sábado, 7 de janeiro de 2017

MATANÇA EM MANAUS FOI UMA AMOSTRA EXTREMADA DA SEGREGAÇÃO SOCIAL GERADA POR UM SISTEMA MORIBUNDO

"Isso é um erro que não podemos cometer,
achar que esse massacre e essas rebeliões 
são simplesmente guerras de facções"
(ministro da Justiça Alexandre Moraes)


Qual a conexão entre o fato de que, numa região com baixa densidade demográfica como a Amazônia, pessoas precisem morar em palafitas (construções em áreas alagadas) e nela ocorra um massacre tão chocante como o ocorrido no presídio Compaj,  de Manaus, matando 56 presos, muitos deles degolados? 

Qual a conexão entre o massacre do Carandiru, cujo saldo foi de 110 presos mortos e nenhum policial participante vitimado (sem que nenhum destes últimos tenha sido verdadeiramente punido), além de tantos outros motins diários que ceifam presidiários e funcionários públicos, e o fato de que existem quase 700 mil presos alojados em presídios capacitados para a internação de pouco mais de 300 mil?

É a seguinte: vivemos numa sociedade que não tem o mínimo respeito pelos direitos humanos e trata os pobres como animais de carga, encarando seus assassinatos como episódios de ínfima importância. 

Por que há centenas de milhares de mandados de prisões expedidos a partir de sentenças já transitadas em julgado (caso todos estes condenados fossem presos, nem sequer caberiam nos presídios atuais) sem que a polícia consiga prender os condenados, com a ineficácia policial estimulando o monstruoso índice de violência, a ponto de a vida humana valer menos do que um aparelho celular? 

Por todos os motivos anteriores; mas, principalmente, porque vivemos numa sociedade que produz uma quantidade insuportável de criminosos graças a um conjunto de fatores (corrupção, desemprego estrutural, analfabetismo, favelamento, etc.) cujo traço comum é a miséria do capitalismo. 

Segundo relatório do Ministério Público, as empresas Umanizzare (o nome é uma ironia involuntária!) e Multi Serviços Administrativos recebiam R$ 4.709,78 por cada preso sob sua guarda em regime de terceirização. A presidente do STF, ministra Carmem Lúcia, afirmou que um preso em estabelecimentos penais do Estado requer cerca de R$ 2,4 mil, o que faz suspeitar de superfaturamento na Casa dos Mortos de Manaus, muito mais terrível do que a celebrizada pela obra-prima de Dostoievski.  

O conjunto de gastos com que a sociedade arca é enorme: a construção de presídio e sua manutenção física; energia e água; alimentação dos prisioneiros, roupas e lavanderia; remuneração dos agentes penitenciários e policiamento dos presídios, bem como toda a estrutura judiciária (funcionários, promotores de justiça, juízes, viaturas e escoltas para transporte de presos). Ou seja, o custo de um preso é elevadíssimo para os padrões médios de receitas de um cidadão brasileiro. 

Algumas dezenas de bilhões de reais são, neste sentido, retiradas da precária receita tributária; somadas aos custos da dívida pública e da pesada máquina administrava do Estado, pouco sobra para o contribuinte receber a contrapartida dos seus impostos na forma de serviços indispensáveis para a coletividade. 
É, repito, em função do imenso contingente de criminosos que nossa sociedade está produzindo e à existência de custos prisionais tão onerosos, que o Estado perdeu a capacidade de prender, causando sensação de impunidade que se constitui num combustível adicional para o crime.  

Dentro deste contexto, o tráfico de drogas movimenta bilhões de reais no Brasil inteiro, financia o crime organizado e concorre para o aumento de outras formas de criminalidade. Neste artigo já disséramos que a droga é uma mercadoria (clandestina) e que todas as mercadorias são drogas (oficiais). Só há uma maneira de se extirpar o tráfico de drogas como cancro social: a superação da própria mercadoria.  Tal princípio vale igualmente para as armas de fogo.
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SOBRE A CRÍTICA AOS DIREITOS HUMANOS
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Face à intensificação da escalada da violência e à incapacidade do Estado de enfrentá-la, surgem as mais diversas teses sobre o tratamento policial desta questão, na contramão do respeito os direitos humanos. 

É que a violência urbana (e até rural) está se tornando uma guerra civil não declarada tanto no Brasil (em todos os estados, o que demonstra não ser uma questão localizada e nem apenas de boa ou má administração) e em muitas regiões do mundo.

A desigualdade social brasileira e mundial se aprofunda. Segmentos excluídos da sociedade, que são grande parte da população (vale ressaltar que existem também delinquentes entre as chamadas classe média e alta, principalmente os corruptos de colarinho branco), derivam para o crime e para a barbárie, justamente por não terem consciência de quando, como, por que e por onde devem canalizar as suas insatisfações. A violência cega a nada leva de construtivo. 

Infelizmente, tal inconsciência é a base não apenas da barbárie, mas também, e principalmente, da existência da própria exclusão e da aceitação (até certo ponto) da opressão sistêmica. Afinal, a barbárie nunca foi e nem jamais será instrumento eficaz de transformação social.

Mesmo assim, continuam pipocando nas abordagens dos segmentos mais conservadores e melhor aquinhoados da sociedade as demagógicas críticas à supostamente injusta defesa dos criminosos por parte dos defensores dos direitos humanos, no que diz respeito às:
– condições carcerárias desumanas;
– aos assassinatos em motins nos presídios;
– à truculência da polícia, que, diante da incapacidade de uma prisão pelo Estado, passa a torturar, mandar bala a torto e direito, a executar suspeitos já rendidos, etc., o que, numa espiral de violência, acaba elevando também o número de mortos em suas fileiras. 
    Quando não se trata de policiais mancomunados com o crime a ponto de acobertarem com suas fardas ou distintivos o extermínio de concorrentes dos seussegundos patrões, são agentes que se desviam do dever para atuar como justiceiros, em contraponto à insegurança e às agressões sofridas pelas vítimas. Só que um erro não justifica outro nem lhes confere o direito de tomar a justiça em suas mãos.. 

    Os nazistas eram os maiores propagadores dessas teses, e todos sabemos no que deu. 

    Os comentários negativos contra defensores dos direitos humanos geralmente fazem chantagem emocional com a situação das vítimas de assaltos ou chacinas e suas respectivas famílias, como se certa fosse a primitiva lei do talião e errada, a civilização que penosamente construímos ao longo de milênios.

    Tal postura deriva de uma falsa dicotomia. A análise que parte de uma suposta oposição de tratamento entre vítimas e criminosos está contaminada por pressuposto equivocado, uma vez que tanto vítimas como criminosos sofrem, cada um do seu modo, com o resultado prático de uma negatividade social endógena (as relações sociais sob o capitalismo). 

    É evidente que não se podem proteger criminosos com a impunidade, mas nem por isto se justificam tratamentos cruéis e ignominiosos. 

    Devem, portanto, ser incisivamente repudiados os opositores dos direitos humanos que erigem a punição degradante como alternativa à impunidade, ao invés de terem a coragem e a dignidade de discutirem o que está subjacente a tal guerra civil não declarada entre excluídos e incluídos, reconhecendo que de uma sociedade intrinsecamente injusta (como é a capitalista, principalmente quando atinge o seu limite interno absoluto de expansão) não pode resultar a felicidade coletiva. 

    Afinal, quando se planta uma erva daninha, dela não se podem esperar bons frutos. 
    (por Dalton Rosadohttps://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/01/matanca-em-manaus-foi-uma-amostra-da.html

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