quinta-feira, 4 de abril de 2013

Bondades da casa-grande



Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa
 
Os principais jornais do país destacam, nas edições de quarta-feira (3/4), a promulgação da proposta de emenda constitucional que assegura aos empregados domésticos 17 novos direitos, equiparando-os aos regimes dos trabalhadores em empresas. A solenidade no Congresso Nacional durou 50 minutos e contou com a presença de representantes do Executivo e do Judiciário, numa demonstração de que a República quer o evento bem marcado entre os fatos históricos deste início de século.

Faz todo sentido – como se sabe, nunca foi fácil arrancar algum da casa-grande. Justifica-se, portanto, o título que o Globo deu à reportagem sobre o assunto: “Mudança de hábitos”. O jornal carioca lembra que a extensão dos direitos trabalhistas a quem empresta sua mais-valia à intimidade das famílias acontece 25 anos depois de ter nascido a Constituição Cidadã de 1988, que modernizou a estrutura legal de proteção ao trabalho no Brasil.
Convém lembrar também os 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), iniciativa de Getúlio Vargas que normatizou os direitos trabalhistas básicos. Ainda que se tratasse realmente de um fato histórico e de uma iniciativa que moldou o sistema econômico no Brasil, a CLT foi recebida com reservas por parte da imprensa na época e sofreu ao longo dos anos muitas mutilações processuais, que hoje beneficiam os grandes fraudadores do direito trabalhista.”

Curiosamente, os dois grandes jornais paulistas tomaram na mesma quarta-feira decisões editoriais diferentes do Globo, que manteve o assunto em manchete apesar do grave acidente com um ônibus ocorrido no Rio de Janeiro, que naturalmente haveria de compor um dos assuntos principais do dia.
Seria leviano afirmar que a imprensa não se entusiasmou com a lei, não fossem os antecedentes registrados desde junho do ano passado, quando o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, entregou a proposta à presidente Dilma Rousseff. Entre as muitas restrições à iniciativa, publicadas desde então, registre-se a opinião da presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo (sim, existe): “As empregadas têm mais direitos que as outras categorias; já comem, bebem e dormem nas casas dos patrões”.
O Brasil arcaico
Os jornais de quarta-feira (3) deixam para trás as discussões sobre possíveis consequências da nova lei, adiantando que o Congresso Nacional vai propor a criação de um regime simplificado de tributações para os empregadores domésticos, nos moldes do sistema vigente para empresas de pequeno porte. A intenção é reduzir o peso das novas obrigações e diminuir a complexidade de medidas que se tornam obrigatórias, como o cálculo de horas-extras e o depósito no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Como boa parte dos novos direitos precisa de regulamentação, a aplicação completa das normas vai depender do Parlamento, o que pode manter o estado de confusão que seguiu a tramitação da proposta.
A rigor, a promulgação da lei assegura imediatamente apenas a jornada regulamentar de até 8 horas diárias e 44 semanais e a hora-extra remunerada. Seguro-desemprego, FGTS, adicional noturno, salário-família, assistência em creches e pré-escolas para filhos pequenos das empregadas e seguro-desemprego são detalhes que ainda precisam ser definidos em leis específicas.
Como poucas pessoas leem jornais por aqui, as tabelas e infográficos publicados pelos diários certamente serão recortadas, copiadas e presas com ímã nas portas das geladeiras, para prevenir queixas sobre direitos que ainda não entraram em vigor.
Embora ainda haja muitas dúvidas sobre o assunto, as apostas em um aumento das queixas na Justiça do Trabalho, que aparecem aqui e ali no noticiário, vão depender basicamente das relações já existentes em cada casa. A imprensa não tem um índice claro para o número de empregadas sem registro em carteira, que pode variar de 10% até 37%, e é nesse ponto que a lei vai provocar mais mudanças.
Quanto aos detalhes, ainda vai se passar algum tempo até que se torne de conhecimento comum o verdadeiro significado da lei. Basicamente, o Brasil arcaico vai seguir assombrando a modernidade, e não apenas nas relações do trabalho doméstico: em janeiro completaram-se nove anos dos assassinatos de três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho, que investigavam casos de escravidão em fazendas da região de Unaí (MG). O julgamento vem sendo adiado por chicanas de advogados e a imprensa esqueceu o assunto.

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