Luciano Alvarenga
O desdobramento de mais um capítulo do julgamento do mensalão e, portanto, o adiamento para mais adiante daquilo que uma parte significativa da sociedade brasileira queria agora, isto é, a prisão, o achincalhe, as algemas, os camburões e, tudo, evidentemente, registrado pela imprensa nacional, evidencia mais uma vez uma marca profunda do caráter nacional, ou pelo menos dessa classe em especial, o ódio e o ressentimento.
A questão a muito deixou de ser justiça, isto é, que se julgue e que os culpados - caso assim sejam considerados - paguem de acordo com a lei e, se transformou numa catarse em que aquela parte da sociedade quer se ver redimida de sua passividade. De acordo com a psicanalista Maria Rita Kehl, passividade e vitimização são as marcas do ressentido.
Incapaz que foi, nas últimas décadas, de dar curso as suas demandas via os canais institucionais e políticos da democracia (seja passivamente abandonando o espaço público, ou ativamente apoiando o neoliberalismo selvagem da década de 1990), a classe média tradicional brasileira refugiou-se o quanto pode nos bunkers de uma vida toda ela privatizada, cada vez mais cara, menos segura, imprevisível e cada vez mais impagável.
A ascensão do PT ao centro do poder político em 2002, catapultado também pela bandeira da ética na política, reascendeu todos os motores da patrulha moral adormecida na classe média. Tendo em vista que o próprio PT fez a patrulha de todos os partidos até então, passou a ser, a partir daquele momento, o vigiado. O elemento extraordinário não era, nesse sentido, a eleição do PT à presidência, que naquele momento já estava bastante domesticado e amestrado aos poderosos intere$$es do capital financeiro; o tsunami se deu com o escândalo do mensalão e, o fenômeno de ódio e ressentimento veio à tona com força, na classe média.
Existe certamente um ódio de classe contra esse partido (O Mensalão e ingenuidade do PT); o PT é o partido que emergiu debaixo, somatório das forças sociais engendradas nos anos 1970. Aqui é que se entende melhor o ódio e o ressentimento contra o partido dos trabalhadores: além de estar onde nunca deveria, no cume do poder, tornou-se sinônimo de enriquecimento, vitória social, e seus baluartes andam pelos salões do poder enquanto a classe média tradicional viu a si mesma empobrecer, perder poder, e tônus político. Enquanto o PT, e tudo o que ele passou a representar, emergia, a classe media submergia.
O chamado mensalão, para além dos veredictos, expõem a apatia e passividade da classe média. É, segundo o seu olhar, os pobres que se deram bem, os corretos e éticos que lhe passaram a perna, enquanto ela, classe média, afunda em impostos, paga uma vida privatizada cada vez mais cara e vive sempre e, mais e mais, num mundo em que não possui nenhum controle de classe. O ressentimento é o sentimento daquele que não sendo sujeito dos próprios desejos e intenções fica a esperar que o pai, o bispo, ou seja lá quem de autoridade, faça por ele o que ele não consegue, não quer fazer. Como seu último discurso forte e concatenado foi o neoliberalismo selvagem dos anos 1990, e ela mesma, por miopia, tornou-se o principal alvo da selvageria, ficou então órfã, sem ação e incapaz de agir para além do ressentimento, quando muito, ódio.
O mensalão soa à classe média como uma trapaça no jogo; num jogo em que ela sente que perde cada vez mais. Na verdade o que lhe espaça é o fato de que a corrupção política, os desmandos do poder, a precariedade das instituições, o esgarçamento do tecido social onde ela está inserida, tudo isso e, tudo o mais que perfaz a vida do país é resultado do fato de que ela, classe média, esgueirou-se num processo de infantilização social em que ela não se sente responsável por nada - ela compra e paga e os problemas sociais é culpa de outrem; sendo, portanto, todos os problemas, inclusive os seus, resultado de um pai mal que não lhe atende nem lhe resolve a vida. Com a agravante de que este pai mal é bastardo (PT).
O ressentimento, assim, é fruto da passividade e vitimização de si mesma que marca a classe média. Mas o ódio é fruto do sentimento de que alguém, ou grupo, que não ela, está se dando bem. É o ódio de ver outrem (ens) nos píncaros da glória quando deveria, ela sim, por direito e destino de classe, lá estar. É um acinte os índices de aprovação do governo; uma ofensa pessoal o Lula ter virado um mito entre a população de menor renda e a principal liderança política do país. O ódio visto neste último capítulo do mensalão (embargos infringentes) significa mais a vingança que se quer impor ao adversário que ela não consegue enfrentar no campo legítimo do jogo político, do que propriamente o desejo de justiça e punição por corrupções praticadas.
O ódio expressa o fato que os plebeus fazem o que por direito divino apenas os nobres poderiam. O problema não é o mensalão, se fosse, ela estaria indignada com todas as outras modalidades de mensalão espalhadas pelo país, inclusive o do PSDB de Minas Gerais, ou mesmo, com o propinoduto tucano no metrô de São Paulo. O ódio é pelo fato de que apenas alguns, os escolhidos pela sorte da pertença de classe, estão autorizados a roubar. O PT não pode roubar por que não tem berço. Lembremos-nos como eram tratados por seus senhores, escravos fugidos, ladrões e beberrões.
Quando Lula disse em 2005 na Inglaterra: “o PT fez o que todos fazem”, ele desconsiderava o fato de que o PT não possui prerrogativa de classe. E isso a classe média não aceita, mas também não saber fazer outra coisa. Luciano Alvarenga
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