quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Supremo é pautado pela mídia e atropela Constituição - Coincidências em série no julgamento do ‘mensalão’ sugerem golpe da direita



A Constituição ignorada
Por Dalmo de Abreu Dallari 
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Leia o texto completo em Observatório da Imprensa

Extensão inconstitucional

Há um ponto em que a imprensa poderia promover um sério debate, com base numa questão jurídica fundamental: por meio da Ação Penal 470, estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, sem terem passado por instâncias inferiores, acusados que não tinham cargo público nem exerciam função pública quando participaram dos atos que deram base à propositura da ação pelo Ministério Público. Isso ficou absolutamente evidente no julgamento de acusados ligados ao Banco Rural, que, segundo a denúncia, sem terem cargo ou função no aparato público, interferiram para que recursos públicos favorecessem aqueles integrantes de um banco privado.

Essa questão foi suscitada, com muita precisão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, na fase inicial do julgamento. Entretanto, por motivos que não ficaram claros, a maioria dos ministros foi favorável à continuação do julgamento de todos os acusados pelo Supremo Tribunal. No entanto, a Constituição estabelece expressamente, no artigo 102, os únicos casos em que o acusado, por ser ocupante de cargo ou função pública de grande relevância, será julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal e não por alguma instância inferior.

No inciso I, dispõe-se, na letra “b”, que o Supremo Tribunal tem competência para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, “o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República”. Em seguida, na letra “c”, foi estabelecida a competência originária para processar e julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.

Como fica muito evidente, o Supremo Tribunal Federal não tem competência jurídica para julgar originariamente acusados que nem no momento da prática dos atos que deram base à denúncia nem agora ocuparam ou ocupam qualquer dos cargos ou funções enumerados no artigo 102.

Para que se perceba a gravidade dessa afronta à Constituição, esses acusados não gozam do que se tem chamado “foro privilegiado” e devem ser julgados por juízes de instâncias inferiores. E nesse caso terão o direito de recorrer a uma ou duas instâncias superiores, o que amplia muito sua possibilidade de defesa. Tendo-lhes sido negada essa possibilidade, poderão alegar, se forem condenados pelo Supremo Tribunal, que não lhes foi assegurada a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado. E poderão mesmo, com base nesse argumento, recorrer a uma Corte Internacional pedindo que o Brasil seja compelido a respeitar esse direito.

A imprensa, que no caso desse processo vem exigindo a condenação, não o julgamento imparcial e bem fundamentado, aplaudiu a extensão inconstitucional das competências do Supremo Tribunal e fez referências muito agressivas ao ministro Lewandowski – que, na realidade, era, no caso, o verdadeiro guardião da Constituição.


Coincidências em série no julgamento do ‘mensalão’ sugerem golpe da direita
O julgamento taxado de polêmico e heterodoxo, esse do ‘mensalão’ no Supremo Tribunal Federal (STF), desenha-se, na realidade, em uma espécie de alavanca para um golpe de direita contra as instituições democráticas do país, segundo a expressão de críticos da forma como tem-se conduzido o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa (JB), monitorado pela mídia conservadora que, paradoxalmente, é alimentada com 70% dos recursos públicos destinados à publicidade estatal. Um boletim de ocorrência contra o magistrado o manteria sob constante estado de tensão, como escreveu à época o advogado e jornalista Márcio Chaer, diretor da revista Consultor Jurídico, após uma discussão entre Barbosa e o então também ministro do STF, Eros Grau:
“Eros retrucou lembrando decisões constrangedoras de JB que a Corte teve de corrigir e que ele nem encontrava mais clima entre os colegas. O clima azedou a ponto de se resgatar o desconfortável boletim de ocorrência feito pela então mulher de JB, tempos atrás: ‘Para quem batia na mulher, não seria nada estranho que batesse em um velho também’, afirmou-se”. Além do risco de ser chantageado por meios de comunicação ligados à direita, o viés ideológico demonstrado pelo ministro, durante sua trajetória no Supremo seria tão firme quanto o seu estado de espírito, o que levou o editor da publicação especializada na área jurídica a afirmar que “o idealismo de JB lembra o espírito macunaímico, comenta, a propósito do assunto, um observador bem posicionado no STF, ao celebrar os 80 anos da obra de Mário de Andrade. Macunaíma, consagrado como ‘o herói do povo brasileiro’, ao fim de sua epopéia, transforma-se em uma constelação”.
Para analistas mais astutos, tornou-se suspeita a série de coincidências verificadas no curso da Ação Penal 470, como o período de votação que chega ao seu ápice pouco antes das eleições municipais, no mês que vem; a pressão dos meios de comunicação ligados à direita e à extrema direita brasileiras para a condenação, principalmente, do ex-deputado José Dirceu; a tentativa de ligação do nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao escândalo; o ‘fatiamento’ do processo; o vazamento de informações delicadas, como a dosimetria das penas a serem aplicadas aos réus, assunto que sequer figura na pauta das próximas sessões da Corte.
“Um descuido” do gabinete do ministro Joaquim Barbosa, como foi explicado, levou a página do Supremo Tribunal Federal (STF) na internet a divulgar, na sexta-feira, as penas sugeridas pelo relator AP 470 para parte dos réus condenados pelo crime de lavagem de dinheiro. O ‘vazamento’ permaneceu no ar durante mais de 72 horas. A pena mais dura ficou para Marcos Valério: 12 anos e sete meses de reclusão, além de 340 dias-multa, com cada dia-multa igual a 10 salários mínimos, o equivalente a mais de R$ 2,1 milhões. O vazamento ocorreu no dia em que a revista semanal de ultradireita Veja publicava, na capa, uma suposta – e até agora, não comprovada – entrevista com Valério, na qual ele teria dito que o presidente Lula saberia do suposto esquema do ‘mensalão’. Horas depois, no jornal O Globo, o colunista Ricardo Noblat fala da existência de um suposto vídeo, “de quatro cópias”, no qual um desesperado Marcus Valério, diante da prisão iminente, faria revelações para divulgação imediata – “caso sofra um atentado”.
http://correiodobrasil.com.br/coincidencias-em-serie-no-julgamento-do-mensalao-sugerem-golpe-da-direita/517106/#.UFly07JlQRk

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