Saul Leblon, Carta Maior / Blog das Frases
implementação e regulação da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não foi feito até hoje. O fato significativo de não ter sido feito 'até hoje', constitui justamente o objeto das arguições e análises do mais recente livro de Venício de Lima ("Política de Comunicações: um balanço dos governos Lula --2003/2010
Mais incomodo que a dúvida é o fato de que o autor não hesita em incluir na árdua tarefa da resposta um minucioso levantamento de paradoxos entre o que a lei determina, aquilo que a esquerda sempre se propôs a fazer e o saldo de suas hesitações e recuos quando teve a chance de implementá-lo.
Venício é um intelectual suficientemente sofisticado para não dar a essa tomografia decibéis de um desabafo hegeliano. Não há vínculos entre a sua peneira histórica e os arroubos dos que tropeçam no próprio radicalismo ao vociferar contra uma realidade que desobedece idéias cerzidas à margem dos conflitos e circunstâncias da sociedade.
No livro (páginas 31 e 32), o ex-ministro explica que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e formadores de opinião para dialogar sobre o assunto. Eis o trecho:
"Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu fora apresentado semanas antes.
Peguei o telefone e liguei para ele.
– Estamos com um problema sério nesta eleição – iniciei. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso. Estamos pensando em editar um manifesto com os nossos compromissos.
Com seu radar bastante atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de forma franca:
– A crise é muito maior do que vocês estão pensando – ele disse, sem esconder sua preocupação. Há muita insegurança sobre o futuro e, por isso, acho muito bom vocês fazerem, sim, um manifesto.
Comentei as linhas gerais do documento e paramos justamente no ponto sobre o superávit das contas públicas.
– Se vocês não forem falar sobre isso – advertiu ele – é melhor nem soltar o documento. Afinal, é este o ponto sobre o qual o mercado está mais preocupado.
– E qual você acha que deve ser o compromisso do novo governo? – perguntei.
– Em minha opinião, deve ser algo um pouco acima de 4%, que é o que parece estar se tornando um consenso no mercado. O fato é que a dívida está ficando insustentável e se há algo que vocês devem criticar no atual governo é isso. O quadro fiscal é frágil."
Em seguida, Antonio Palocci lê trechos do documento para João Roberto Marinho.
"Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".
– O que você acha? – perguntei.
– Um número forte poderia ser melhor – respondeu. Mas se há dificuldade para isso, o texto está bom. Acho que dá conta."
Depois de conversar com João Roberto Marinho, Antonio Palocci explica como alterou o documento:
"Achei melhor trocar a palavra `enquanto´, que dava noção de tempo, por `o quanto´, que dava noção de tamanho e da disposição de aumentá-lo, que era como o problema se colocava naquele momento."
Venício de Lima arremata o artigo com a seguinte observação de atualidade irretocável quando o governo Dilma parece próximo de, finalmente, levar à sociedade seu projeto de Regulação da Mídia:
"Quatro observações", dispara Venício Lima na sequência da citação. "Primeiro, se políticos querem "se acertar" com concessionários e/ou donos de grupos de mídia, está implícito, por óbvio, que acreditam que eles (os donos) determinam ou influenciam ou interferem no sentido das coberturas jornalísticas.
Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política da mídia determina ou influencia ou interfere no processo político.
Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política negativa dificulta o sucesso político ou, ao contrário, uma cobertura política favorável, ajuda, contribui.
Quarto, ambos – políticos e concessionários/donos de grupos de mídia – não parecem acreditar na existência de uma cobertura jornalística imparcial (ou nada disso seria necessário).
Finalmente, uma velha questão que se recoloca diante da realidade que, sabemos, existe tanto nos Estados Unidos como no Brasil: no caso dos concessionários dos serviços públicos de rádio e televisão, que existem para atender ao interesse coletivo e não ao interesse privado de indivíduos ou grupos – empresariais, religiosos ou quaisquer outros – não constituiria uma ameaça importante à democracia permitir que ocupem posição de tamanho poder como atores políticos nas democracias contemporâneas?
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