A Veja chegou ao coração do business de consultoria do então deputado Antônio Palocci com uma reportagem (“Sem contrato”, edição 2.221, 15/6) onde se substanciam informações difusas propagadas desde a publicação das reportagens da Folha de S. Paulo que levaram à demissão do primeiro ministro da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff.
Segundo o repórter Rodrigo Rangel, documentos mostram que Palocci ajudou a Camargo Corrêa a vender ao fundo de pensão Petros, dos funcionários da Petrobrás, por R$ 3 bilhões, ações da holding do Banco Itaú que estavam em poder da construtora. Palocci e a Camargo Corrêa negaram à revista que ele tenha colaborado na concretização do negócio.
A revista insiste. Em resumo, Palocci teria prometido ajudar a construtora em troca de doação para a campanha de Dilma que teria ocorrido “após julho de 2010”. Rangel entrevistou um executivo não identificado “envolvido na operação”. Usa uma frase entre aspas desse personagem desconhecido (técnica no mínimo discutível, que se generalizou): “O fechamento do negócio dependia do resultado da eleição”.
“A compra das ações foi aprovada por unanimidade pelos conselheiros do fundo em 5 de outubro, dias depois da votação em primeiro turno, e concretizada em 30 de dezembro, a dois dias da posse de Dilma”.
Silêncio intrigante
E o que aconteceu depois da publicação da matéria? Nada. Nenhuma repercussão. Como se a novela Palocci já tivesse chegado ao último capítulo, o que não faz o menor sentido, na chamada ordem das coisas. Porque, como notaram tantos, o então ministro (não) deu as explicações que quis, da maneira que escolheu (ver, abaixo, “Além do bem e do mal”).
Há duas interpretações principais desse silêncio que tanto interessa aos donos do poder. São convergentes. Primeira, Palocci é (ou foi; a conferir) uma figura muito querida também na oposição, nos meios empresariais e entre os dirigentes dos principais meios de comunicação, que teriam acolhido apelos tanto do governo como de empresas para não fazer escarcéu (ver “O protegido dos deuses”). Segunda, ninguém tem interesse em avançar num caminho que se imagina saber onde começa mas não se pode ter ideia de onde termina: escrutinar as doações feitas às campanhas eleitorais de 2010.
Uma terceira possibilidade é que os outros grandes jornais, revistas e portais tenham considerado inconfiáveis as fontes da reportagem da Veja e o tratamento dado à matéria. É pouco plausível. De todo modo, até agora não houve manifestação nem de Palocci, nem da Camargo Corrêa a respeito do texto publicado.
O abraço do atraso
A pior consequência da queda de Palocci (sim, é possível que sem ele seja pior do que com ele; foi o que sinalizaram Lula e Dilma, sem em nenhum momento dizê-lo) é o recuo do governo diante de velhos e poderosos interesses que a nebulosa PMDB encarna. Visto de maneira mais pedestre: se dou mais espaço aos aliados, perco poder.
O preço da comovente defesa de Palocci feita por aliados do governo (e negligenciada por amplos setores do PT) se traduz, por exemplo, no recuo da presidente em face da tramitação da Lei Geral de Acesso às Informações Públicas (manchete do Estadão de 13/6, chamada na capa da Folha de 14/6). Noticia-se que Dilma aceitará a manutenção do sigilo eterno (renovável a cada 25 anos) para documentos classificados como ultrassecretos.
Quem interrompeu o trânsito da lei foram os senadores Fernando Collor e José Sarney. O prazo para abertura dos documentos produzidos durante a passagem deles pela presidência da República já se esgotou ou está próximo do fim.
É uma pauta jornalística no mínimo interessante tentar saber o que está documentado e eles querem esconder do público.
Atrás dos punhos de renda
Outra resistência conhecida à lei partiu do Ministério das Relações Exteriores, que estaria preocupado com a abertura de documentos nos quais se evidencia a participação da instituição na Operação Condor, de repressão, tortura e assassinato de opositores das ditaduras de Argentina, Uruguai, Brasil, Chile e Bolívia, na década de 70.
Outra hipótese para a preferência do Itamaraty pelo sigilo é prosaica: desvios de recursos cometidos por embaixadores e outros funcionários foram objeto de inquéritos administrativos que, ipso facto, estão documentados, mas não vieram a público. Sua exposição à luz, mais do que manchar a memória de antigos itamaratianos, afetaria a imagem da Casa de Rio Branco.
Mauro Malin
By: Observatório da Imprensa, via Com textolivre
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