Há determinadas épocas do ano nas quais afloram sentimentos especiais, como se a nos enquadrarem em comportamentos uniformes, nos quais se incorporam um espírito do tempo específico:
— há quem fique especialmente alegre no Natal e há quem fique nostálgico;
— há quem fique triste por não poder corresponder à indução midiática para o consumo;
— há uns poucos, em relação ao total da população, que podem dar azo ao consumismo desenfreado;
— há quem que se comova com o olhar triste do menino pobre diante do majestoso circo por não poder comprar o ingresso;
— há quem leva os seus filhos ou netos num carro de luxo e compra a entrada desse mesmo circo, sentando num camarote como se fosse um vitorioso nessa coisa insuportável e excludente que é o conceito de vencer na vida;
— há quem tenha a sensibilidade de saber que é efêmera a glória do acrobata do circo, ainda jovem a realizar proezas nos sofisticados e novos mecanismos de riscos circenses, e lamente que aquele corpo logo, logo, perderá as suas forças e deverá ser deslocado para uma função administrativa (venda de ingressos, montagem das lonas, consertos gerais, etc.), ficando então privado do glamour dos aplausos admirados do público;
— há quem sinta uma tristeza profunda ao lembrar-se de tantos amigos e familiares que outrora brindaram com um bom vinho ou champanhe a gostosa ceia de natais passados, pessoas que agora já não tem mais junto de si, com a ceia já resumindo, quando muito, a um hot dog na carrocinha da esquina;
— há quem, sofrendo de solidão nos caminhos que a vida lhe impôs, desejaria ter pelo menos um ombro amigo para tomar nem que fosse apenas um gole de cachaça barata, jogando conversa fora;
— há quem esteja eufórico por atravessar um momento especial da vida e cante a música de Tom Jobim e Chico Buarque que diz “parece dezembro, de um ano dourado...”;
— há quem esteja decepcionado com as falácias dos políticos (como aqueles nos quais acreditou), que se diziam expoente de uma nova política, pois constata agora que a política é, de modo atemporal, sempre um vale-tudo do jogo de poder que iguala todos numa massa homogênea de submissão a uma ordem econômica de segregação e imposição de seus mecanismos funcionais;
— há quem esteja regozijado pelo motivo oposto, ou seja, por ver que se processa um adeus às ilusões no campo político, podendo isto descortinar não apenas um ano de novas perspectivas transformadoras, mais de uma era de afirmação das melhores virtudes humanas;
— há quem conserve a esperança de que dias melhores virão;
— há quem tenha perdido as esperanças e se enquadre no jargão da música popular que diz “deixa a vida me levar, vida leva eu”, sem nada questionar;
— há quem tome todas, simplesmente porque a incitação natalina é para ser feliz e bonachão como o bom velhinho gordo e vestido com roupa do frio siberiano nestes trópicos de tempos de aquecimento global;
— há quem, no exato dia de Natal, conheça um novo amor e acredite na eternidade do mesmo, pelo menos enquanto dure;
— há quem, enfastiado com as aparências de uma amor falido, resolva romper definitivamente com as ditas cujas, induzido pela busca de felicidade que o espírito do tempo natalino quer sugerir;
— há quem reflita sobre tudo de errado que fez e prometa que não vai repetir tai erros, mesmo sabendo da impossibilidade da perfeição nos acertos;
— há quem avalie que os acertos foram maiores do que os erros e tenha a esperança de diminuir ainda mais tal proporção;
— há quem se disponha a não aceitar a opressão sistêmica e prometa a si mesmo ir para as ruas reforçar o coro dos excluídos e/ou conscientes, mesmo sabendo que os democratas que estão no poder ungidos pelo voto sonham com um novo AI-5;
— há quem se endivide acima de suas possibilidades somente para ostentar poder de compra, o qual, no capitalismo, é critério de aceitação social, entrando assim na roda viva dos juros extorsivos que lhe são impostos;
— há quem não dê bola para esse consumismo natalino e espera as festas passarem para, aí sim, comprar num verdadeiro black friday decorrente da lei da oferta e procura, ou seja, da queda nas vendas;
— há um frenesi nos shoppings centers que apenas uns 30% ou menos da população podem frequentar, universo que, ainda assim, representa muita gente, dando-nos a falsa impressão de que tudo vai bem;
— há uma tristeza que invade as mentes dos milhões de trabalhadores desempregados ao verem seus filhos esperançosos de que o Papai Noel vá lhes dar o presente desejado, pois jamais poderão corresponder a tais expectativas naquele momento (afinal, o Papai Noel somente existe para quem pode pagar);
— há uma tristeza que invade as mentes dos milhões de trabalhadores desempregados ao verem seus filhos esperançosos de que o Papai Noel vá lhes dar o presente desejado, pois jamais poderão corresponder a tais expectativas naquele momento (afinal, o Papai Noel somente existe para quem pode pagar);
— há uma alegria das crianças que puderam se beneficiaram da iniciativa de alguém da favela que foi angariar presentes para alegrar-lhes o Natal;
— há algo de bom na condição humana, que independe de datas para ser transformado em alegria...
Que doravante todos os dias, e não apenas o Natal, sejam permeados pelo espírito da solidariedade e generosidade para com o nosso semelhante! (por Dalton Rosado)
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