quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sonegação dos ricos é 25 vezes maior que corrupção nos países em desenvolvimento

Marcelo Justo
Arquivo

Londres - Uma visão muito difundida sobre o desenvolvimento econômico afirma que os problemas enfrentados pelas economias em desenvolvimento e os países pobres se devem à corrupção. Essa visão se choca com um dado contundente da realidade internacional: a China. Nem mesmo o Partido Comunista põe em dúvida que a corrupção é um dos grandes problemas nacionais, o que não impediu um crescimento médio de dois dígitos nas últimas três décadas.

No entanto, segundo Jason Hickel, professor da London School of Economics, esta perspectiva oculta um problema muito mais fundamental em termos sistêmicos para a economia mundial: a corrupção dos países desenvolvidos. Trata-se de uma corrupção do colarinho branco, invisível e refinada, que foi uma das causas do estouro financeiro de 2008.Carta Maior conversou com Hickel sobre o tema.

Segundo a Convenção da ONU sobre Corrupção, ela custa aos países em desenvolvimento entre 20 e 40 bilhões de dólares anuais. É uma soma considerável. Mas você diz que, comparativamente, a corrupção do mundo desenvolvido é muito maior e tem um impacto sistêmico muito maior. Como chegou a essa conclusão?

Jason Hickel: O presidente do Banco Mundial, Jim Kim, fez este cálculo sobre o custo da corrupção no mundo em desenvolvimento. Mas esta soma, sem dúvida importante, constitui apenas cerca de 3% do total de fluxos ilícios que abandonam os países em desenvolvimento a cada ano. A evasão fiscal é 25 vezes maior que essa soma. No ano passado, cerca de um trilhão de dólares fugiram dos países em desenvolvimento e terminaram em paraísos fiscais por meio de uma prática  conhecida como re-faturamento, através da qual as empresas falsificam documentos para que seus lucros apareçam em paraísos fiscais nos quais não pagam impostos, ao invés de aparecer nas jurisdições onde as empresas realizaram esses lucros. É claro que isso é só parte do problema. Há outras práticas como o chamado preço de transferência. As multinacionais comercializam seus produtos entre suas próprias subsidiárias para pagar na jurisdição onde o imposto é mais baixo, algo que envolve cerca de um trilhão de dólares anuais, mais ou menos a mesma coisa que o re-faturamento.

Por que a evasão fiscal é tão fácil?

Jason Hickel: Porque as regras da Organização Mundial do Comércio permitem aos exportadores declarar o que bem entendam em suas declarações alfandegárias. Isso lhes permite subavaliar seus produtos para que paguem menos impostos. Isso não deveria nos surpreender dada a ausência de democracia interna da OMC.
O poder de negociação na OMC está determinado pelo tamanho do mercado e as decisões mais importantes são tomadas em reuniões do chamado “quarto verde”, administrado pelos países mais poderosos, de maneira que o comércio mundial termina sendo manipulado em favor dos ricos.

Curiosamente, no índice mais difundido em nível global sobre corrupção, o da Transparência Internacional, se apresenta um panorama exatamente oposto, ou seja, o mundo desenvolvido sofrendo nas mãos do mundo em desenvolvimento por causa dos estragos da corrupção. Qual sua opinião sobre esse índice?

Jason Hickel: Ele tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, se baseia na percepção da corrupção que há no próprio país. De maneira que os pesquisados não podem dizer nada sobre o que pensam acerca de outros modos de corrupção como, por exemplo, os paraísos fiscais ou a OMC. Em segundo lugar, como o índice mede mais percepções do que realidades, está exposto às narrativas dos departamentos de relações públicas.

A narrativa dominante é promovida por um complexo de organizações, desde o Banco Mundial até a USAID e passando por muitas ONGs, que centram o tema da pobreza na corrupção dos próprios países em desenvolvimento. De maneira que não surpreende que os entrevistados terminem refletindo essa visão. Além disso, os índices se baseiam em dados de instituições como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial. Estas instituições, que representam países ricos ocidentais, tem interesse direto em manter essa narrativa sobre a corrupção.

Dois países que costumam estar na vanguarda de todas estas denúncias sobre a corrupção no mundo em desenvolvimento são Estados Unidos e o Reino Unido. Qual é a situação real destes países a respeito da corrupção?

Jason Hickel: Segundo a Transparência Internacional, os Estados Unidos estão bastante livres da corrupção. Segundo a Rede Tax Justice, em troca, os Estados Unidos estão em sexto lugar no ranking da corrupção mundial, devido ao fato de que têm jurisdições secretas que permitem que funcionem como centros de evasão tributária. Além disso, sabemos que a corrupção atravessa o sistema político estadunidense. As corporações podem gastar dinheiro sem limites nas campanhas políticas para assegurar que seus candidatos sejam eleitos. Assim, não surpreende que mais da metade dos congressistas sejam multimilionários. E há outras formas de lobby político muito mais diretas.

Segundo a Rádio Nacional Pública, para cada dólar gasto pelas corporações em tarefas de lobby, elas obtêm um retorno de 220 dólares. E os sistemas regulatórios costumam ser capturados por gente dessas corporações que devem ser reguladas. O exemplo mais óbvio é Henry Paulson, o CEO de Goldman Sachs, que foi Secretário de Tesouro dos EUA e artífice do resgate que canalizou trilhões de dólares dos contribuintes para a banca privada.

Em resumo, as corporações abusam do Estado para seu próprio proveito, o que é a definição de corrupção da Transparência Internacional. O Reino Unido é outro grande exemplo. A City de Londres é um dos centros de funcionamento dos paraísos fiscais, de maneira que surpreende que o Reino Unido seja classificado pela Transparência Internacional como um país sem corrupção. E não é a única instância de corrupção. A privatização da infraestrutura pública, tanto do sistema nacional de saúde como a dos trens, permitiu que pessoas como o multimilionário Richard Bransen ganhassem milhões em subsídios estatais para sua empresa Virgin Trains.

Isso não elimina o fato de que a corrupção no mundo desenvolvido é real e tem um forte impacto social, econômico e institucional. Como deveria ser um índice neutro e justo sobre o tema da corrupção?

Jason Hickel: Certamente que a corrupção no mundo em desenvolvimento é real e não deve ser subestimada como problema. Mas é importante concentrar o olhar em formas de corrupção ocultas. No momento, o mais próximo que temos de um índice objetivo é o elaborado pela Rede Tax Justice. Neste índice, o ranking é elaborado considerando países responsáveis por ocultar cerca de 30 trilhões de dólares de riqueza em países fiscais. Se você olhar a lista verá que os países que encabeçam o ranking são Reino Unido, Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, Singapura, Estados Unidos, Líbano, Alemanha e Japão. Estes são os principais centros de corrupção que devemos enfrentar.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
copiado do: http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEconomia%2FSonegacao-dos-ricos-e-25-vezes-maior-que-corrupcao-nos-paises-em-desenvolvimento%2F7%2F30342

domingo, 15 de junho de 2014

A elite reserva ao país o mesmo lugar exortado à Presidenta

A virtude, a civilização, a sorte do desenvolvimento e os destinos da sociedade há muito deixaram de interessar a elite brasileira.

Quando a elite de uma sociedade se reúne em um estádio de futebol e a sua manifestação mais singular é um coro de ofensas de baixo calão, quem é o principal atingido: o alvo ou o emissor?

Vaias e palavrões são inerentes às disputas futebolísticas. Fazem parte do espetáculo, assim  como o frango e o gol de placa. A passagem de autoridades por estádios nunca foi impune.

O que se assistiu no Itaquerão, porém, no jogo inaugural da Copa, entre Brasil e Croácia, não teve nada a ver com o futebol ou deboche, mas com a disputa virulenta em curso  pelo comando da história brasileira.

Sem fazer parte da coreografia oficial o que aflorou ali foi a mais autêntica expressão cultural de um lado desse conflito, nunca antes assumido assim de forma tão desinibida  e ilustrativa.

Encorajado pelo anonimato, o gado OP (puro de origem) mostrou o pé duro dos seus valores.

Dos camarotes vips um jogral raivoso e descontextualizado despejou sua bagagem de refinamento e boas maneiras  sobre uma Presidenta da República em missão oficial.

Por quatro vezes, os sentimentos de uma elite ressentida contra aqueles que afrontam a afável, convergente e impoluta lógica de sociedade que vem construindo aqui há mais de cinco séculos, afloraram durante o jogo.

Foi assim que essa gente viajada, de hábitos cosmopolitas, que se envergonha de um Brasil no qual recusa a enxergar o próprio espelho, ofereceu a um bilhão de pessoas conectadas à Copa em 200 países uma síntese dos termos elevados com os quais tem pautado a disputa política no país.

Que Aécio & Eduardo tenham se esponjado nessa manifestação dá o peso e a medida do espaço que desejam ocupar no espectro da sociedade brasileira.

Dias antes, o ex-Presidente Lula havia comentado que nem a burguesia venezuelana atingira contra Chávez o grau de desrespeito e preconceito observado aqui contra a Presidenta Dilma.

Houve quem enxergasse nessas palavras uma carga de retórica eleitoral.

A cerimônia da 5ª feira cuidou de devolver pertinência  à observação.

A formação virtuosa da infância, o compromisso com a civilização, a sorte do desenvolvimento  e  os destinos da sociedade há muito deixaram de interessar à elite brasileira.

A novidade do coro contra  Dilma é refletir  o desejo  cada vez mais explícito  de mandar o país ao mesmo lugar exortado  à Presidenta.

Ou não será esse o propósito estratégico do camarote vip ao apregoar o descolamento da sociedade brasileira de uma vez por todas, acoplando-a à grande cloaca mundial de um capitalismo sem peias, onde se processa a restauração neoliberal pós-2008?

Nesse imenso biodigestor de direitos e desmanche do Estado acumula-se o adubo  no qual floresce  a alta finança desregulada, que tem nos endinheirados brasileiros  os detentores da 4ª maior fortuna do planeta evadida em paraísos fiscais.

Estudos da The Price of Offshore Revisited, coordenados pelo ex-economista-chefe da McKinsey, James Henry, revelam que os brasileiros muito ricos — que se envergonham de um governo corrupto —  possuíam, até 2010, cerca de US$ 520 bilhões  em paraísos fiscais.

O passaporte definitivo  para esse  ‘novo normal’ sistêmico requer a vitória, em outubro, das candidaturas que carregam no DNA o mesmo pedigree da turma que deu uma pala na festa de abertura da Copa. Não propriamente contra Dilma, mas contra o que ela simboliza: a tentativa de se construir por aqui um Estado social que assegure aos sem riqueza os mesmos direitos daqueles que enxergam no espaço público um mero apêndice do interesse plutocrático.

A expressão ‘vale tudo’ descreve com fidelidade o que tem sido e será, cada vez mais, o bombardeio para convencer o imaginário brasileiro das virtudes intrínsecas à troca do ‘populismo’ pelo estado de exceção de direitos e conquistas sociais, em benefício dos livres mercados.

A mídia está aí para isso, como se viu pela cobertura dos fatos da última 5ª feira.

Trata-se de saber em que medida o discernimento social, condicionado por uma esférica máquina de difusão dos interesses vips, saberá distinguir um caminho que desvie a nação do futuro metafórico reservado a ela nos planos, agora explicitados, de sua elite.

A indigência do espírito público dos endinheirados brasileiros, reconheça-se,  não é nova. Mas se supera.

O antropólogo Darcy Ribeiro foi um legista obcecado dos seus contornos e consequências para a formação do país, a sorte de sua gente e a qualidade do seu desenvolvimento.

Em um texto de 1986, ‘Sobre o óbvio — Ensaios Insólitos’, o criador da Universidade de Brasília, e chefe da Casa Civil de Jango, iluminou os traços dessa rosca descendente, confirmada  28 anos depois, em exibição mundial,  na abertura da Copa de 2014.

"Dois fatos que ficaram ululantemente óbvios. Primeiro, que não é nas qualidades ou defeitos do povo que está a razão do nosso atraso, mas nas características de nossas classes dominantes, no seu setor dirigente e, inclusive, no seu segmento intelectual. Segundo, que nossa velha classe dominante tem sido altamente capaz na formulação e na execução de projeto de sociedade que melhor corresponde a seus interesses. Só que este projeto para ser implantado e mantido precisa de um povo faminto, xucro e feio. Nunca se viu, em outra parte, ricos tão capacitados para gerar e desfrutar riquezas, e para sub-julgar o povo faminto no trabalho, como os nossos senhores empresários, doutores e comandantes. Quase sempre cordiais uns para com os outros, sempre duros e implacáveis para com subalternos, e insaciáveis na apropriação dos frutos do trabalho alheio. Eles tramam e retramam, há séculos, a malha estreita dentro da qual cresce, deformado, o povo brasileiro (...) porque só assim a velha classe pode manter, sem sobressaltos, este tipo de prosperidade de que ela desfruta, uma prosperidade jamais generalizável aos que a produzem com o seu trabalho.

A primeira evidência a ressaltar é que nossa classe dominante conseguiu estruturar o Brasil como uma sociedade de economia extraordinariamente próspera. Por muito tempo se pensou que éramos e somos um país pobre, no passado e agora. Pois não é verdade. Esta é uma falsa obviedade. Éramos e somos riquíssimos! A renda per capita dos escravos de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais — eles duravam em média uns cinco anos no trabalho — mas a renda per capita dos nossos escravos era, então, a mais alta do mundo. Nenhum trabalhador, naqueles séculos, na Europa ou na Ásia, rendia em libras — que eram os dólares da época — como um escravo trabalhando num engenho no Recife; ou lavrando ouro em Minas Gerais; ou, depois, um escravo, ou mesmo um imigrante italiano, trabalhando num cafezal em São Paulo. Aqueles empreendimentos foram um sucesso formidável. Geraram além de um PIB prodigioso, uma renda per capita admirável. Então, como agora, para uso e gozo de nossa sábia classe dominante. A verdade verdadeira é que, aqui no Brasil, se inventou um modelo de economia altamente próspera, mas de prosperidade pura. Quer dizer, livre de quaisquer comprometimentos sentimentais. A verdade, repito, é que nós, brasileiros, inventamos e fundamos um sistema social perfeito para os qe estão do lado de cima da vida.

O valor da exportação brasileira no século XVII foi maior que o da exportação inglesa no mesmo período. O produto mais nobre da época era o açúcar. Depois, o produto mais rendoso do mundo foi o ouro de Minas Gerais que multiplicou várias vezes a quantidade de ouro existente no mundo. Também, então, reinou para os ricos uma prosperidade imensa. O café, por sua vez, foi o produto mais importante do mercado mundial até 1913, e nós desfrutamos, por longo tempo, o monopólio dele. Nestes três casos, que correspondem a conjunturas quase seculares, nós tivemos e desfrutamos uma prosperidade enorme. Depois, por algumas décadas, a borracha e o cacau deram também surtos invejáveis de prosperidade que enriqueceram e dignificaram as camadas proprietárias e dirigentes de diversas regiões. O importante a assinalar é que, modéstia à parte, aqui no Brasil se tinha inventado ou ressuscitado uma economia especialíssima, fundada num sistema de trabalho que, compelindo o povo a produzir, o que ele não consumia — produzir para exportar — permitia gerar uma prosperidade não generosa, ainda que propensa desde então, a uma redistribuição preterida.

Enquanto isso se fez debaixo dos sólidos estatutos da escravidão, não houve problema. Depois, porém, o povo trabalhador começou a dar trabalho, porque tinha de ser convencido na lei ou na marra, de que seu reino não era para agora, que ele verdadeiramente não podia nem precisava comer hoje. Porém o que ele não come hoje, comerá acrescido amanhã. Porque só acumulando agora, sem nada desperdiçar comendo, se poderá progredir amanhã e sempre. O povão, hoje como ontem, sempre andou muito desconfiado de que jamais comerá depois de amanhã o feijão que deixou de comer anteontem. Mas as classes dominantes e seus competentes auxiliares, aí estão para convencer a todos — com pesquisas, programas e promoções — de que o importante é exportar, de que é indispensável e patriótico ter paciência, esperem um pouco, não sejam imediatistas. O bolo precisa crescer; sem um bolo maior — nos dizem o Delfim lá de Paris e o daqui — sem um bolo acrescido, este país estará perdido. É preciso um bolo respeitável, é indispensável uma poupança ponderável, uma acumulação milagrosa para que depois se faça, amanhã, prodigiosamente, a distribuição.
      
A classe dominante brasileira inscreve na Lei de Terras um juízo muito simples: a forma normal de obtenção da prioridade é a compra. Se você quer ser proprietário, deve comprar suas terras do Estado ou de quem quer que seja, que as possua a título legítimo. Comprar! É certo que estabelece generosamente uma exceção cartorial: o chamado usucapião. Se você puder provar, diante do escrivão competente, que ocupou continuadamente, por 10 ou 20 anos, um pedaço de terra, talvez consiga que o cartório o registre como de sua propriedade legítima.

Como nenhum caboclo vai encontrar esse cartório, quase ninguém registrou jamais terra nenhuma por esta via. Em consequência, a boa terra não se dispersou e todas as terras alcançadas pelas fronteiras da civilização, foram competentemente apropriadas pelos antigos proprietários que, aquinhoados, puderam fazer de seus filhos e netos outros tantos fazendeiros latifundiários. Foi assim, brilhantemente, que a nossa classe dominante conseguiu duas coisas básicas: se assegurou a propriedade monopolística da terra para suas empresas agrárias, e assegurou que a população trabalharia docilmente para ela, porque só podia sair de uma fazenda para cair em outra fazenda igual, uma vez que em lugar nenhum conseguiria terras para ocupar e fazer suas pelo trabalho. A classe dominante norte-americana, menos previdente e quiçá mais ingênua, estabeleceu que a forma normal de obtenção de propriedade rural era a posse e a ocupação das terras por quem fosse para o Oeste — como se vê nos filmes de faroeste. Qualquer pioneiro podia demarcar cento e tantos acres e ali se instalar com a família, porque só o fato de morar e trabalhar a terra fazia propriedade sua. O resultado foi que lá multiplicou um imenso sistema de pequenas e médias propriedades que criou e generalizou para milhões de modestos granjeiros uma prosperidade geral. Geral mas medíocre, porque trabalhadas por seus próprios donos, sem nenhuma possibilidade de edificar Casas-grandes & Senzalas grandiosas como as nossas".

Saul Leblon
No Carta Maior via  http://www.contextolivre.com.br/2014/06/a-elite-reserva-ao-pais-o-mesmo-lugar.html

Canalhice da elite bandida paulista ajudou Dilma eleitoralmente


Pra sabadear na Arena Corinthians, Itaquera, São Paulo
Rui Daher - Terra Magazine

Estava difícil de imaginar? Por acaso o evento não era programado acontecer no Estado mais conservador, mais paroquial, menos brasileiro, onde a meritocracia imigratória e o feudalismo do patronato rural se autoproclamaram locomotivas do País?

Ou já esqueceram do que vicejou politicamente por aqui? Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf. Os raros intermezzos progressistas foram similares ao rinoceronte Cacareco que, nas eleições de 1959, foi o vereador mais votado.

Não foi em São Paulo que se pretendeu todo o empresariado no aeroporto, fugindo de um eventual governo que promovesse qualquer forma de inserção social?

Em 1964, a democracia não ficou a esperar o juramento do general Amaury Kruel de respeito à Constituição? Veio? 

Em que terras vocês acham que ainda marcha o cotidiano da Tradição, Família e Propriedade? O PSDB teria abandonado seus mais leves matizes de esquerda não tivesse percebido que somente à direita conquistaria o Estado e daqui o Planalto?

Como se faz nas escolinhas de futebol, em São Paulo se formam os principais craques que irão brilhar no time do ASEFC (Acordo Secular de Elites Ferrador Clube).

Algo esquizofrênico permeia a sociedade paulista. Ferrada, reclama e pede. Brindada, acha que mereceu, se vê exclusiva e cerra as portas para os que perderam o bonde.

“Eu estudei, eu trabalhei, eu formei meus filhos com muita luta, eu comprei meu carro”. Só você, certo? O Zé do Lote 14, em Nossa Senhora das Dores, no Agreste Sergipano, bobeou.

Dilma Rousseff lutou contra um Estado opressor, foi presa e torturada, passou por doença grave. Economista, ministra, foi eleita presidente na democracia e, através dela, garante ver-se diuturnamente criticada em sua gestão. Incomodar-se-ia de ser vaiada e xingada por plateia da ralé endinheirada desta província?

Dentre as autoproclamações paulistas está contar com os mais bem preparados aparelhos educacionais. O mais antigo e rápido processo de industrialização. Capitalismo financeiro em moldes potentes e modernos. 

Aqui se originou a franja mais significativa que comanda o Poder Executivo há quase 20 anos, por partidos aqui criados.

Pois, neste mesmo lugar, Arena Corinthians, Itaquera, São Paulo, essa força de grana, produção e cultura emburreceu e entregou, de mão beijada, apoio geral ao adversário que pretende destruir.

Merecem.  
Vi no, http://esquerdopata.blogspot.com.br/2014/06/canalhice-da-elite-bandida-paulista.html

A sombra do povo e a insônia dos grã-finos


"É preciso aproveitar a oportunidade do debate para questionar o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e a concentração da propriedade na mídia 

Sebastião Velasco, Carta Maior

Não bate! O clamor que tomou conta dos arraiais do conservadorismo brasileiro desde o anúncio do Programa Nacional de Participação Social, há alguns dias, decididamente não combina com a empáfia impostada de seus representantes políticos.

Como é que é? Aposentadoria antecipada para Dilma, seis meses antes do pronunciamento das urnas? De que vale o sarcasmo de Aécio e assemelhados, quando ele é desmentido cotidianamente por seu patente nervosismo?

Fernando Henrique Cardoso falava ao país em cadeia nacional, e estava tudo muito bem. Por que a cólera? Por que o afã em punir com os rigores de uma lei reinventada para esse propósito, toda vez que Dilma Roussef faz isso?

A mesma pergunta vale para o decreto 8.243. Mal publicado no Diário Oficial,  ele foi denunciada pelos porta-vozes acreditados do conservadorismo pátrio como peça axial do programa insidioso do PT de transformar em ditadura popular disfarçada nossa ainda frágil democracia. 

Mas a incongruência entre o objetivo suposto e o instrumento empregado salta à vista. Um decreto não tem o condão de alterar a ordem constitucional do país. Exercício unilateral de poder do chefe do executivo, ele pode ser modificado -- ou simplesmente revogado  --  por outro decreto, em qualquer instante.

Ora, ninguém em sã consciência imagina que o governo venha a se lançar em obras de complexa engenharia institucional nos próximos meses. Terminada a Copa, a campanha eleitoral nas ruas, todos os esforços do PT estarão concentrados na tarefa de conquistar os votos necessários para manter os postos que detém no presente e conquistar outros novos. 

Como essa é uma tarefa inglória, posto que o país rejeita o PT  -- assim nos garantem  -- e tudo que a ele se associa   não há porque perder o sono. A revogação do malfadado decreto será o primeiro ato do próximo Presidente da República.

Seria essa a atitude dos opositores se estivessem tranqüilos. Mas eles não estão tranqüilos. A ansiedade perturba-lhes o sono, e nas noites mal dormidas tomam sombras por seres reais assustadores, aos quais reagem com alarde como se verdadeiramente perseguidos. 

Melhor assim. Ao expressar em palavras o sentimento de ameaça que os aflige esses personagens se descobrem e ao fazer isso se expõem à crítica. Se nenhum outro mérito tivesse, o decreto em questão mereceria aplausos por isso. 

O que os seus detratores vêem de tão nocivo nele?  Um abuso de poder, um atentado à Constituição, uma tentativa perversa de manietar o Congresso, submetendo-o  à vontade de grupos orquestrados, parcamente representativos.  

Contra a sordidez desse propósito, que vem embalado na retórica enganosa da democracia participativa, os opositores defendem-se tirando do baú idéias arcaicas sobre o governo representativo. De acordo com estas, a vontade do povo se expressa na livre escolha de seus governantes. No intervalo entre uma eleição e outra, cabe aos cidadãos perseguir seus interesses privados, nos limites da lei, atentos tanto quanto possível à gestão da coisa pública.  Mas isso eles não podem fazer solitariamente. Para tanto, necessitam de fontes críveis de informação e da possibilidade de trocar idéias sobre os problemas em pauta. A liberdade de expressão é inerente, pois, a essa forma de governo, que tem na opinião pública a sua contrapartida. É esta que faz a ponte entre representantes e representados no curso rotineiro da vida política. 

O problema com essa concepção, que passou a salpicar as páginas dos jornais nos últimos dias, é que ela tem muito pouco a ver com a maneira como funcionam as democracias contemporâneas. E muito menos ela tem com a operação real de nossa organização política.

Ao dizer isso não penso apenas na existência consolidada de Conselhos, Fóruns e outros mecanismos de diálogo e aconselhamento, que vêm se multiplicando nos mais diversos ramos da administração pública brasileira já há muito tempo. Nem nas relações simbióticas entre o Banco Central e o mercado financeiro, que constituem um elemento estrutural publicamente reconhecido da política de metas inflacionárias em vigor no País desde o final da década de 1990.  

Refiro-me à posição estruturalmente privilegiada que os detentores do poder econômico desfrutam em qualquer sociedade capitalista, e do franco acesso aos centros decisórios que tal condição lhes faculta. Situação geral que se vê reforçada no Brasil pelos índices escandalosos de concentração de renda e riqueza, e pela qualidade deplorável, com as exceções de praxe, da grande imprensa falada e escrita, quase inteiramente controlada entre nós por um punhado de famílias. 

A Política Nacional de Participação Social assusta porque encerra a promessa de corrigir parcialmente esse viés  --  para o bem da gestão das políticas públicas e a qualidade de nossa tão imperfeita democracia. E assusta tanto mais porquanto dentro de alguns meses a promessa pode começar a ser cumprida. 

A ofensiva contra os Conselhos tem, portanto, caráter eminentemente defensivo. Com ela os conservadores pretendem levar o governo a recuar desse projeto, antes mesmo que a batalha das urnas seja ferida. 

Mas por isso mesmo a resposta a ela não pode ser tímida. Não se trata de defender o decreto 8.243, e com ele todos os mecanismos de representação social que hoje existem. É preciso aproveitar a oportunidade do debate para questionar o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e a concentração da propriedade na mídia. Em uma palavra, diante do ataque a reação correta é partir para cima. 

Mas não se atormentem, senhores e senhoras. Para cima na luta de idéias. Para cima, no bom sentido."