terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Flexibilização Religiosa da Rede Globo

É difícil supor que o patriarca Roberto Marinho aprovaria a guinada proporcionada por seus filhos e anunciada explicitamente na noite do dia 10 de dezembro, no Aterro do Flamengo, reunindo 200 mil pessoas em nome de Jesus Cristo – o “vivo”, não o “morto”, como se referem alguns evangélicos ao Jesus católico. Ao promover o maior evento musical gospel da história da cidade, o festival “Promessas”, com a participação dos nomes consagrados neste estilo, a Rede Globo, comandada pelos filhos de Roberto, anuncia para a sociedade sua mais nova estratégia: alcançar as camadas populares cada vez mais vinculadas ao “neopentecostalismo”.

Foram-se os tempos daquele doutor Roberto intransigente à abertura da emissora para transmissão de expressões religiosas que extrapolassem a tradição católica apostólica romana de pele branca e olhos claros. A Missa do Galo ou a cobertura da festa a Nossa Senhora da Aparecida aos poucos darão espaço às orações de algum bispo, preferencialmente que tenha um tom conciliador e ecumênico, para a transição se dar de forma lenta e gradual. Os filhos de Roberto sabem como ninguém da tendência quase irreversível do Brasil se tornar um país de maioria evangélica, ultrapassando os fiéis católicos. Então, nada como um megaevento para abrir as portas e os salões para o novo público evangélico.

E realmente conseguiram dar destaque ao evento com tomadas ao vivo e entrevistas diretas do Aterro, preparação do trânsito, melhores formas de transporte, reportagens, e culminando com a gravação de um programa televisivo, intitulado Festival Promessas, já transmitido em horário nobre no domingo (18/12). Os irmãos Marinho, mesmo com o evento, terão um caminho árduo para prosseguir. Tentarão reconstruir uma imagem da emissora abalada devido às inúmeras repercussões sobre casos de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e outras estripulias do senhor todo poderoso do Rio de Janeiro, o bispo Edir Macedo, que junto ao segundo todo poderoso, o bispo-senador Marcelo Crivella, solidifica cada vez mais seu apoio a gestão petista de Dilma Rousseff. Os espectadores mais assíduos e atentos da emissora da família Marinho puderam notar a diluição das notícias antievangélicas nos noticiários.

As verdadeiras “promessas”
Se já não bastasse, ainda precisarão enfrentar a preferida dos evangélicos, a Rede Record, que conta com financiamento da publicidade adicionada aos volumosos apoios de dizimistas ungidos. Tal emissora conseguiu quebrar tabus inimagináveis, como a transmissão das Olimpíadas de Londres, e jogará duro na disputa pela transmissão da Copa de 2014 e Olimpíadas 2016. Nessa disputa, tem sido nítido e quase constrangedor o apoio incondicional da família Marinho aos governos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes – vide a cobertura completa exclusiva das ocupações das UPPs e anúncios frequentes, com a expectativa de benefícios presentes e futuros.

São aguardados, então, novos capítulos rumo à flexibilização religiosa global, orando e rezando juntos em missa ecumênica, em prol do alcance de novos públicos, novos nichos de audiências, novas publicidades que deem condições de garantir a manutenção da própria emissora e sua exclusividade na formação de opinião de milhões de brasileiros, que vem sendo perdida a cada ano com o crescimento da emissora liderada por Edir Macedo.

Enganam-se porém, aqueles que apostam em uma polaridade de propósitos das duas redes quando nos referimos ao modelo e conteúdo das suas programações. Ambas caminharão juntas no processo de rebaixamento da qualidade dos programas com a erotização das relações humanas, a banalização da violência como um fenômeno meramente espetacular, a criminalização de expressões de contestação social, mas, sobretudo, serão uníssonas contra qualquer iniciativa de revisão ou avaliação das concessões públicas emitidas pelo Estado brasileiro. Estas, sim, são as verdadeiras “promessas”.
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[Téo Cordeiro é professor, Rio de Janeiro, RJ]

A flexibilização religiosa da Rede Globo

Por Téo Cordeiro em 27/12/2011 na edição 674 do Observatório da Imprensa

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