Quando ligamos a TV para assistir ao noticiário (cada vez mais policialesco), desabam sobre nós as tragédias humanas mundo afora.
O que está na base de tantos desatinos, justamente num momento em que a humanidade atinge um elevado grau de conhecimentos nos vários ramos das ciências (que vão desde a Inteligência artificial dos robôs até a clonagem de seres vivos, passando pelos fenômenos da computação e comunicação instantânea via satélite)?
Por que, apesar de tantos avanços tecnológicos, aumentam a fome no mundo, a violência urbana e a violência das guerras, ocorrem sérias alterações climáticas que incomodam generalizadamente (sem a seletividade social e territorial da exploração econômica) os habitantes deste sofrido planeta, inquietando inclusive a população dos habitantes dos países economicamente desenvolvidos, que pressiona seus governos impotentes para a resolução dos agudos problemas?
Constatemos, inicialmente, apenas os fatos, como numa fotografia que os retrata, sem sobre eles nos pronunciar, deixando as conclusões para o final:
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A morte de pessoas nos hospitais do RJ devido à greve dos profissionais da saúde por falta de pagamento dos salários – tanto o prefeito Marcelo Crivella como o governador Wilson Witzel foram eleitos com base na estupefação dos eleitores ao constatarem a falência do município e do estado do Rio de Janeiro, que vivem ambos às voltas com a corrupção, a precariedade das demandas públicas, as dificuldades de pagamento dos salários de servidores e pensionistas e tantas outras mazelas decorrentes de atual situação falimentar das contas públicas.
As suas eleições devem-se ao falacioso discurso conservador e fundamentalista religioso segundo o qual, sob as bênçãos de um Deus por eles imaginado e corporificado, e eliminando-se a corrupção com o dinheiro público e matando os bandidos, tudo estaria resolvido.
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A saída do Reino Unido da União Europeia – num processo eletivo parecido com aquele dos EUA, no qual nem sempre vence quem tem a maioria de votos, os britânicos elegeram uma maioria de parlamentares conservadores que apoiam Boris Johnson, decretando a vitória do Brexit.
Fizeram-no por estarem cansados da paralisia que acometeu o reino nos últimos anos, enquanto se debatiam as conveniências e prejuízos econômicos implícitos no desligamento das franquias estabelecidas pelo mercado comum europeu.
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A posição do Brasil e dos governos mundo afora sobre as questões climáticas - após rejeitar ser sede da COP25, a conferência do clima que está sendo realizada em Madri, o presidente Jair Bolsonaro agride a estrela do evento, Greta Thunberg, chamando-a de pirralha, horas antes de ir às bancas a revista Time que a traz na capa e anuncia sua escolha como personalidade do ano de 2019.
O Brasil, que até há bem pouco tempo era reconhecidos como um país engajado na luta pela preservação do meio ambiente, agora está sendo tratado mundialmente como vilão ecológico.
A COP25 se vê diante de impasses por causa da priorização mundial da produção de bens de consumo (da qual os Estados retiram os impostos) e da prevalência de uma forma de vida urbana que emite os gases poluentes causadores do efeito-estufa (responsável pelo aquecimento global que pode causar danos graves à produção de alimentos no curto prazo, e exterminar a vida animal e vegetal do Planeta em médio prazo).
Danos aos mares, rios e solos aí acrescidos.
Os Estados Unidos e a China esboçam acordos bilaterais sobre o protecionismo de mercado – como todos querem vender mais do que compram e por valores diferenciados (produtos manufaturados e tecnológicos com preços superiores aos produtos primários), estabelece-se a impasse comercial e economicamente irresolúvel.
O chamado comércio de mão única, no qual quem tem maior nível de produtividade e/ou baixos salários ganha a guerra concorrencial de mercado e se afirma perante os perdedores como economicamente superior, provoca essa disputa de impossível conciliação pacífica, prenunciando a morte dos contendores e dos que ficam à margem desse processo autofágico (tido hipocritamente como saudável).
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A previdência social na Europa, França e Bahia... – comemora-se com euforia a redução das pensões previdenciárias como forma de reequilibrar as contas públicas, que marchavam para um descontrole inadministrável.
Às pessoas comuns tal procedimento é apresentado como saudável para a retomada do crescimento econômico que poderia proporcionar o ajuste fiscal e resolver a mais grave de todos os problemas sociais da atualidade: o desemprego estrutural.
Na França, uma greve contra a reforma previdenciária paralisa o país há dias, algo parecido com a greve geral de maio de 1968.
A classe média dos países que se desenvolveram industrialmente vendendo seus produtos para o mundo, como é o caso da França, agora está perdendo poder de compra em razão do deslocamento da produção globalizada de mercadorias que se instala nos países de mão-de-obra barata (trabalho abstrato), que reduz empregos locais, salários, contribuições previdenciárias e impostos.
A diferença agora é que as populações cultas europeias e sem perspectivas de ganhos (principalmente a juventude) tem poder de pressão social e não aceitam ficar caladas diante dessa realidade de debacle no seu poder de consumo.
No Brasil, o clima é de júbilo pela reforma previdenciária, á qual deve seguir-se a reforma administrativa e outras maravilhosos medidas restritivas de direitos que devem salvar o que muitos consideram como maravilhoso: o capitalismo e seu Estado, agora tido como incorruptível...
A aprovação de medidas anti-crime no Brasil – o Congresso Nacional acaba de aprovar um pacote de medidas penais punitivas que representam maior rigor no combate ao crime, seja o do colarinho branco ou o dos pés-de-chinelo.
Já temos um sistema presidiário que não suporta tantos criminosos produzidos por uma sociedade violenta e em constante tensão e o que se prevê é um aumento dos insuportáveis gastos com a manutenção de presos (pretos e pobres em sua maioria).
Não é por menos que o atual governo quis aprovar o instituto do excludente de ilicitude para policiais em serviço (também conhecido como licença para matar), o qual iria açular ainda mais o espírito perverso e psicótico de alguns policiais sádicos que, ao invés de cumprirem a missão de proteger a sociedade, extravasam seus instintos de dominação e poder.
Todas as proposições governamentais são justificadas como medidas de combate ao crime, à corrupção com o dinheiro público, e justificadas como necessárias à pacificação da sociedade.
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A explosão social chilena – o Chile, que até outro dia era a exceção que confirma a regra, ou seja, era o patinho bonito da América do Sul, com seus indicadores econômicos globais positivos que mascaravam a realidade do povo, explodiu numa revolta social na qual dezenas de pessoas morreram e muitas outras foram irremediavelmente mutiladas (cegueira total e deformidades físicas por agressão à bala) graças à ação do governo democrático de Sebastian Piñera.
O liberalismo ortodoxo da escola de Chicago demonstrou a sua verdadeira face: concentração de renda; ajuste fiscal às custas do sacrifício de pensionistas; atendimento restrito das demandas sociais, e por aí vai...
O Brasil que se espelhava no Chile, com economistas da mesma escola de pensamento econômico, deve botar as barbas de molho?
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Sobre a inversão de valores nos costumes no Brasil – o guru astrológico Olavo de Carvalho, que grava filmes com um portentoso cachimbo nos lábios (demonstrando quão benéfica é a ingestão da nicotina para a população), se propõe reescrever a história ao seu modo. Algo mais ou menos assim:
— Zumbi dos Palmares se torna feitor de escravos;
— Tiradentes deve virar um espião da Coroa portuguesa;
— Silvério dos Reis merece ser condecorado pela Polícia Federal como delator de corrupção;
— o Barão do Rio Branco queria vender a Amazônia aos comunistas;
— Garrincha combinou com os russos para ganhar a Copa do Mundo de 1958;
— Carmem Miranda era uma quinta coluna brasileira na 2ª Guerra Mundial e nunca cantou nada; e
— Tom Jobim e Vinicius de Morais, na peça Orfeu da Conceição, faziam apologia da escravidão, a qual, segundo a seita olavista, teria benéfica para os negros do Brasil;
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Vamos ficar por aqui neste inventário de terror, apesar de existirem muitos outros retratos sociais que poderíamos expor, para concluirmos sobre a causa comum dessa tragédia mundial sob a forma de algumas indagações:
— por que há um mutismo em relação à possibilidade de um novo modo de produção social, que não seja permeado pela competição fratricida da guerra concorrencial de mercado?
— por que, ao invés de combatermos infrutiferamente a tradicional corrupção com o dinheiro público, não discutimos uma organização social horizontalizada, sem poder estatal e cobrança de impostos?
— por que temos de aceitar o ruim para evitarmos o pior, como é o caso da restrição de direitos e ganhos civilizatórios em curso?
Todos os fatos acima narrados, de diferentes matizes, têm um ponto em comum: uma relação social fetichista, reificada, na qual coisas inanimadas (as mercadorias) ganham vida e comandam as nossas vidas.
Somente com a superação da forma-valor, relação social mediada pelo dinheiro e mercadorias cuja forma está em flagrante contradição com o conteúdo, poderemos salvar as nossas vidas e a vida do planeta que nos abriga. (por Dalton Rosado)