminar as obras.
No arquipélago do "The World", essa consolidação tomou a forma de um reagrupamento de ilhas que aos poucos torna os continentes irreconhecíveis. Até o arranha-céu símbolo de Burj Dubai, o mais alto e o mais caro do mundo, não escapou de alguma forma de consolidação. Em 4 de janeiro, a inauguração oficial será somente de uma das torres do buquê que compõe o conjunto, onde figuram o Hotel Armani e alguns apartamentos. A empreendedora semi-pública Emaar, que nos últimos anos entrou em uma concorrência insana com a Nakheel, salvará dessa forma a honra ao mesmo tempo em que adia os sobrecustos de sua bela obra para um pouco mais tarde.
Sentado no terraço, sobre a esplanada que avança sobre a torre-recorde, Thomas Bunker, o agente imobiliário, e dois expatriados libaneses, Elsie Marin, consultor em publicidade, e Marcel Kairallah, diretor de empresa, confessam sentir um pouco de nostalgia por esses anos de construção permanente. "Víamos a cidade se construindo ao nosso redor", eles dizem. Mas eles não lamentarão os excessos, e esperam que a consolidação sirva de "filtro" eliminando as loucuras, e conservando somente os inegáveis trunfos da cidade.
Essa qualidade de infraestrutura, esse comedimento de modos, essa mistura de populações fizeram de Dubai uma ilhota em uma região de regimes autoritários e austeridades religiosas. Muito antes que o emirado se destacasse por seus efêmeros castelos de areia nas águas do Golfo.
Tradução: Lana Lim
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