quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A dialética da conciliação de classe ou como destruir uma base de massas





Um partido de origem popular e operária se consolida no Brasil nos anos 80. Esse partido, o Partido dos Trabalhadores, aposta na mobilização de massa (greves, passeatas, protestos, ocupações de órgãos públicos, etc.) como forma de tornar seu projeto o hegemônico no seio das classes exploradas e lograr ocupar o maior número possível de cargos no aparato do Estado acreditando ser possível democratizá-lo ao máximo até que ele seja um instrumento da transição socialista. 

Durante a trajetória política do PT, quando a institucionalidade passou a ser prioridade absoluta, o partido ostentava um diferencial que a maioria dos partidos burgueses não têm: uma adesão dos movimentos sociais, da classe trabalhadora organizada e das massas populares que representava seu diferencial na política. Enquanto o PSDB, PMDB ou DEM precisavam pagar pessoas como cabos-eleitorais na época da eleição o PT tinha milhares de seres humanos que se entregavam de corpo e alma àquele projeto sem precisar receber nada em troca. 

Quando o PT desistiu de revolucionar a sociedade, abandonou na prática a estratégia socialista (embora ainda mantenha formalmente em palavras) e passou a ter como principal objetivo tornar-se o partido da ordem dominante com um programa econômico socialdemocrata faz-se necessário conter, controlar e instrumentalizar ao máximo a mobilização de massas. Agora não é mais interessante, por exemplo, ter pressão na rua pela estatização dos transportes, pois modelos restritos de passe-livre, baixos aumentos (ou congelamentos parciais dos aumentos) e melhoras na frota já bastam. O PT passa a chamar o movimento de massas apenas em movimentos chaves, notadamente na eleição, e nos demais momentos procura paralisar ao máximo esse movimento; para lograr êxito nisso é indispensável um rebaixamento ideológico e programático sempre constante e avançando - primeiro o PT defendia o socialismo com democracia, depois fala mais de democracia que socialismo, depois fala de "revolução democrática" para depois vim o socialismo, depois não fala mais em socialismo e o mote é um crescimento econômico com desenvolvimento social e assim vai...

O ciclo do PT na presidência se notabilizou por não ter chamado UMA ÚNICA VEZ as massas populares para uma luta de rua para realizar o programa econômico que o partido defendeu nos anos 80 e parte dos anos 90. Diferentemente do bolivarianismo na Bolívia ou Venezuela, onde o governo é um pólo de aglutinação e fortalecimento dos movimentos sociais e da classe trabalhadora (com todos os limites e contradições), no Brasil os governos do PT não só procuram não promover a luta como freia-la cooptando lideranças para o aparelho do Estado e minando a radicalidade da própria base social do partido ("país de todos", "nova classe média", "ascensão pelo consumo", etc. foram estratégias ideológicas de rebaixamento da consciência de classe). O partido que tinha como diferencial sua base de massas vai progressivamente destruindo essa base de massas para ser gestor da burguesia oferecendo como principal qualidade sua capacidade de controlar os movimentos socais e a classe trabalhadora. Esse processo vai enfraquecendo a base de massas e reduzindo a margem de manobra do partido como operador da burguesia tornando-o um executor que modifica pouco o projeto da classe dominante; esse ciclo reduz progressivamente a já frágil base de massas que sofre com uma crise ideológica, ausência de novas lideranças, perda de adeptos, redução de apoio na sociedade, consolidação de práticas pelegas e cupulistas. 

O resultado final do processo é que quando a burguesia não precisa mais do ex-partido operário e popular e através de outras expressões políticas - os partidos de oposição - resolve tentar derrubar o PT, o partido não tendo mais com recorrer a uma base de massas que entrega corações e mentes ao projeto precisa desesperadamente fazer um acordo com o principal operador do Impedimento: Eduardo Cunha. Notem, quando Lula foi eleito tivemos uma das maiores expressões de massa da história recente do Brasil em sua posse. Na possível queda de Dilma não temos a classe trabalhadora nas ruas para defender seu mandato e mesmo os movimentos sociais ainda ligados ao governo, como o MST, não se sentem à vontade para essa missão. A dialética da conciliação de classe é implacável. Rosa Luxemburgo em seu clássico texto O Oportunismo e a Arte do Possível tinha alertado que: “as se nós começamos a perseguir o que é ‘possível’ de acordo com os princípios do oportunismo, sem nos preocupar com nossos próprios princípios, e por meios de troca como fazem os estadistas, então nós iremos logo nos encontrar na mesma situação que o caçador que não só falhou em matar o veado, mas também perdeu sua arma no processo.” Sim, o PT perdeu sua principal arma!

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