terça-feira, 1 de julho de 2014

Torcedores e impostores



Os dois Brasis, o real e o oficial,
na torcida pela seleção: qual é o sincero?
(Fotos: Tomaz Silva e Marcello Casal Jr/ABr)
A torcida brasileira que tem assistido aos jogos da seleção nos estádios protagoniza proezas inimagináveis: manda a presidenta da República, uma avó sexagenária, "tomar no c...", vaia o hino nacional do time adversário, fica calada na maior parte do tempo, sai de casa tão empetecada quanto se fosse a uma festa ou ao shopping center, elege como grito de guerra o insuportável "sou brasileiro..." - entre outras abominações.

Como se fosse uma novidade, a Folha informa que a imensa maioria dos torcedores que estiveram no Mineirão e viram o Brasil vencer o Chile nos pênaltis era formada por brancos das classes A e B.
Juntando essas informações, o que se conclui é que o torcedor característico de futebol, o corintiano, o palmeirense, o flamenguista, está assistindo à Copa pela televisão, em casa, nos bares ou nas praças públicas, longe das "arenas", como os novos estádios estão sendo chamados. 
Apesar disso, é esse torcedor quem mais está vivendo a Copa.
Para ele pouco importa se ela vai influenciar ou não a eleição presidencial, como temem muitos dos falsos entusiastas do futebol.
Ele está mesmo preocupado, ele sofre, ele se agustia, com o fato de Felipão insistir em escalar Fred como centroavante ou com a hipótese de Neymar se machucar seriamente ou tomar mais um cartão amarelo.
A Copa do Mundo, pelo menos nas últimas edições, se tornou um megaevento que transcende o âmbito puramente esportivo.
É um hipernegócio, controlado por uma das mais poderosas empresas transnacionais do mundo, a Fifa.
É também um espetáculo de alcance global, graças à televisão.
Seus protagonistas, claro, são os jogadores, coadjuvados por árbitros e comissões técnicas.
E por uma imensa plateia multicolorida e multiétnica, que extravasa uma alegria contagiante e proporciona as imagens de sonho de qualquer diretor artístico.
Nesse imenso painel, os brasileiros compõem a maioria das peças.
Mas para desgraça dos produtores do grande show, a nossa torcida classe A, em vez de atuar como todas as outras, que procuram fazer o seu papel de incentivadoras de suas seleções, tem apenas exibido para as câmeras o seu imenso déficit cultural, com todas as suas implicações naturais - preconceito, falta de educação, grosseria, intolerância, vulgaridade...
Esta é mesmo a Copa das Copas.
Nos gramados ela estabelece de forma definitiva a primazia do ataque sobre a defesa, da técnica sobre a violência, do talento sobre a mediocridade.
Fora deles, realça a necessidade de o Brasil real, esse dos verdadeiros torcedores que não vão às "arenas", mas sentem na alma a dor do gol do adversário, sobrepujar o Brasil oficial, esse que se fantasia de verde e amarelo, como se usar essas cores o redimisse de sua pequenez cívica.
No, http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2014/06/torcedores-e-impostores.html

A bizarrice intelectual dos discursos anticomunistas


As redes sociais fazem parte da tecnologia de ponta. Mas, como a clonagem na ironia do grande pensador francês Jean Baudrillard, que usa o máximo da ciência para produzir a reprodução das amebas, elas têm servido para os embates ideológicos deslocados no tempo: comunistas versus capitalistas. Anticomunistas atacam seus supostos adversários como se estivéssemos nos anos 1950 ou 1960 à beira de revoluções marxistas. É a chamada retórica macarthista dos comandos de caça aos comunistas e das famílias com Deus pela liberdade. Uma conversa para fazer elefante dormir de tédio.

– Chico Buarque mora no Leblon e tem apartamento em Paris. Isso é que é comunista!

– Que absurdo!

– Por que esse hipócrita não doa tudo e vai morar em Cuba?

– Porque Chico ganhou seu dinheiro trabalhando, vive no capitalismo e não acredita que uma atitude individual, isolada, seja uma solução – responde o observador saturado de ouvir tamanha conversa fiada todos os dias.

Os argumentos dos anticomunistas tradicionais são de uma “sofisticação” intelectual sem tamanho. Coisa de cérebros privilegiados. A lógica não alcança esse discernimento tão particular. Pensamento raro. Rarefeito. Pressupõe-se que os tais “comunistas” queiram a pobreza de todos. Espera-se que coletivistas apostem em soluções individualistas.

Uma faceta desse sopa de ervilhas ideológica é obcecada por uma questão estranha:

– Por que Lula, quando adoece, não vai no SUS?

– Porque pode ir onde quiser.

– Então não acha o SUS bom? Ou só é bom para pobre?

E se for um progresso, mas obviamente não o ideal, enquanto se espera que um dia, no sistema capitalista mesmo, todos tenham direito ao mesmo tratamento? E se a melhoria do capitalismo passar por essa dupla articulação antagônica e complementar: iniciativas individuais e políticas públicas de ampliação dos interesses de todos. Os países escandinavos têm dado exemplos marcantes das possibilidades de êxito dessa estratégia. Os lacerdinhas recorrem a uma lógica bizarra:

– É tudo ou nada.

– Questão de coerência.

– Se o cara quer melhorar a vida dos pobres à custa dos ricos, que viva como pobre e doe seu patrimônio individual.

Faz parte de uma ideologia esperta: parem de querer cobrar impostos, desconcentrar renda, distribuir riqueza, criar uma sociedade mais equilibrada e diminuir desigualdades. Cada um que se vire. Como se vê, uma filosofia social altamente sofisticada e justa. Os problemas nunca são estruturais, sociais, históricos, mas sempre individuais, de “caráter” e de “índole”. Salvo quando o governo não dá incentivos para as “forças produtivas da nação” ou não cobre os prejuízos provocados por excesso de chuva ou secas. A preguiça sempre explica a falta de êxito nessa visão de mundo única.

A sociologia não existe. Só a psicologia. Aos mais aquinhoados devem ser reservadas todas as oportunidades de estudo e de formação. Aos demais, as escolas técnicas. A educação deve ser o mais eficaz sistema de hierarquia social. O lacerdinha cobra infraestrutura perfeita. E gasolina com imposto zero. Só isso. A demagogia é o seu pão de cada dia.

Critica-se a impunidade até se praticar uma infração de trânsito, sofrer uma multa justa e desandar a discursar:

– É a indústria da multa. Tinha era que educar.

O anticomunismo tem cheiro de naftalina. Vive a perseguir fantasmas. Coisa de cachorro louco.

Ou de psicopatas.

Salvo se for apenas indigência intelectual.

No popular, burrice.
No, http://esquerdopata.blogspot.com.br/2014/06/a-bizarrice-intelectual-dos-discursos.html

Por que a torcida da seleção é tão bunda mole?


Torcida que não costuma frequentar estádios
Publicado na Placar. O texto é de Mário Sérgio Silva / 
"O Brasil havia acabado de perder a Copa de 1998 para a França. Derrota por 3 x 0 na final, a pior da seleção na história das Copas. Uma campanha de TV tentou recuperar a autoestima brasileiro com um dos vilões daquela partida: o goleiro francês Fabián Barthez. Pessoas comuns – e não comuns, como Millene Domingues, a rainha das embaixadinhas, antes de casar com Ronaldo e de ser a mãe de Ronald – batiam pênaltis que o campeão do mundo daquele ano não conseguia defender. Até que um menino bate e o goleiro defende, mas, vendo a decepção do garoto, joga a bola para o próprio gol.

A campanha era dos chinelos Rider e foi produzida pela W/Brasil. “Em 1999, você vai marcar o gol dos seus sonhos, e o Brasil vai acertar o pé”, dizia. A trilha sonora era “sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor”, grito cooptado dos chilenos, que o introduziram naquela mesma Copa.

A canção foi adotada pela torcida da seleção. Um canto que ecoa nos estádios de futebol, nos jogos de vôlei ou de qualquer modalidade. Até mesmo nas manifestações de rua do ano passado ela foi lançada. Nunca muda. É sempre a mesma nota.

O brasileiro não tem lá muito jeito de torcer pela sua seleção. Não somos tão criativos como os ingleses, que costumam rir da ruindade de seus times, nem tão apaixonados como os argentinos, que nunca deixam de cantar. Não temos a irritante energia dos mexicanos, que não param um só minuto – inclusive com a indefectível “Cielito Lindo”, aquela do “ai, ai, ai/tá chegando a hora”. Nem mesmo os gritos extasiados de japoneses ou a empolgação de uma batucada africana.

No lugar disso, vamos com o que temos na mão. Da Copa do México, importamos a “olla”, a famosa onda das arquibancadas. Todo jogo de seleção tem uma dessas. Nos jogos deste Mundial, a torcida aderiu ao grito mexicano de “PUTO” quando o goleiro rival vai bater o tiro de meta.

Não falta só criatividade. Às vezes falta mesmo paciência. E isso não é atributo apenas da torcida paulista, como se acostumou dizer. Na Copa América de 89, a seleção foi vaiada em todas os jogos na Fonte Nova. O Mineirão protestou contra o time de 1994. O Rio, contra o de 1998. Mas sejamos justos: os paulistas sempre foram chatos com o time amarelo, até em campeonato de bafo. O xingamento a Dilma vai nesse bolo.

Mas a questão não é ser chato. É como nos apegamos a um grito que uma agência de propaganda encomendou para uma marca de chinelos há 16 anos e como isso virou o hino oficial da torcida. É a praga desta Copa. Até no jogo Rússia x Coreia do Sul, em Cuiabá, um coro do tipo foi puxado.

Como é que somos tão chatos na arquibancada se, nos campeonatos locais, nossas torcidas são tão criativas? Mesmo nas provocações – lembro da hilária demonstração da torcida do Vasco quando Romário fez o seu 999º gol e provocou a do Flamengo, que tinha então o centroavante Souza, que depois passaria por Corinthians e Bahia: “Puta que o pariu/Só faltou 1000 pro Souza fazer mil”. A do rubro-negro já adaptou “Poeira”, de Ivete Sangalo”, e marcou um título carioca com ela. O Botafogo tem o “Ninguém cala/esse nosso amor”.

 O Flu tem o João de Deus. O Corinthians inventou o “Loco por ti”; o Palmeiras adotou o porco; o Santos tem seus cantos, o São Paulo também.

Será que é por que o público da seleção, por ser mais abastado, não gosta de ir a estádios e só vê os jogos pela televisão? Ou por que os que vão ao estádio torcem o nariz para o time nacional? Mas a gente pode reduzir a pergunta a uma só: por que a torcida da seleção é tão bunda mole nesse quesito?

PS: O canto “Sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor” está registrado no Inpi por Nelson Biasoli desde 1979. É uma versão de “It’s a Heartache”, de Bonnie Tyler, que também ganhou uma versão em espanhol com o Boca Juniors anterior ao registro de Biasoli – o nome dela é “Boca de Mi Vida”. A versão cantada pelo Chile na Copa da França é uma adaptação dessa.

 A brasileira começou a cantá-la logo depois do encontro entre as duas
seleções, nas oitavas de final do Mundial de 1998. Para deixar bem claro: o texto não fala sobre a origem da música, mas sim quando ela se popularizou. E isso aconteceu depois do comercial da Rider, no fim de 1998."

http://youtu.be/5DE-py91K2w