quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Quando a meritocracia racista não funciona, ela mata


Sílvio Luiz de Almeida é advogado, filósofo, professor e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP.

É dele a ótima palestra “Estado, Direito e Análise materialista do racismo”, apresentada em evento promovido pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos, em 30/06/2016.

Alguns trechos abaixo:

Todo o racismo é uma relação social.

O racismo é uma ideologia que naturaliza a posição dos negros na sociedade.

Racismo se combate de duas maneiras. Com educação, algumas vezes, e com porrada, na maioria delas. A pessoa pode esquecer uma aula ou um livro. Mas quando toma um chacoalhão, ela vai lembrar.

A única maneira de incorporar as diferenças de classe ou de raça é forjar um discurso universalista. Por exemplo, eu tenho universidade pública e tenho uma população negra que é a segunda em tamanho no mundo. Mas a maioria dos alunos daquela universidade é branca. A única maneira de explicar isso é colocar na conta do indivíduo. É a meritocracia.

O racismo não é o irracional. Não é o anormal. O racismo é o normal. O racismo é uma forma de racionalidade. Uma forma de normalização das relações sociais do nosso tempo. Por outro lado, e esta é a parte mais importante, o sistema penal complementa a institucionalização do sistema meritocrático. Porque ele estabelece o controle carcerário da pobreza, estigmatizando jovens negros, de modo que sua inserção no trabalho altamente precarizado e até mesmo sua eliminação física serão vistos com normalidade por parte significativa da sociedade.

Resumindo, se a meritocracia não funciona, você mata. Simples, assim...

Há muitos outros momentos importantes na exposição. Assista a íntegra aqui. Vale a pena!

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/09/quando-meritocracia-racista-nao.html

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Os partidos como máquinas burocráticas despolitizadas



Quando o Partido exerce o poder, torna-se o Estado da ordem, o qual cada vez mais se transforma num aparato despolitizado, uma máquina burocrática, e não exerce mais a função de estimular ideias e práticas (...). Isto implica que o Partido não cumpre mais sua função política de outrora, torna-se apenas um aparato do Estado. (...) não possui mais suas próprias convicções político sociais, podendo ter apenas uma relação estrutural e funcionalista com a manutenção do Estado.

As palavras acima são do artigo “Política despolitizada do oriente ao ocidente”, de Wang Hui, professor da universidade chinesa de Qinghua, publicada na revista 
Leste Vermelho. Poderiam referir-se ao Partido dos Trabalhadores, mas seu autor pretende que este seja um traço comum a todos os partidos do mundo.

Ainda que 
a afirmação soe exagerada, sem dúvida, retrata a realidade de grande parte dos sistemas políticos do planeta. Daí, a enorme desilusão em relação às representações partidárias, que se manifesta em formas de luta direta em vários cantos do mundo.

Quanto ao PT, sua militância vinha defendendo abandonar o programa econômico que seu próprio governo vinha implementando. Mas encerrado seu 6º Congresso Nacional, nenhuma resolução foi adotada nesse sentido.

Apesar das paixões envolvidas, e da justa indignação das forças de esquerda com os rumos petistas, o fenômeno pode ser olhado como mais uma consequência da esterilização da política pela economia. Algo que o capitalismo pressupõe, mas que sua fase neoliberal radicaliza.

Ou seja, as palavras de Wang parecem servir também a toda a esquerda partidária nacional. E será assim enquanto nossas organizações priorizarem as disputas eleitorais ou por aparatos burocratizados. 
http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2015/06/os-partidos-como-maquinas-burocraticas.html

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Temer e seu governo se destroem para destruir o país

O presidente Michel Temer durante lançamento de programa para incentivar o trabalho voluntário, em Brasília, nesta segunda

fôia ditabranda


Janio de Freitas

Apesar de disfarçadas por maquiagens verbais, as derrotas sofridas pelo governo Temer na última semana compõem um acúmulo raro. Quatro. Em contraste com as ínfimas e festejadas “melhoras do desemprego e do PIB”, ambas de apenas 0,2% e expostas como atualidade, mas ocorridas lá atrás, no trimestre concluído em junho. O contraste, porém, é ainda maior: com essas derrotas, a propensão da crise é agravar-se. E ampliar as exasperações já generalizadas.

Otimista por erro ou por esperteza política, o governo fixara em R$ 139 bilhões o rombo nas contas deste ano. Precisou corrigi-lo, com aprovação do Congresso, para R$ 159 bilhões. O prazo para correção expirou com a chegada de setembro, e os congressistas não deram quorum para aprová-la. “Sem problema. Emenda-se mais tarde”, dizem uns, publicam outros.

Mas no comércio brasiliense não há mais fiado. Ainda que a correção não leve a uma grande batalha, é um trunfo para a voracidade parlamentar. Terá custos para Temer. E, pior, engrossa desde logo o bolo venenoso que se forma. Paralelo à emenda do rombo, por exemplo, o decreto que deu à mineração sete áreas de proteção ambiental e duas de reserva indígena, com quase 50 mil quilômetros quadrados de Amazônia, sujeita Temer e o governo a uma capitulação. Vencido pelas reações internas e internacionais, o decreto está suspenso “para debate” por quatro meses. Se sobreviver. E sem solução perceptível para o suspeito propósito do governo. Duro problema com a opinião pública.

Sem envolvimento de corrupção faltaria autenticidade ao pacote de dificuldades vindouras para Temer. Por isso, o agravamento da crise dispõe da prometida denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot, no mínimo por obstrução da Justiça e corrupção. Temer e sua defesa deram essas acusações como de comprovação inviável. A própria denúncia pareceu esvaziada pelo segredo de Justiça aplicado à delação de Lúcio Funaro, da qual Janot retiraria elementos de acusação fundamentais. A meio da semana, saiu da Procuradoria Geral a informação de que a denúncia virá.

Como complemento, o único trecho a vazar da delação de Funaro fulminou a expectativa de Temer. Ao que revelou o repórter Jailton de Carvalho (“O Globo”), está confirmado pelo delator o suborno que Joesley Batista disse lhe pagar por seu silêncio. Trata-se daquela informação que recebeu, na alta noite palaciana, a recomendação de Temer: “Tem que manter isso, viu?”, e depois negou referir-se a pagamento de suborno. A confirmação de Funaro é desastrosa para a explicação de Temer, que não teria apoiado mais do que uma ajuda familiar.

A correção do rombo depende do Congresso. O decreto contra a preservação amazônica e os índios depende do Congresso (a versão vigente é irregular, à falta da aprovação parlamentar). A denúncia da Procuradoria Geral da República, se aceita pelo Supremo Tribunal Federal, dependerá do Congresso, onde a Câmara decidirá aceitá-la ou a recusar.

A tal base construída por Temer na Câmara dividiu-se sobre a primeira denúncia feita por Rodrigo Janot e admitida pelo Supremo. Temer só se livrou ao preço de quase R$ 2 bilhões em liberação de emendas para parlamentares, conforme levantamento do deputado Alessandro Molon. Não é negócio que se repita sem risco de reações fora do Congresso, onde o arrocho dramatiza a vida. Sem esquecer as outras decisões em que a posição de Temer depende de Câmara e Senado.

Há uma orquestra, no entanto, a soar pelo país afora o fim da recessão e a retomada do crescimento, com perspectivas promissoras já para este ano, e ainda mais para o próximo. Se não houvesse também objetivos políticos por trás desse engodo, poderia ser uma tentativa de induzir iniciativas otimistas. Ainda assim, não seria a maneira indicada para fazê-lo. Nem resultante. Mesmo neste governo foi tentada por Henrique Meirelles e acompanhantes, com o resultado exibido no atual aumento de R$ 20 bilhões do rombo previsto para este ano.


Temer e seu governo se destroem para destruir o país. E não há engodo ou otimismo que encubra esse drama.


As cercas da internete


Cresce a impressão de que as redes virtuais, muito longe de abrirem nossos horizontes, nos aprisionam. Nesse sentido, os trechos do texto abaixo, de Fernanda Araujo, são muito pertinentes:

O processo pelo qual a Internet vem sendo submetida pelas grandes companhias da tecnologia remete aos cercamentos ingleses do século 18. Os cercamentos consistiram na expropriação de camponeses ingleses de terras comunais para benefício de proprietários privados. Antes um bem comum para os camponeses, que produziam naquele espaço de maneira colaborativa, as terras passaram a ter seu acesso e uso regulado pelos proprietários. O fenômeno, que contribuiu para o surgimento da classe operária e o início da Revolução Industrial, para a tradição marxista os cercamentos marcaram o início da sociedade capitalista, sendo um mecanismo de acumulação primitiva. Como explicitado quando analisamos as novas tendências do capitalismo, a expropriação do comum através da predação externa do capital não é um acontecimento exclusivo de uma época, mas sim estratégia integral e recorrente no processo capitalista de acumulação.

(...)

Atualmente, empresas de tecnologia como o Facebook e o Google agem como os proprietários do “espaço” a ser utilizado, e as informações pessoais servem como “pagamento” para o acesso dos usuários. A privacidade, nessa lógica, se torna um bem a ser comercializado. O fenômeno da privatização resulta não apenas no controle do acesso, mas na mediação das interações que ocorrem dentro desses espaços e na restrição dos fluxos de informação.

Em “O Capital”, Marx mostrou como os cercamentos ingleses representaram uma espécie de roubo das terras comunitárias dos camponeses. Após 150 anos, eles continuam. Na internete, são uma espécie de sequestro.

O reformismo petista e o de Henrique Meirelles


Por um partido lulista, burguês e reformista!”. O autor deste título admite que se trata de uma provocação. “Mas não no sentido negativo e sim no positivo de provocar o debate sobre nosso projeto político para o Brasil”, afirma Washington Siqueira Quaquá.

Na condição de presidente estadual do PT-RJ, é importante prestar atenção ao artigo.

O tom inicial do documento é de autocrítica. Diz, por exemplo, que o PT nunca assumiu “uma briga frontal contra os meios de comunicação antinacionais e antipopulares, em especial a Rede Globo”.

Afirma, ainda, que “nossa tática depois de 1989 e, em especial, no ano da vitória em 2002, foi a da conciliação de classe sem construção de retaguardas.”

Admite que, sob os governo petistas, “uma geração inteira” mais formou “burocratas longe da luta social, do que forjou militantes da transformação social”. Palmas!

Mas eis que o texto saúda a “vinda do Renan” em apoio a Lula como:

Um passo à frente diante da hegemonia golpista. É o primeiro peso-pesado do establishment político que se desloca para o nosso campo. Abre caminho pra outros e também daqui há pouco para setores da elite econômica.

Seria a este tipo de reformismo que se referia o título do artigo? Haja provocação!

Enquanto isso, em 22/08, a Folha publicou entrevista com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Perguntado sobre as eleições de 2018, o presidente do Banco Central dos dois governos Lula afirmou: “Se me perguntar quem vai ganhar, acredito que uma mensagem reformista deve ganhar".

Quaquá e Meirelles falam de reformismos diferentes. Mas se depender do primeiro, o segundo é que está certo.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/09/o-reformismo-petista-e-o-de-henrique.html