Como não sou mais crítico de cinema, posso agora dizer algo que faria o céu desabar na minha cabeça quando frequentava as cabines das empresas cinematográficas para assistir antecipadamente aos filmes prestes a estrearem, ao lado (qual primo pobre) dos medalhões da grande imprensa: sempre achei o diretor sueco Ingmar Bergman superestimadíssimo e a maioria dos seus filmes, tediosos.
Antes mesmo de 1968 eu já estava antenado com os ventos de mudança que varreriam as teias de aranha do chamado cinema de arte. Não por acaso, o cineasta que mais me fazia a cabeça em 1966 e 1967 era Jean-Luc Godard, o gênio anárquico e desmedido por excelência.
Mas, se O silêncio me dava sono, os Morangos silvestres eram sem gosto e eu não estava minimamente interessado no que acontecia Quando duas mulheres pecam, nem tudo do Bergman eu botava na mesma vala comum.
O sétimo selo, p. ex., eu considerei quase bom. A disputa de xadrez entre o cavaleiro e a Morte foi uma grande sacada, mas os acontecimentos que vão desiludindo o herói a ponto de ele não fazer mais questão de ganhar a partida (e a vida) são mostrados em clave piegas, lembrando até o chororô neo-realista.
Adorei O rosto enquanto os atores itinerantes, vingando-se da má acolhida no castelo, utilizam as ferramentas de sua arte para apavorar e humilhar seus anfitriões; mas, quando eles recuam no final, curvando-se à hierarquia social ao não irem às últimas consequências, foi um verdadeiro balde d'água fria atirado no meu entusiasmo. Entrada de leão, saída de cão.
O ovo da serpente (1977), com o qual reativo a seção filmes para ver no blogue, é mais um que começou com tudo mas não manteve o pique. Ainda assim merece ser visto, inclusive por ser o que melhor reconstituiu até hoje o impacto de um colapso econômico na vida dos cidadãos comuns (e, afinal, trata-se de uma situação muito afim com o soturno momento pelo qual passamos).
Falo, é claro, da hiperinflação alemã de 1923, quando o dinheiro não valia mais nada e as pessoas haviam perdido toda perspectiva de futuro; ou estavam prostradas, sem forças para reagirem aos infortúnios que as esmagavam, ou sofregamente perseguindo prazeres como se o mundo fosse acabar no momento seguinte.
Fica muito claro que, não suportando a falta de uma âncora para suas existências, os alemães tenham se deixado mesmerizar pelos discursos raivosos daquelesalvador da pátria com bigodinho engraçado.
Mas, após uma primorosa primeira metade, o filme saiu dos eixos. Bergman quis detalhar oovo da serpente e não o soube fazer. A trama se torna policialesca, envolvendo as primeiras experiências nazistas com cobaias humanas, e aí uma profusão de clichês invade a tela. Parece até filme hollywoodiano sobre o Holocausto.
Os fãs sofisticados (ou seja, quase todos) do Bergman se escandalizaram com a escolha de DavidKung Fu Carradine para o papel principal, ao invés do Max Von Sidow de sempre. Segundo sua visão preconceituosa, Carradine não tinha pedigree suficiente para o cinema de arte. Para mim, ele foi um dos pontos altos do filme...
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