sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

DÚVIDA HAMLETIANA NO REVEILLON: DEVEMOS ENTRAR EM 2017 COM OTIMISMO OU PESSIMISMO?


"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
em nosso espírito sofrer pedras e flechas
com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
ou insurgir-nos contra um mar de provocações
e em luta pôr-lhes fim?" (William Shakespeare)

"A ambição universal do homem 
é colher o que não plantou"
(Adam Smith, economista clássico)
Dizem que o otimista é um crente da esperança, e que o pessimista o é da desesperança. Ambos têm visões distorcidas da realidade. Diz-se que, quando veem um copo com água pela metade, os otimistas afirmam estar meio cheio e os pessimistas, meio vazio. As visões de ambos estão parcialmente corretas, e este é o problema: a parcialidade.

Os críticos da vida mercantil no atual estágio de degringola mundial, bem como os defensores da dita cuja, não deveriam fundamentar as suas críticas ou defesas em visões parciais, fruto de suas crenças ou desejos, nem mesmo como ilações dos fatos sociais imediatos (os falsos milagres brasileiros que o digam), mas analisarmos as questões estruturais que estão subjacentes a esses fatos. 

Os músicos do Titanic que continuavam a tocar enquanto o navio afundava, tinham uma visão de estabilidade momentânea, mas numa realidade de tragédia iminente. 

Nestes dias de Natal, nos quais comumente nos reunimos com familiares e amigos, nós costumamos ouvir análises e visões diferenciadas sobre os mesmos fatos sociais, e encontramos sempre os otimistas e pessimistas quanto ao ano de 2017. 

Mas, o que devemos mesmo esperar de 2017, independentemente de sermos otimistas ou pessimistas?

As causas que estão determinando as dificuldades sociais mundo afora, vêm sendo atacadas com medicamentos que se constituem em antitérmicos que podem debelar a febre em alguns organismos, mas não são capazes de anular a infecção. Daí, em termos de perspectivas para 2017, não podermos acreditar que os problemas venham a ser resolvidos, pois inexiste uma perspectiva de extirparem-se as causas determinantes da debacle social mundial. 

Não é uma questão de ser pessimista ou otimista, mas de observarmos que os remédios utilizados estão contaminados pelo vírus causador da infecção. Quer-se utilizar mecanismos para o combate à crise do capitalismo que são imanentes ao próprio capitalismo num estágio de evolução dos modos de produção mercantil que atingiu o seu ponto de saturação. 

Os remédios usados são antitérmicos, e é urgente que pensemos em pró-bióticos da vida (ou antibióticos à exploração) capazes de extirpar a infecção, o que não é feito por inconsciência social dos servidores voluntários do sistema, cujo pensar está aprisionado pela lógica fetichista do sistema produtor de mercadorias.     

Tanto os otimistas como os pessimistas não conseguem raciocinar fora da lógica de mercado e, assim, as suas conclusões estão contaminadas por um erro original essencial, que os levarão a equívocos de avaliação, quaisquer que sejam elas. É que a base da lógica mercantil sobre a qual eles elaboram os seus otimismos ou pessimismos está equivocada.
.
AS PREVISÕES (DE ONTEM E HOJE) 
DO PIB BRASILEIRO PARA 2017
.
As agências de rating, como Standard Poor’s e outras, não foram capazes de prever o óbvio na crise dos subprime de 2008 nos Estados Unidos (financiamentos com hipotecas de imóveis avaliados fora da realidade dos custos de construção, graças à bolha especulativa do mercado imobiliário/creditício). 

Isto se deveu a dois fatores:

  • a crença ilusória de que o mercado pode crescer indefinidamente numa curva ascendente;
  • o comprometimento com o mercado financeiro no sentido de lhe emprestar credibilidade. 
Então, meses antes do estouro do sistema financeiro, ditas agências passavam batidas pela incapacidade de solvência das hipotecas e falta de liquidez do mercado imobiliário, que somente não levou o sistema financeiro mundial à bancarrota graças ao socorro financeiro estatal com base em moeda sem lastro e títulos da dívida pública, cujos efeitos colaterais ainda estão renitentemente presentes.      

Tudo no sistema financeiro é um cassino no qual os castelos de cartas tendem a desabar a qualquer momento, principalmente agora, quando um dono de cassino se torna presidente dameca do capitalismo. 

As previsões do PIB brasileiro do primeiro momento do governo do presidente Temerárioforam igualmente inconsistentes. 

Os bancos e consultorias se apressaram em crer, sem nenhuma base científica, fiando-se no otimismo e na confiança dos seus pares no governo, que o ano de 2017 seria substancialmente diferente de 2016. Até mesmo para 2016 já previam certa recuperação com melhora dos números do PIB brasileiro.

O banco Itaú elevou a perspectiva de crescimento do PIB de 2017 de 0,3% para 1,0%, afirmando que o desencalhe da produção industrial promoveria tal crescimento. O que se viu foi o aumento da contínua queda da produção industrial, que no último trimestre ficou em -0,8%, após sete quedas trimestrais consecutivas.

O BNP, por meio do seu economista chefe Marcelo Carvalho, apostou num crescimento do PIB de 2017 em 2,0%, arguindo que “a combinação de política fiscal e monetária mais saudável pode impulsionar o sentimento do mercado e estimular a confiança local, abrindo caminho para uma recuperação do crescimento”. 

Na consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro apostou num crescimento de 2017 de 1,2%; e a MB Associados também embarcou na onda do viés de crescimento. 

Até o FMI fez coro, ainda que menos otimista: sua presidente Christine Lagarde afirmou que há uma previsão de crescimento de 0,5% do PIB brasileiro para 2017. 

Entretanto, a realidade, que não costuma conviver com palpites otimistas de quem aposta na perenidade do capitalismo, contraria as estatísticas dos organismos financeiros e institucionais. O pior é que a realidade impõe o desespero àqueles que estão na base da pirâmide social como resultado da inconsistência de um sistema que atingiu o seu limite interno de expansão.

Não sou otimista, nem tampouco pessimista, pois prefiro fincar os meus pés e pensamentos na simplicidade do raciocínio de que podemos construir um mundo melhor, tanto do ponto de vista do suprimento das necessidades materiais, como dos valores verdadeiramente humanos.

Tais sentimentos e construções não podem advir de um modo concorrencial de vida, no qual todos sejam adversários de todos, mas sim de um agir e pensar solidário, no qual o meu semelhante seja fonte de nossas mútuas redenções. 

(por Dalton Rosadohttps://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/duvida-hamletiana-no-reveillon-devemos.html

ASSIM FALOU O HOROSCOPISTA ACIDENTAL


"O ano de 2017 vai enriquecer a sua personalidade. Você terá mais força, mais persistência e mais equilíbrio. Um bom ano para encontrar a paz interior. Até setembro haverá grande necessidade de autoaperfeiçoamento no plano global e um aumento de consciência coletiva. Muitos de nós vamos nos conseguir fazer entender, reivindicar e abrir uma nova era."
(horóscopo pinçado na web: espertalhões
falam sempre o que os otários querem ouvir)
Ano novo, esperançosa temporada de se buscar novos e floridos caminhos.

Sucede que, desde que pela primeira vez senti cheiro das donzelas, em inacreditáveis verdes anos, venho empregando um procedimento científico para ver como são agora as amazonas de tal ou qual signo, em relação ao meu. 

Sempre fiz questão de combinar com elas. Pois não é uma vereda cheia de flores? Hoje, empoeirado pelo chão desértico de tantos atalhos explorados, acabei por concluir: quem ama e pensa, não ama, pensa. 

O procedimento científico que usei é a perseverante observação, complementada pela comparação, indução e dedução. 

Ridículo. Homem de sucesso com as mulheres é aquele alto, topetão, voz de trovão, de formas agradáveis, proporções harmônicas, graça exemplar da evolução das espécies, de Charles Darwin.

Então. Antes de começar namoro, os da minha espécie inferior se defendiam esquadrinhando os signos. 

Meu bondoso e paciente pai me disse que ele poderia ficar pirado um dia, neste mundo qualquer um está sujeito; mas não seria fazendo essa pesquisa, desde os verdes anos até os maduros. 

Pior era um amigo meu, da Mooca, darwiniano legítimo, verdade, cara do ator italiano Marcello Mastroianni melhorado. Ele contava piadas para as namoradas e quando a eleita do seu coração abria a boca para rir, se exibisse um resquício de cárie anti-darwiniana no mais longínquo molar, o namoro não engatilhava.    

Então. É a evolução das espécies, ora.

Curiosamente, nas minhas observações, via uma mulher de tal ou qual signo, virtuosa, e uma outra, do mesmo signo, nem tanto. Via um colega sacerdote de um signo e outro, do mesmo signo, com problemas com a polícia. Um violento de um signo e outro um carneirinho do mesmo signo. Alguns com muita sorte de um signo e outros do mesmo signo, nem tanto. 

Conclusão científica: o signo não tem nada a ver com o caráter nem com a lei das probabilidades de bem suceder. Deve ter algo a ver com o humor.

Minhas observações mostram, sim, que o signo não pode determinar o caráter de alguém. Se não, vejamos. 
Acredite quem quiser...
Deduções: o destruidor de vidas Hitler era de Áries. Alma doce, mundialmente querido, Charles Chaplin, um dos maiores críticos do próprio Hitler, também era de Áries. Este que vos aborrece escrevendo estas mal traçadas linhas, igualmente é de Áries. Desato a soluçar até em inauguração de posto de gasolina.

Dizer que, por carregar nas costas tal ou qual signo, alguém é bondoso ou mau, líder ou liderado, honesto ou desonesto, que pode viajar de avião ou não pode, que deve ser prudente ao volante, que está sujeito a gripe, que vai receber uma carta, que precisa ficar calmo, resistir às tentações e que terá negócios fáceis com Júpiter na triangulação, mas precisa cuidar da alimentação, é dose. Tomada de cena: sorrisinho crítico de quem ouve falar nessas coisas.

No entanto, minhas honradas investigações me levaram a uma conclusão muito séria. Trata-se mais de uma percepção e isto não se explica cientificamente.Tenho a minha percepção e vocês têm as suas. 
Vejam bem: somos influenciados por tudo o que nos cerca, palavras, atitudes, o berro no ouvido, as belezas naturais, a cruel força bruta, os humanos bondosos por natureza, o céu bordado de estrelas, a água transparente do mar, o furacão, o regato, essa lindeza de águas límpidas a descer cambaleando pelas matas como louco, qual bêbado deixando o bar de madrugada.

Quando faz sol, temos um humor. Quando não faz, outro. Quando é lua cheia, um. Quando não, outro. Vivemos ou não hipnotizados por tudo o que nos cerca? Nosso humor não estaria condicionado a tais forças, esses enormes globos flutuando no cosmo, girando, afastando-se, aproximando-se? Não estaria o nosso humor influenciado pela criação ao nosso redor? 

Então. As almas que nascem sob determinadas influências, em tal ou qual momento, com tal e qual lua, com tal e qual planeta, não seriam, talvez, possuidoras de tal ou qual fluído, uma energia, uma atmosfera (achei!) que pode ou não combinar com as das outras pessoas? Não é complicado.

Então. As atmosferas se entrechocariam ou se afinariam, dando bom casamento ou não, boas amizades ou não, relações comerciais ricas ou não. Mas daí a dizer, como ouvi de um amigo, que por ser de tal signo tinha direito a sete mulheres, é o fim do mundo, embora um aprazível fim do mundo. O que o astrólogo dizia é que no planeta Terra existe uma proporção de sete mulheres para cada homem, e desta bênção não se pode reclamar.

Então. Minha brincalhona pesquisa revela que, se uma pessoa pôs tanta amargura em teu pobre coração, estimado leitor, ou leitora, sejam quais forem os seus signos, as suas atmosferas não se casaram. O certo, então, seria cada um procurar a suaatmosfera gêmea, ou trigêmea, pouco importa, sem se amargurar.

Quanto ao meu signo, nas minhas observações de décadas, constatei que num ponto os horoscopistas parecem ter alguma razão: eles dizem que Áries combina com Aquário, Sagitário e Leão.  Destes três, para mim, tem sido melhor Leão. No entanto, já ouvi mulher de Leão dizer que detesta Áries. Durma com um barulho desses.

Com mulher de Leão, eu sou mais eu, embora já tenha combinado, e bem, e as pesquisas não explicam, com Aquário, Áries, Gêmeos, Capricórnio, Câncer, Libra, Touro. Com todos os signos. 

E com que excelência coexisto com a doce mulher de Touro! Quer saber mais? Sabe aquele olhar estonteante, aqueles lábios de seda? Essa hipnótica expressão do rosto feminino acaba com a minha pesquisa, essa é que é a verdade. Mas que signo!

Estas questões não devem preocupá-los, amáveis leitores e leitoras, sejam vocês de tal ou qual signo. Com a Lua minguante em sextil a Júpiter e Saturno, nada a temer em 2017.  

Mas, ouçam os astros! Eles, os astros, estão certos em recomendar cautela ao manobrar o carro em ruas movimentadas e ficar esperto ao atravessar a Radial Leste. 
(por Apollo Natali)
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/divagacoes-de-um-horoscopista-acidental.html

BALANÇO DE 2016: A PERDA FOI TOTAL E TEMOS DE RENASCER DAS CINZAS!

Sinceramente, eu gostaria de poder oferecer-lhes previsões otimistas para 2017,  mas há algo no meu caráter que me obriga a dizer sempre as verdades desagradáveis, em vez de semear ilusões convenientes. Lamento.

Sinto-me como o grande Sérgio Ricardo, que, no auge da ditadura militar, se desculpava: "Ai, a grande tormenta roubou / os versos que eu tinha pra lhe dizer / e, por mais que eu procure buscar / palavras perdidas no ar, / vem a onda pra me impedir / de rimar".
.
.
E o pior é que, desta vez, nem sequer estamos manietados pela força bruta, mas sim colhendo os frutos dos erros terríveis que cometemos após sairmos da ditadura militar com aura de heroísmo e martírio, passando então a dilapidar insensivelmente o patrimônio moral acumulado à custa do sacrifício de tantos companheiros inesquecíveis e imprescindíveis. 

E, como tivemos responsabilidade imensa na virada da maré contra nós, agora é nosso dever combatermos com todas as forças a arrebentação dessa nova onda direitista que se abate sobre o planeta.
Quem seriam os líderes hoje? 
A recessão brasileira perdurará ao longo do próximo semestre e, na melhor das hipóteses, a coisa começará a melhorar, timidamente, após as férias escolares. Como já temos mais de 12 milhões de desempregados, a situação é dramática ao extremo.

Meio mandato presidencial findo, a possibilidade de realização de eleições direitas em 2017 –seja visando escolher alguém para concluir o mandato de Dilma/Temer, seja antecipando o pleito de 2018– é de operacionalização dificílima. 

Canso de lembrar que os brasileiros, em 1984, estavam há 23 anos sem eleger presidente da República, enquanto hoje vêm de eleger há dois anos uma presidente desastrosa. E que a esquerda então estava renascendo e hoje se encontra no fundo do poço. 

Daí serem quiméricas as esperanças de que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal facilitem as coisas para a viabilização de uma solução heterodoxa e nada leva a crer que teriam as ruas a pressioná-los com um clamor tão contundente quanto o de 1984 (o qual, mesmo assim, foi ignorado!).

Segundo a letra da Constituição, se Michel Temer tiver por qualquer motivo de abandonar o governo a partir do primeiro minuto de 2017, os 594 senadores e deputados federais é que escolherão seu substituto, para cumprir o restante do mandato atual. 

Trata-se de uma situação do tipose correr o bicho pega, se ficar o bicho come. E, ainda recorrendo aos velhos chavões, podemos dizer que a direita estácom a faca e o queijo nas mãos. podendo tanto manter Temer quanto trocá-lo por algum tucano utilizando os préstimos do TSE e do Congresso.

Não quero, contudo, encerrar este texto de forma tão depressiva. Como revolucionário, apostarei sempre na chance que os homens têm de mudar o rumo dos acontecimentos, mesmo quando a correlação de forças é das mais adversas. 

O voluntarismo, contudo, tem limites. Então, depois de uma derrota tão acachapante como a de 2016 (em muitos aspectos pior ainda que a de 1964!), insistir no mais do mesmo só levará a esquerda a maximizar seus prejuízos, marchando para a irrelevância.

Precisa fazer a autocrítica da qual foge há sete meses, identificando os erros estratégicos e táticos cometidos, abandonando as definições que não passaram pelo teste da prática, assumindo posturas bem diferentes e escolhendo novas lideranças para substituir as que se descredenciaram fragorosamente.

Lembro-me de minha meninice, quando assistia aos teipes das partidas da Seleção Brasileira no Mundial de 1962 e ficava curioso sobre uma frase que aparecia com destaque no placar do estádio de Viña del Mar: "¡Porque nada tenemos, lo haremos todo!". 

Soube depois que um terremoto destruíra parte considerável da infra-estrutura chilena para a realização da Copa, mas o país resistiu a todas as pressões para desistir, dispondo-se a reconstruir tudo nos 25 meses que faltavam. A bela frase de um dirigente esportivo tornou-se o lema da titânica mobilização dos andinos, que acabaram as obras no próprio dia do pontapé inicial...

É como a esquerda precisa assumir que está neste momento: nada lhe restou de aproveitável e precisa reconstruir tudo.

Se o fizer, poderá, sim, dar a volta por cima, em médio prazo. 

Mas, só vai ter futuro reassumindo-se como força revolucionária, pois as contradições do capitalismo estão conduzindo a um momento decisivo na história da humanidade, que poderá ser tanto a superação de um sistema totalmente exaurido enquanto motor do progresso e da felicidade humana, quanto a própria extinção da nossa espécie. 

O certo é que os tempos do populismo e do reformismo terminaram definitivamente, sem deixar saudades. 

E que, para cumprir tanto nosso como seres humanos quanto o compromisso que temos com relação aos pósteros, precisamos fazer muito mais do que fizemos até agora.

Começando por renascer das cinzas, a exortação do poeta Ednardo que adoto como minha mensagem final.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A dialética da conciliação de classe ou como destruir uma base de massas





Um partido de origem popular e operária se consolida no Brasil nos anos 80. Esse partido, o Partido dos Trabalhadores, aposta na mobilização de massa (greves, passeatas, protestos, ocupações de órgãos públicos, etc.) como forma de tornar seu projeto o hegemônico no seio das classes exploradas e lograr ocupar o maior número possível de cargos no aparato do Estado acreditando ser possível democratizá-lo ao máximo até que ele seja um instrumento da transição socialista. 

Durante a trajetória política do PT, quando a institucionalidade passou a ser prioridade absoluta, o partido ostentava um diferencial que a maioria dos partidos burgueses não têm: uma adesão dos movimentos sociais, da classe trabalhadora organizada e das massas populares que representava seu diferencial na política. Enquanto o PSDB, PMDB ou DEM precisavam pagar pessoas como cabos-eleitorais na época da eleição o PT tinha milhares de seres humanos que se entregavam de corpo e alma àquele projeto sem precisar receber nada em troca. 

Quando o PT desistiu de revolucionar a sociedade, abandonou na prática a estratégia socialista (embora ainda mantenha formalmente em palavras) e passou a ter como principal objetivo tornar-se o partido da ordem dominante com um programa econômico socialdemocrata faz-se necessário conter, controlar e instrumentalizar ao máximo a mobilização de massas. Agora não é mais interessante, por exemplo, ter pressão na rua pela estatização dos transportes, pois modelos restritos de passe-livre, baixos aumentos (ou congelamentos parciais dos aumentos) e melhoras na frota já bastam. O PT passa a chamar o movimento de massas apenas em movimentos chaves, notadamente na eleição, e nos demais momentos procura paralisar ao máximo esse movimento; para lograr êxito nisso é indispensável um rebaixamento ideológico e programático sempre constante e avançando - primeiro o PT defendia o socialismo com democracia, depois fala mais de democracia que socialismo, depois fala de "revolução democrática" para depois vim o socialismo, depois não fala mais em socialismo e o mote é um crescimento econômico com desenvolvimento social e assim vai...

O ciclo do PT na presidência se notabilizou por não ter chamado UMA ÚNICA VEZ as massas populares para uma luta de rua para realizar o programa econômico que o partido defendeu nos anos 80 e parte dos anos 90. Diferentemente do bolivarianismo na Bolívia ou Venezuela, onde o governo é um pólo de aglutinação e fortalecimento dos movimentos sociais e da classe trabalhadora (com todos os limites e contradições), no Brasil os governos do PT não só procuram não promover a luta como freia-la cooptando lideranças para o aparelho do Estado e minando a radicalidade da própria base social do partido ("país de todos", "nova classe média", "ascensão pelo consumo", etc. foram estratégias ideológicas de rebaixamento da consciência de classe). O partido que tinha como diferencial sua base de massas vai progressivamente destruindo essa base de massas para ser gestor da burguesia oferecendo como principal qualidade sua capacidade de controlar os movimentos socais e a classe trabalhadora. Esse processo vai enfraquecendo a base de massas e reduzindo a margem de manobra do partido como operador da burguesia tornando-o um executor que modifica pouco o projeto da classe dominante; esse ciclo reduz progressivamente a já frágil base de massas que sofre com uma crise ideológica, ausência de novas lideranças, perda de adeptos, redução de apoio na sociedade, consolidação de práticas pelegas e cupulistas. 

O resultado final do processo é que quando a burguesia não precisa mais do ex-partido operário e popular e através de outras expressões políticas - os partidos de oposição - resolve tentar derrubar o PT, o partido não tendo mais com recorrer a uma base de massas que entrega corações e mentes ao projeto precisa desesperadamente fazer um acordo com o principal operador do Impedimento: Eduardo Cunha. Notem, quando Lula foi eleito tivemos uma das maiores expressões de massa da história recente do Brasil em sua posse. Na possível queda de Dilma não temos a classe trabalhadora nas ruas para defender seu mandato e mesmo os movimentos sociais ainda ligados ao governo, como o MST, não se sentem à vontade para essa missão. A dialética da conciliação de classe é implacável. Rosa Luxemburgo em seu clássico texto O Oportunismo e a Arte do Possível tinha alertado que: “as se nós começamos a perseguir o que é ‘possível’ de acordo com os princípios do oportunismo, sem nos preocupar com nossos próprios princípios, e por meios de troca como fazem os estadistas, então nós iremos logo nos encontrar na mesma situação que o caçador que não só falhou em matar o veado, mas também perdeu sua arma no processo.” Sim, o PT perdeu sua principal arma!

DÚVIDA HAMLETIANA NO REVEILLON: DEVEMOS ENTRAR EM 2017 COM OTIMISMO OU PESSIMISMO?


"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
em nosso espírito sofrer pedras e flechas
com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
ou insurgir-nos contra um mar de provocações
e em luta pôr-lhes fim?" (William Shakespeare)

"A ambição universal do homem 
é colher o que não plantou"
(Adam Smith, economista clássico)
Dizem que o otimista é um crente da esperança, e que o pessimista o é da desesperança. Ambos têm visões distorcidas da realidade. Diz-se que, quando veem um copo com água pela metade, os otimistas afirmam estar meio cheio e os pessimistas, meio vazio. As visões de ambos estão parcialmente corretas, e este é o problema: a parcialidade.

Os críticos da vida mercantil no atual estágio de degringola mundial, bem como os defensores da dita cuja, não deveriam fundamentar as suas críticas ou defesas em visões parciais, fruto de suas crenças ou desejos, nem mesmo como ilações dos fatos sociais imediatos (os falsos milagres brasileiros que o digam), mas analisarmos as questões estruturais que estão subjacentes a esses fatos. 

Os músicos do Titanic que continuavam a tocar enquanto o navio afundava, tinham uma visão de estabilidade momentânea, mas numa realidade de tragédia iminente. 

Nestes dias de Natal, nos quais comumente nos reunimos com familiares e amigos, nós costumamos ouvir análises e visões diferenciadas sobre os mesmos fatos sociais, e encontramos sempre os otimistas e pessimistas quanto ao ano de 2017. 

Mas, o que devemos mesmo esperar de 2017, independentemente de sermos otimistas ou pessimistas?

As causas que estão determinando as dificuldades sociais mundo afora, vêm sendo atacadas com medicamentos que se constituem em antitérmicos que podem debelar a febre em alguns organismos, mas não são capazes de anular a infecção. Daí, em termos de perspectivas para 2017, não podermos acreditar que os problemas venham a ser resolvidos, pois inexiste uma perspectiva de extirparem-se as causas determinantes da debacle social mundial. 

Não é uma questão de ser pessimista ou otimista, mas de observarmos que os remédios utilizados estão contaminados pelo vírus causador da infecção. Quer-se utilizar mecanismos para o combate à crise do capitalismo que são imanentes ao próprio capitalismo num estágio de evolução dos modos de produção mercantil que atingiu o seu ponto de saturação. 

Os remédios usados são antitérmicos, e é urgente que pensemos em pró-bióticos da vida (ou antibióticos à exploração) capazes de extirpar a infecção, o que não é feito por inconsciência social dos servidores voluntários do sistema, cujo pensar está aprisionado pela lógica fetichista do sistema produtor de mercadorias.     

Tanto os otimistas como os pessimistas não conseguem raciocinar fora da lógica de mercado e, assim, as suas conclusões estão contaminadas por um erro original essencial, que os levarão a equívocos de avaliação, quaisquer que sejam elas. É que a base da lógica mercantil sobre a qual eles elaboram os seus otimismos ou pessimismos está equivocada.
.
AS PREVISÕES (DE ONTEM E HOJE) 
DO PIB BRASILEIRO PARA 2017
.
As agências de rating, como Standard Poor’s e outras, não foram capazes de prever o óbvio na crise dos subprime de 2008 nos Estados Unidos (financiamentos com hipotecas de imóveis avaliados fora da realidade dos custos de construção, graças à bolha especulativa do mercado imobiliário/creditício). 

Isto se deveu a dois fatores:

  • a crença ilusória de que o mercado pode crescer indefinidamente numa curva ascendente;
  • o comprometimento com o mercado financeiro no sentido de lhe emprestar credibilidade. 
Então, meses antes do estouro do sistema financeiro, ditas agências passavam batidas pela incapacidade de solvência das hipotecas e falta de liquidez do mercado imobiliário, que somente não levou o sistema financeiro mundial à bancarrota graças ao socorro financeiro estatal com base em moeda sem lastro e títulos da dívida pública, cujos efeitos colaterais ainda estão renitentemente presentes.      

Tudo no sistema financeiro é um cassino no qual os castelos de cartas tendem a desabar a qualquer momento, principalmente agora, quando um dono de cassino se torna presidente dameca do capitalismo. 

As previsões do PIB brasileiro do primeiro momento do governo do presidente Temerárioforam igualmente inconsistentes. 

Os bancos e consultorias se apressaram em crer, sem nenhuma base científica, fiando-se no otimismo e na confiança dos seus pares no governo, que o ano de 2017 seria substancialmente diferente de 2016. Até mesmo para 2016 já previam certa recuperação com melhora dos números do PIB brasileiro.

O banco Itaú elevou a perspectiva de crescimento do PIB de 2017 de 0,3% para 1,0%, afirmando que o desencalhe da produção industrial promoveria tal crescimento. O que se viu foi o aumento da contínua queda da produção industrial, que no último trimestre ficou em -0,8%, após sete quedas trimestrais consecutivas.

O BNP, por meio do seu economista chefe Marcelo Carvalho, apostou num crescimento do PIB de 2017 em 2,0%, arguindo que “a combinação de política fiscal e monetária mais saudável pode impulsionar o sentimento do mercado e estimular a confiança local, abrindo caminho para uma recuperação do crescimento”. 

Na consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro apostou num crescimento de 2017 de 1,2%; e a MB Associados também embarcou na onda do viés de crescimento. 

Até o FMI fez coro, ainda que menos otimista: sua presidente Christine Lagarde afirmou que há uma previsão de crescimento de 0,5% do PIB brasileiro para 2017. 

Entretanto, a realidade, que não costuma conviver com palpites otimistas de quem aposta na perenidade do capitalismo, contraria as estatísticas dos organismos financeiros e institucionais. O pior é que a realidade impõe o desespero àqueles que estão na base da pirâmide social como resultado da inconsistência de um sistema que atingiu o seu limite interno de expansão.

Não sou otimista, nem tampouco pessimista, pois prefiro fincar os meus pés e pensamentos na simplicidade do raciocínio de que podemos construir um mundo melhor, tanto do ponto de vista do suprimento das necessidades materiais, como dos valores verdadeiramente humanos.

Tais sentimentos e construções não podem advir de um modo concorrencial de vida, no qual todos sejam adversários de todos, mas sim de um agir e pensar solidário, no qual o meu semelhante seja fonte de nossas mútuas redenções.

 (por Dalton Rosado) - https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/duvida-hamletiana-no-reveillon-devemos.html

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A revolta das elites brasileiras contra a redução das desigualdades



Pobreza_riqueza.jpg
Com Temer no poder, país retoma políticas econômicas e sociais que aprofundam desigualdades entre brasileiros
A receita para a redução da desigualdade no capitalismo industrial pode ser sintetizado por três componentes principais. Especialmente a partir do final da segunda grande Guerra Mundial (1939 – 1945), os países industrializados convergiram para a constituição (1) do fundo público ampliado assentado na tributação progressiva, (2) do Estado de bem estar social de cobertura universal e (3) da regulação da relação entre o capital e o trabalho concomitantemente com o estabelecimento do pleno emprego.
Para a ampliação do fundo público, a concentração da tributação sobre os rendimentos da propriedade (juros, lucros, aluguéis e renda da terra) se destacou, aliviando a arrecadação na base da pirâmide social, especialmente sobre os assalariados. O importo de renda, de herança e de riqueza foram os principais instrumentos tributários a contribuir não apenas com a ampliação da receita pública, mas com o efeito corretivo sobre os segmentos dos maiores rendimentos na sociedade.
No caso do Estado de bem estar social coube superar, inicialmente, o antigo Estado mínimo comprometido com apenas as funções de monopólio da tributação, da violência (ação policial e justiça) e da moeda. Assim, a sua constituição representou a universalização da seguridade social, com a garantia dos serviços públicos de boa qualidade (educação, saúde, transporte, saneamento, entre outros) e transferência de renda aos segmentos sociais, especialmente aos pauperizados da população.
Por fim, a regulação das relações entre o capital e o trabalho permitiu que o pleno emprego se realizasse, com o valor do salário mínimo acompanhando os ganhos reais de produtividade. Também a difusão dos contratos coletivos de trabalho pela atuação dos sindicatos favoreceu a proteção dos trabalhadores mais vulneráveis, cuja conquista da estabilidade no emprego foi perseguida pelo repasse da produtividade aos salários.
No Brasil, todavia, a receita de combate à desigualdade terminou ficando no segundo plano. Somente no período democrático iniciado em 1985, que o conjunto de ações mais efetivas terminou sendo aplicadas.
A começar pela Constituição Federal de 1988, responsável por estabelecer as bases do Estado de bem estar social. Com isso, o gasto social que equivalia a 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1985, saltou para 23,4% do PIB no ano de 2014.
Do ponto de vista do combate à desigualdade, os avanços tributários foram praticamente inexistentes, uma vez que a carga do Estado seguiu concentrada na base da pirâmide social brasileira. Os principais tributos em termos de arrecadação do Estado assentam-se no consumo, sendo aqueles mais regressivos possíveis, o que significa dizer que a ampliação do Estado de bem estar social foi financiado pela maior carga tributária paga pelos pobres, não os ricos.
Para a relação entre o capital e trabalho, o salário mínimo se mostrou essencial, especialmente nos anos 2000, com valores reais crescendo acima da média salarial do país. Assim, não apenas os trabalhadores ativos foram favorecidos, como também os inativos beneficiados pela seguridade social.
Tudo isso, contudo, sofre atualmente um revés inquestionável. A elite do país terminou se rebelando contra o modelo de combate à desigualdade social presenciado somente mais recentemente no Brasil.
O governo Temer, porta voz dos interesses da elite revoltada, deságua um conjunto de reformas neoliberais que torna cada vez mais desigual a situação do conjunto dos brasileiros. A classe trabalhadora termina sendo a mais atingida, com o desemprego em alta, o rebaixamento dos salários, o corte nos gastos públicos, especialmente o social, e o fim da previdência social tal como até então se conhecia.
Marcio Pochmann* - Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2016/12/a-revolta-das-elites-contra-a-reducao-das-desigualdades-9184.html