O momento que vivemos no Brasil e no mundo representa uma daquelas situações históricas em que um modelo social se exauriu e fermenta soluções transformadoras.
A realidade social e ecológica mundial nos impõe a urgente superação do capitalismo. Mas não basta querermos tal superação e colocarmos a própria vida a serviço de um projeto de transformação que não elimine as causas originais do atual infortúnio social de bilhões de pessoas no planeta. É preciso questionarmos e superarmos todas as categorias capitalistas, para podermos então construir a revolução da emancipação humana.
Qualquer movimento que se disponha a conviver com as categorias capitalistas sem questioná-las é postura infrutífera e destinada ao fracasso, pois nem o próprio capitalismo já o consegue fazer.
É necessário que diuturnamente rejeitemos categorias capitalistas como trabalho abstrato,valor, mercadorias, mercado, capital, propriedade, estado, política, partidos políticos, democracia e o próprio capital, ainda que sejamos diariamente obrigados a reproduzi-las como forma de sobrevivência, muitas vezes até contribuindo, a contragosto, para os seus fortalecimentos, mas de modo a que essas últimas ações nunca representem bandeiras nossas.
Contestar com nossas ações e movimentos as categorias capitalistas, ao mesmo tempo em que com elas somos obrigados a conviver, certamente é uma das tarefas mais difíceis e revolucionárias a serem executadas, e para isto é necessário conhecer profundamente a essência dos seus mecanismos de mediação e controle de modo a que, involuntariamente, não venhamos a reproduzir aquilo que julgamos combater.
A esquerda marxista mais devotada e sincera à causa revolucionária sucumbiu exatamente por não ter compreendido o próprio Karl Marx, e disto se aproveitaram muitos dos seus dirigentes por comodidade ou apego ao poder.
Neste sentido é que considero imperativa a crítica aos conceitos e modos que formatam os postulados iniciais de criação dessa frente de luta que tenta juntar, no mesmo espaço, concepções absolutamente diferentes e divergentes nas ações de superação do capitalismo que já no curto prazo evidenciar-se-ão como insuperáveis.
Ademais, postulações voluntariosas incorretas já demonstraram historicamente que estão fadadas ao fracasso, e nós não podemos mais drenar energia em esforços infrutíferos. A emancipação da humanidade é ao mesmo tempo uma tarefa urgente e paciente e essa paciência não significa acomodamento, mas, ao contrário exige esforços bem direcionados por consciência superior sobre o que fazer.
SOBRE A QUESTÃO DA PRODUÇÃO E DA
ORGANIZAÇÃO SOCIAL QUE SE PRETENDE ADOTAR
Tanto as sociedades antigas como as atuais têm na forma de produção e apropriação dos bens e serviços indispensáveis à vida a sua definição de propriedade e de organização social. Cada vez que se modificam as formas e conteúdo dessa produção alteram-se as formas de propriedade e de organização social.
A ebulição do momento que vivemos decorre do fato de que as forças de produção evoluíram de tal forma com o domínio de ciência tecnológica aplicada à produção que o móvel da mediação social – dinheiro e mercadorias – produzidos a partir do trabalho abstrato perdeu a sua funcionalidade (e, como consequência, o capital perde substância).
Diante disto, é de se perguntar como a Nova Esquerda se posiciona diante da questão do desemprego estrutural? Propõe a abolição do trabalho abstrato ou reivindica mais trabalho abstrato?
Abolindo o trabalho abstrato, como propõe que se processe a produção?
Não abolindo o trabalho abstrato, mantém os fundamentos capitalistas?
Qualquer resposta a esta indagação implica uma alteração profunda do encaminhamento da revolução, se quisermos chamar de revolução a tarefa de emancipação social.
SOBRE A QUESTÃO DA CIDADANIA, DO ESTADO E SUAS
INSTITUIÇÕES, DA POLÍTICA E SEUS PARTIDOS,
DA DEMOCRACIA E OUTROS CONCEITOS.
A política, os partidos políticos a ela inerentes e a democracia são categorias capitalistas no espectro do arcabouço institucional de acesso ao Estado moderno, sua invenção dependente. Assim, qualquer movimento que se proponha verdadeiramente revolucionário, no sentido da superação completa do capitalismo, terá de negar tais categorias. E é aí que mora o problema: como comportar na frente ampla de esquerda tais categorias, ao invés de negá-las?
Uma sociedade emancipada não pode existir a partir de tais postulados e categorias, ainda que se admitam as suas existências transitoriamente, pois o uso do cachimbo entorta a boca. A história do fim justificando os meios, tão comum à trajetória da esquerda, não pode se coadunar como uma concepção de luta que se proponha como nova.
Não é possível concebermos “democracia como valor universal”, posto que a organização popular no sentido do provimento das suas necessidades de existências materiais e sentimentais não se confunde com o conceito moderno de democracia; e menos ainda com o conceito semântico grego de democracia, nascido justamente no momento (2.700 a.C.) em que se entronizou o dinheiro como mediação social e se criaram as cidades-estado como forma política (a palavra política deriva da polis grega).
A cidadania é um conceito que transforma o indivíduo social em uma peça da estrutura do Estado capitalista, seu opressor, que por ele, cidadão, é sustentado. Assim, o conceito de revolução cidadã, que a Nova Esquerda tomou emprestado do presidente equatoriano Rafael Correa, é semantica e revolucionariamente equivocado.
Reivindicação como “patriótico”, contida nos seus documentos, inclui implicitamente a ideia do nacionalismo militar xenófobo capitalista, da mesma forma que o combate ao sionismo e ao anti-sionismo são conceitos que derivam de uma mesma absurda concepção para quem se propõe ao contraponto às bandeiras equivocadas da direita e da esquerda tradicional.
A plataforma de luta da Nova Esquerda é reformista e, portanto, anti-revolucionária. Proposições como:
– reforma política (que admite implicitamente a existência da política);
– reforma institucional, orgânica e administrativa nos três poderes (que admite a existência dos poderes do estado);
– reforma agrária no campo (bandeira capitalista por excelência, pois admite implicitamente a propriedade da terra);
– reforma sindical (que, admitindo sindicatos e trabalhadores, como consequência avaliza o trabalho abstrato, fonte original do capitalismo);
– criação do fundo popular dos movimentos sociais (que implica a conservação e existência de reservas em dinheiro, principal categoria capitalista);
– redivisão territorial do país (que implica a existência de estados-membros e do próprio Estado);
– redução de 50% do número de parlamentares (que implica a conservação do parlamento e da existência dos parlamentares e políticos);
– intensificação das relações políticas e comerciais com a América latina e seus organismos (que admite, implicitamente, o comércio internacional e a produção de mercadorias).
Francamente, com tais postulados reformistas e ingênuos, a nova esquerda, que se reivindica revolucionária, constituir-se-á como uma heterogeneidade de pensamentos e postulações atrasadas que muito cedo se evidenciarão como inconciliáveis e irremediavelmente destinadas ao fracasso.
A nova esquerda, antes mesmo de nascer, já é velha, ou natimorta.
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/10/aos-companheiros-da-nova-esquerda.html
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