Ilustração: Daniel Graf e Alexandre Lucas |
O clamor moralizador que tem mobilizado muitos no Brasil nestes últimos tempos, tem depositado suas energias preferencialmente sobre um único prisma, que é o da corrupção na política, restrita aos poderes legislativos e executivo. Outros espaços da política brasileira são pouco questionados e todo um conjunto de estruturas profundamente excludentes são completamente ignorados por este clamor seletivo. Um exemplo gritante disto é o judiciário brasileiro.
Uma verdadeira “caixa preta”, inacessível para a ampla maioria das pessoas, o judiciário, em seu conjunto, converteu-se em uma grande estrutura geradora de privilégios para poucos, com uma reduzida preocupação social, nenhuma participação democrática, transparência ou controle da sociedade.
Dos três poderes que estruturam o ordenamento institucional brasileiro, o judiciário é o único que não possui nenhuma abertura a participação e fiscalização da sociedade, não tendo de prestar contas a ninguém, afora a seus próprios pares. É curioso pensar que, em pleno século XXI, tenhamos no Brasil uma estrutura com tamanha abrangência na sociedade e que seja tão pouco transparente como o nosso judiciário. É justamente esta ausência de transparência que permite que muitos descalabros com dinheiro público sejam cometidos, sem que provoque uma reação popular maior.
Vamos dar alguns rápidos exemplos desta estrutura de privilégios abusivos do judiciário.
Pouca gente sabe, por exemplo, que o judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. É o que mais gasta recursos públicos entre todos os países da América e da Europa. Levantamento do jornal Valor, apontou que o Brasil gasta 1,2% do PIB para a manutenção de sua justiça, comparando-se com outros países, temos números muito mais modestos. A Venezuela gasta 0,34; a Alemanha 0,32; Itália 0,19; os EUA 0,14 e a Argentina 0,13 do seu PIB, para ficarmos apenas em alguns casos. Números que demonstram o gigantismo do judiciário no Brasil, comparando-se com outras sociedades.
Outro exemplo gritante é o pagamento mensal automático de um adicional de mais de 4 mil reais de auxilio moradia para todos os magistrados brasileiros. Este valor é pago a parte do seus salários e é garantido independentemente de o magistrado ter ou não imóvel próprio na cidade onde trabalha. Além disso, essa verba não está sujeita ao IR e a contribuição previdenciária. Possivelmente muitos dos que lerão este texto não ganham este valor do benefício nem como ordenado, que dirá como "penduricalho" ao salário. Para a "casta" dos privilegiados do judiciário, isso não lhes causa nenhum problema de ordem moral.
O auxílio-moradia, no entanto, é apenas a ponta do iceberg dos privilégios.
Recentemente uma reportagem da revista Época (1) mostrou que juízes estaduais e promotores dos Ministérios Públicos dos estados criam todo tipo de subterfúgio para ganhar mais do que determina a Constituição. Hoje o teto é de R$33.763, mas os juízes e promotores engordam seus contracheques com ao menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas, ajudas de custo. Na teoria, os salários – chamados de subsídios básicos – das duas categorias variam de R$ 22 mil a R$ 30 mil. Os salários reais deles, no entanto, avançam o teto pela soma de gratificações, remunerações temporárias, verbas retroativas, vantagens, abonos de permanência e benefícios concedidos pelos próprios órgãos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram facilmente como regalias.
Pelo levantamento, a média de rendimentos de juízes e desembargadores nos estados é de R$ 41.802 mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos MPs, recebem também, em média, R$ 53.971. Fura-se o teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários públicos mais bem pagos do Brasil. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil. O maior é de R$ 126 mil.
Além das verbas regulares muito acima da média de qualquer servidor público ou trabalhador da iniciativa privada, outra forma de angariar benesses se dá através de decisões indenizatórias nebulosas entre seus pares. O caso mais ostensivo é o do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país. Ali, 29 dos 352 desembargadores receberam mais de R$ 400 milhões em benefícios como férias atrasadas e gratificações. Apesar das pressões de colegas que não participaram do banquete, até agora não há explicação convincente para a distribuição de tais regalias.
Outro problema crônico do judiciário brasileiro, que nos permite afirmar que temos uma casta de privilegiados que dominam por completo esta estrutura é a prática corrente de nepotismos e compadrios na ocupação dos espaços, que formalmente deveriam ser públicos. Um exemplo desta situação pode se verificar no Rio de Janeiro, segundo o jornal Folha de S.Paulo, 16% dos integrantes do Judiciário no estado do Rio são parentes de outros membros desse poder. (2) Esta situação seguramente se reproduz em maior ou menor grau nos outros estados.
Outra questão polêmica e poucas vezes enfrentada, no âmbito da magistratura, é a venda de decisões e sentenças, as primeiras via liberação de indenizações milionárias por liminar ou tutela antecipada, principalmente contra bancos e empresas grandes. Sem uma fiscalização, contando com um forte corporativismo que acoberta toda e qualquer investigação sobre questões neste campo, o tema é tratado como inexistente, mesmo havendo inúmeros casos em que pesem tais suspeitas.
Esta total ausência de transparência junto a sociedade, converteu a carreira jurídica num verdadeiro eldorado para aqueles que buscam ganhos volumosos, criando-se uma verdadeira industria em seu entorno. Exemplo disto é a proliferação das faculdades de Direito no Brasil, que representam uma garantia de altos salários. Em 2010, o então conselheiro do CNJ Jefferson Kravchychyn descobriu que o país tinha mais cursos de Direito (1.240) do que todo o resto do planeta junto (1.100). O bacharel em Direito tem o maior rendimento por hora entre todos os trabalhadores com curso superior, segundo pesquisa de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Infelizmente, a atual conjuntura política brasileira não nos permite vislumbrar mudanças neste cenário. Desejo, no entanto, estar enganado...
(1) Juízes estaduais e promotores: eles ganham 23 vezes mais do que você: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/juizes-estaduais-e-promotores-eles-ganham-23-vezes-mais-do-que-voce.html
(2) Magistrados emplacam parentes no TJ-RJ: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/04/1266496-magistrados-emplacam-parentes-no-tj-rj.shtml
no: http://www.blogdosuldomundo.net/2016/04/a-caixa-preta-dos-privilegios-do.html#more
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