Na fábula da rã do escritor suíço Olivier Clerc, o batráquio, ao cair num caldeirão de água fria e limpa, instantaneamente fica feliz com seu destino.
Logo mais alguém acende o fogo para aquecer o caldeirão e a água começa a atingir temperatura mais agradável para a rã. Melhor ainda!
Gradativamente a água fica mais quente e ela vai tentando se acomodar à nova temperatura até que, atingido o ponto de ebulição, morre cozida.
Vivemos um momento social no qual se nos estão sendo impostas as perdas das poucas conquistas anteriores em nome da tentativa de manutenção do sistema.
Os aposentados do INSS têm uma pensão miserável depois de trabalharem por toda uma vida e agora lhes é proposto um aumento do tempo de contribuições para a aposentadoria como forma de sobrevivência financeira da dita cuja (se estivéssemos no poder, como nós comportaríamos diante da imposição da lógica financeira?).
Muitos coitadezas dependentes do SUS morrem nos corredores dos hospitais sem que lhes seja prestado atendimento minimamente decente.
Os que precisam acionar a justiça comum e, principalmente, os juizados de pequenas causas não têm os seus reclamos apreciados em tempo hábil, porque não há estrutura funcional que garanta a fluidez dos processos.
A íntegra desta reportagem pode ser acessada aqui |
A violência urbana faz com que vivamos cercados por grades de ferro e eletrônicas, aparelhos de filmagens, guardas armados, como se estivéssemos em prisões domiciliares; enquanto isto, a polícia faz greve.
Ainda chocados com o massacre bestial de 56 presidiários em Manaus, ficamos sabendo que outros 33 presidiários foram mortos em Roraima, numa prova inconteste de que há uma situação generalizada de descontrole. O presidente Temerário e a ministra do STF se reúnem, perplexos, diante da explicitação da barbárie.
Os professores fazem greves em todos os estados da Federação, reivindicando salários dignos e condições de trabalho adequadas para a função fundamental de educar a grande maioria da população.
A corrupção política é escancarada no noticiário televisivo, envolvendo todos os partidos políticos, sem exceção (e sem que daí decorra um questionamento institucional!).
De um modo infelizmente majoritário, as pessoas continuam achando que o capitalismo é ontológico, natural.
Há também os que, mesmo sabendo tratar-se de uma etapa histórica, não se colocam a possibilidade de advento de outra etapa, pois ainda veem a atual como um ganho civilizacional.
Há também os que, mesmo sabendo tratar-se de uma etapa histórica, não se colocam a possibilidade de advento de outra etapa, pois ainda veem a atual como um ganho civilizacional.
Existe, por último, uma porção bem menor de pessoas que, cientes da natureza destrutiva e autodestrutiva do capitalismo, o querem superar.
O capital, como as famosas pirâmides financeiras, promove inicialmente uma sensação de crescimento eterno, até a hora da verdade, quando a falência se torna evidente, com prejuízos generalizados.
Daí tantas pessoas, por inconsciência ou comodismo, quererem apenas reformar o capitalismo e torná-lo menos desumano. O caminho ideal, na visão elas, seriam mudanças (que equivalem a meros paliativos) sem uma ruptura com a lógica vigente.
A suposição de que o capitalismo tenha jeito não passa de um rotundo engano, mas é compreensível que as pessoas não se deem conta da sua negatividade, uma vez que nem na mídia, nem nas escolas e universidades (com raras exceções) se aprofunda essa questão. O sistema capitalista é intrinsecamente totalitário, ainda que se apresente sob o manto de uma bandeira democrática; esta nada mais é do que a expressão da negação da liberdade.
A passividade decorre da percepção incorreta da realidade em que vivemos e sob a qual padecemos..
A passividade decorre da percepção incorreta da realidade em que vivemos e sob a qual padecemos..
Se a chamada esquerda estivesse no poder burguês, como administraria os problemas acima citados, cuja realidade e dramaticidade saltam aos olhos, diante da impositiva lógica econômico-financeira?
Estaríamos traindo nossos principais valores e bandeiras caso deixássemos de negar o poder e de nos insurgirmos contra ele. Mas, depois que se jura a Constituição e se conhecem as mordomias dos palácios, é muito difícil voltar à austeridade revolucionária; o reformismo oferece todo tipo de paga e de mimo para quem tem vontade fraca.
São tantas as mazelas sociais do capitalismo que não caberia enumerá-las neste espaço. Mesmo assim, a propaganda oficial do Tribunal Superior Eleitoral ainda nos incentiva (e obriga) a votar como exercício da cidadania democrática!
A passividade de ação é tão negativa como a ação inconsciente na qual não se saiba para onde ir, como ir e pra que ir. A revolta contra as perdas que nos impõem não podem vir acompanhadas de reivindicações que se constituem em causa dos problemas (mais empregos, p. ex.).
Os exemplos históricos estão aí para nos provar. Os heroicos ideais da revolução bolchevique, que neste ano completa um século, resultaram num capitalismo liberal com governo totalitário, gerido pelo ex-chefe da KGB Vladimir Putin, amigo de um apresentador de reality shows chamado Donald Trump. É mole?
Tal qual a rã na fábula acima citada, devemos aguentar o aquecimento da água numa passividade acomodada até sermos cozidos?
Os versos célebres ao lado, que Eduardo Alves da Costa dedicou a Maiakovski (e cuja autoria costuma ser erroneamente atribuída ao grande poeta russo), deram a resposta: quem se submete passivamente à escalada de abusos acaba assistindo impotente à própria destruição!
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/01/quem-se-submete-passivamente-escalada.html
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