sábado, 28 de setembro de 2013

Pula-pula partidário



Os 34 congressistas que migrarão para os novatos Pros e Solidariedade, criados esta semana no TSE, estão acostumados a mudar de legenda. Somados, eles completarão 80 trocas de siglas na carreira política

Os pelo menos 34 parlamentares que constam na lista dos dirigentes do Solidariedade e do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) como futuros filiados somarão 80 mudanças de partido ao longo da trajetória política, caso confirmem a migração para as duas legendas mais recentes do país. Levantamento do Correio mostra que o recordista entre eles está migrando para o sétimo partido. Mas o deputado licenciado Maurício Trindade (BA) não está sozinho entre congressistas que estão acostumados ao troca-troca de siglas. Dos 34, 23 mudarão de legenda pelo menos pela terceira vez na carreira.

Na bagagem para os novos partidos, serão levadas 13 ações penais em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e 30 inquéritos na Corte. Os processos referem-se a crimes eleitorais, ambientais, fraude de documentos, irregularidades em licitações e corrupção. O Solidariedade — liderado pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SP), ligado à Força Sindical — e o Pros conseguiram registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última terça-feira. O primeiro contabiliza ao menos 23 congressistas e o segundo, 11.

De saída do PR, Maurício Trindade será o presidente do Pros na Bahia. Secretário de Promoção Social e Combate à Pobreza da Prefeitura de Salvador, ele alega que a mudança, a despeito da primeira impressão, é uma questão de coerência. “Sou secretário do prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) e meu atual partido está com o governo estadual. Nas eleições do ano que vem, o ACM Neto fará oposição ao governador Jaques Wagner (PT)”, diz.

Sobre as trocas anteriores (PPB, PSC, PST, PSDB, PL e PR), Trindade argumenta que o PPB acabou e foi se desdobrando em outros partidos. “As legendas que foram mudando. O PDC virou PRB, que virou P…”, confunde-se. Para ele, o troca-troca se justifica pelo fato de “os partidos do Brasil terem dono”. “E se o dono quer ir para um lado, a gente não é obrigado a ir com ele”, argumenta, acrescentando que também não há ideologia partidária no resto do mundo. “A China comunista está tomando Coca-Cola.”

Falta de espaço

Entre os 23 que caminham, no mínimo, para seu terceiro partido, está o deputado Marcos Medrado (BA), que já passou pelo PRN, PP e PDT, sigla que vai deixar na semana que vem para se filiar ao Solidariedade. O congressista disse ao Correio que só deixará a sigla pela qual foi eleito em 2010 por falta de espaço.

“Tenho 30 anos de vida pública e agora estou saindo por conta de inviabilidade com a direção atual do PDT. Fiquei 20 anos no PP antes. Não gosto muito de mudar de partido”, afirmou Medrado, que é investigado em dois inquéritos que tramitam no STF. “Não respondo a nada por corrupção. (A apuração no Supremo) é por causa de uma propriedade”, frisou, para detalhar o motivo do inquérito no qual o Ministério Público investiga suposto crime ambiental.

Já o deputado Carlos Manato (ES) vai ingressar em seu terceiro partido. Ele assinou a ficha de filiação ao Solidariedade anteontem. “Houve problema de espaço no partido (PDT), no âmbito estadual. Por isso, vi uma oportunidade maior para eu crescer no Solidariedade”, admitiu o parlamentar, que será presidente da sigla no Espírito Santo. Manato rejeita a pecha de que seja mais um a trocar indiscriminadamente de partido. Ele relata que se candidatou em 1994 pelo PSDB, mas deixou de militar até ingressar em 2001 no PDT, onde ficou mais de 12 anos.

Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), casos como o do deputado Maurício Trindade mostram que há políticos que têm “no DNA o hábito de mudar de partido”. “O ex-vereador de Goiás que está à frente do Pros já trocou de partido, senão me engano, quatro vezes. Isso mostra que o sujeito é do ramo, a troca de partidos está no DNA dele”, frisou Fleischer, ao se referir ao presidente do partido, o ex-vereador de Planaltina de Goiás Eurípedes Júnior.

Na avaliação de Fleischer, os parlamentares que desembarcam nas agremiações recém-criadas buscam mais espaço e segurança, pois sabem que no Pros e no Solidariedade não correrão o risco de perderem o mandato por infidelidade partidária. “Falamos que existem partidos de aluguel, mas também há os deputados de aluguel”, afirmou Fleischer, sem se referir a um político específico.

Vaivém eleitoral

Os novatos, Solidariedade e Pros, garantem que atraíram pelo menos 34 parlamentares para as legendas

- Juntos, esses 34 congressistas já trocaram de partido 46 vezes

- Caso migrem para as novas legendas, completarão 80 trocas

- Um deles, o deputado Maurício Trindade (PR-BA), está indo para o sétimo partido

- É, no mínimo, a terceira troca de sigla de 23 deles

- Dos 34, apenas nove nunca trocaram de legenda

- Nove parlamentares respondem a ações penais


"O mensalão PSDB-MG é lindo"

Da ISTO É Independente  - 28/09/2013

Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?

 

Paulo Moreira Leite


O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.  
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade. 

Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos infringentes.

Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.

A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.

Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.

Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.

Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.

Ninguém conhece muitos  detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.

Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.

Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula?

A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.


Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil.  Ele foi  condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.

Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.

O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,  remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.

Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.

Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para  quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.

Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros  – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.


Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”,  nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.

Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?

Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente  sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.


Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.

Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,  butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.

No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF atrás de si.  

Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer  pizza. O STF veio atrás, como o presidente   Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.

É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.

Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.

Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.


Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores. 

Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir? 

É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.


Paulo Moreira LeiteDiretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

O “mensalão” e a disputa política: rendez-vous da mídia

A repercussão da decisão do Superior Tribunal Federal (STF) por um novo julgamento de alguns envolvidos na Ação Penal 470, apelidada pela mídia de “mensalão”, mostra o afloramento de contradições profundas no Brasil. E elas se manifestam, nas condições atuais do país, principalmente na disputa eleitoral, que tende a ter desdobramentos cada vez mais dramáticos. Esse cenário vem sendo revelado nitidamente pelo comportamento histriônico da mídia.


O famoso orador Marco Túlio Cícero dizia que Roma era um assunto sobre o qual não se devia pedir nem receber informações, a fim de evitar aborrecimentos. Recordo a citação para dizer que a mídia no Brasil se comporta como Roma ao ignorar a sabedoria humana e conferir a si própria o título e as credenciais de senhora do bem e do mal, do que convém ou não ao país. Os adjetivos peremptórios — quadrilha, crimes, corruptos e outros do gênero — usados como indisfarçável despeito pela decisão do Superior Tribunal Federal (STF) sobre o julgamento da farsa do “mensalão” são provas mais do que suficientes de que os senhores dos latifúndios midiáticos não se ajustam às medidas do Estado de Direito.

Ao se comportar assim, a mídia age como uma espécie de Ku-Kux-Klan da falsa moralidade. Às vezes fazem isso até em nome das religiões, que do alto dos seus milênios de existência não lhes deram procuração para tanto. Peguemos o exemplo do elogio do jornal Folha de S. Paulo a uma afirmação do ministro Gilmar Mendes. “Eu sempre digo o seguinte: a gente tem que rezar para não perder o senso de Justiça. Mas se Deus não nos ajuda, pelo menos que rezemos para que não percamos o senso do ridículo", disse Mendes.

Fator humano

A marca da mídia à brasileira é exatamente a ojeriza ao pensamento avançado, humanista. A cada dia ela nos apresenta exemplos dos mais edificantes. E sempre há uma teoria. Mas são teorias do que seria-se-fosse, baseadas em características e fenômenos de um país que eles imaginam, muito diverso do país real. Equacionar, operar, extirpar e outros vocábulos os embalam em seus cálculos frios.

Os números aparecem em esquemas e equações que não partem de realidades. São fantasias e fantasmagorias que não se destinam a descobrir, orientar, provar, mas... Se destinam a que precisamente? A sofismar, a mistificar e mitificar, a ludibriar. Qualquer que seja o problema, por mais complexo e multiforme, não lhes faltam engenho e arte para transformá-lo em gráficos e diagramas para dar-lhe denominação própria e original. Mas não lhe dão especificidade, ou não querem lembrar que informar e analisar requer arte e ciência, essencialmente ligadas ao homem. Nenhum resultado se pode esperar de informações e análises que eliminam o fator humano.

Delírio teorizante

Nessa pregação pela moralidade, o delírio teorizante atinge o auge. Como a presunção é o traço mais evidente dos responsáveis por essas informações e análises, eles insistem no diagramar, no cronogramar, no organogramar, no topogramar para ver se com o inusitado da linguagem obtêm crédito. Pensam que podem vencer pelo choque, pelo cansaço do prolixo. Pode-se dizer que é uma mídia nominalista. Se a realidade — onde coisas e fenômenos estão há muito nominados — não corresponde às análises, muda-se o nome das coisas e fenômenos.

Pois saibam os que não sabiam que esse gosto pelo nome dos que se presumem detentores da verdade chega até à limitação da liberdade de opinião. São eles que mandam e acabou a história. De propósito, esses senhores de sua semântica esvaziam o conteúdo das informações para pôr no lugar frases retorcidas. E como eles inventam nomes com facilidade, suas explicações se encaixam naquele tipo de resposta que se dá às crianças de certa idade que não perguntam para saber, mas pelo perguntar.

Mal de nascença

Essa dissemântica é velha, mal de nascença. Entre seus princípios está a pregação contra a corrupção. Hoje, sabe-se muito bem, a corrupção tem um limite semântico — o tal “mensalão” — só compreendido por aqueles que o inventaram. Mas para a propaganda contra o governo e a esquerda o nome não poderia ser melhor. É só isso. Porque se fosse mesmo corrupção nas dimensões anunciadas, no conceito da língua portuguesa, já teríamos tido exposições monumentais em praça pública de ladrões cercados de cartazes especificando os crimes de cada um.

O que há em tudo isso é o estardalhaço natural de quem falsifica os fatos — principalmente quando lhe faltam glórias próprias. Muitas vezes essas falsificações são imposições a jornalistas, massacrados pela ditadura dos donos do poder, que sequer têm tempo de estudar as leis e meditar sobre os problemas nacionais, de auscultar o coração do povo, de ler e entender os processos sociais. Muitos nem foram formados neste espírito e, em terra de batráquio, precisam se agachar para não ser atingido pela língua do sapo.

Ruy Barbosa e Padre Vieira

Quem vive sob a égide do Estado de Direito tem a proteção da Constituição e de outras cartas. E Ruy Barbosa deixou escrito que a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse. Poderíamos, nesse vazio de inteligência da mídia, nos consolar com as palavras do Padre Vieira, no “Sermão da Sexagésima”, onde se vê a causa dessa pregação recheada de ameaças ou promessas, uma discurseira que põe palavras onde faltam idéias. Lá se diz: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. (...) O que sai da boca, para nos ouvidos, o que nasce do juízo, penetra e convence o entendimento.”

Mas é necessário que a bandeira da verdade nunca seja arriada. Apesar de a maioria das acusações, convenientemente, já estar sepultada em cova rasa — sem nenhuma investigação a mais, sem nenhuma satisfação ao público, sem nenhuma retratação —, a dissemântica continua ativa. Desde o princípio, as denúncias — sustentadas em fontes que se revelariam frágeis como a convicção de um cínico — esbarram em uma questão de lógica básica. Um mergulho nas páginas publicadas sobre o caso revela muito sobre a maneira como são produzidos — e depois manipulados — os escândalos.

Latifúndios de mídia

Em uma carta aos seus alunos — indevidamente publicada pelo jornal Folha de S. Paulo —, a filósofa Marilena Chaui disse que com esta imprensa estamos diante de um campo público de direitos regido por campos de interesses privados. "E estes sempre ganham a parada", afirma ela. No caso da farsa do “mensalão”, a mídia apressou-se em publicar frases bombasticamente vazias, como uma do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Segundo ele, os papéis que seriam aprendidos pela CPI dos Correios seriam capazes de "abalar os pilares da nação". Depois, quando a realidade se mostrou bem menos formidável, Álvaro Dias teve de baixar o tom: "Eu queria que a coisa fosse bem maior, mas não é".

Esse fato deveria ser objeto de demorado estudo por parte dos editores de publicações de qualquer natureza. Mas não é assim. Cláudio Abramo, conceituado jornalista com ideias situadas à esquerda no espectro político e respeitável ícone do jornalismo brasileiro — ele conheceu as entranhas de jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo —, dizia que para ter democracia no Brasil é preciso começar fechando todas as TVs particulares. Esses latifúndios de mídia, dizia ele, são as primeiras trincheiras usadas pelas classes dominantes em casos de crises políticas. Ele não fez uma tirada inconsequente — apenas disse o que acontece. Não porque achava, mas porque sabia.

Propaganda ideológica

O tom da pregação moralista revela também que as relações entre o governo da presidenta Dilma Rousseff e a mídia estão em seu pior momento. Blogs, colunas, editoriais e peças pretensamente humoristas propagam uma onda conservadora que chama a atenção e faz pensar. Antes, havia a histeria da denunciamania que cavalgava o “mensalão”; agora, assume a pauta a propaganda ideológica fundada no rancor político, no ódio de classes e no reacionarismo.

Os mandantes da mídia sequer são capazes de admitir a ideia de que as pessoas que não seguem seu figurino ideológico não são necessariamente “petistas”. Basta ser democrata e progressista para ser enquadrado nesta categoria. O epíteto passou a ser sinônimo de xingamento. O ser “petista” é alguém que não pensa, que está na contramão dos fatos. A explicação mais plausível para isso é a aproximação das eleições de 2014.

Oportunidade perdida

Na verdade, a direita, com essa farsa, atrapalhou uma excelente oportunidade para a apuração rigorosa das origens do escândalo. Durante a CPI dos Correios, a então ministra do STF Ellen Gracie proibiu o acesso dos parlamentares ao conteúdo da principal peça do computador do banqueiro Daniel Dantas sob a alegação de que o requerimento do então deputado Jamil Murad (PCdoB-SP) precisava ser melhor fundamentado. Suspeitava-se que ali estaria os detalhes de um fundo, sediado nas Ilhas Cayman, que aplicava dinheiro de doleiros acusados de operar no esquema de Dantas.

Vale rememorar o despacho da juíza: ''As transações das empresas de publicidade DNA e SMP&B não se deram com o Banco Opportunity, mas com algumas das controladas pelo chamado Grupo Opportunity (dirigido por Dantas). Todas essas empresas (Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular) têm personalidade jurídica própria, inconfundível com a de sua entidade controladora, muito embora os nomes em suas diretorias se repitam com freqüência e sejam ligados por laços de parentesco ou afinidade ao primeiro impetrante (Dantas)''.

Prócer tucano

Em depoimento à CPI, tanto Marcos Valério quanto o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), Delúbio Soares, confessaram encontros com representantes do Opportunity. O objetivo seria ''aparar as arestas'' do banqueiro com o governo. O motivo real era o esquema de irrigação subterrânea de campanhas eleitorais arquitetado pelos tucanos. Na Procuradoria-Geral da República, Delúbio Soares disse que foi apresentado ao publicitário por ''amigos de Minas'' — incluindo o então deputado federal Virgílio Guimarães (PT). Eles teriam lhe orientado a procurar Marcos Valério por causa da sua ''experiência na captação de recursos para campanhas eleitorais, como fizera na de 1998, na eleição do então governador Eduardo Azeredo e do deputado Aécio Neves (ambos do PSDB)''.

Diante dos fatos, o PSDB mineiro lançou nota denunciando a existência de uma ''articulação nacional'' (não deu detalhes sobre a conspiração) e criticou o “clima de denuncismo”. Ao tomar conhecimento da profundidade do buraco, o principal prócer tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), se saiu com essa: ''Precisamos investigar tudo, mas sem perder o foco de que a crise é hoje. O que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da história.'' Bem, uma das características mais marcantes do ex-presidente neoliberal é a sua capacidade de dizer bobagens. Mas os que pregam em nome da justiça não poderiam ignorar estes fatos se quisessem realmente provar a existência do “mensalão”.

Corvo de Allan Poe

Há informações de que o esquema do PSDB existe desde o início dos anos 1990 e tem outras ramificações. Entre janeiro e maio de 2004, por exemplo, a agência do Banco Rural em Brasília fez pagamentos em espécie no total de 7,9 milhões de reais ao Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e Qualidade em Transporte, órgão vinculado à Confederação Nacional dos Transportes (CNT), presidida por Clésio Andrade — que foi vice-governador de Aécio Neves em Minas Gerais. O dinheiro seria usado em campanhas para prefeitos e vereadores mineiros. Detalhe: Andrade foi sócio de Marcos Valério na SMPB e na DNA.

Seria o caso de ir mais fundo e analisar os escândalos que proliferaram na ''era FHC'', um se sobrepondo ao outro. Compra de votos da reeleição, “caixa dois” da campanha presidencial, fitas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)... Era como se a realidade desejasse impor uma máxima inversa à do corvo de Allan Poe: ''Sempre mais''. Poderia ainda verificar as acusações contra Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e apontado como um dos arrecadadores de recursos para campanhas eleitorais do PSDB — que foi flagrado dizendo que atuava no ''limite da irresponsabilidade'' no processo de privatização do sistema Telebrás.

Julgamento parcial

O grampo do BNDES talvez seja o exemplo mais evidente para se estabelecer a conexão de todos esses escândalos tucanos com o ''mensalão''. O caso, que trouxe ao nível da superfície o palavrório utilizado nos subterrâneos da privatização das telefônicas, pode explicar muita coisa. Soube-se que ''o maior negócio da República'', tramado por Luiz Carlos Mendonça de Barros — então do Ministério das Comunicações — e André Lara Resende — então na presidência do BNDES —, fora trançado numa atmosfera de alto risco (''no limite da irresponsabilidade''), em meio a um linguajar raso (''se der m..., estamos juntos'') e com pitadas de truculência (''temos de fazer os italianos na marra'').  Soube-se ainda que FHC, quando consultado sobre as “vantagens” da negociata destinada a favorecer o Opportunity, assentiu dizendo: ''Não tenha dúvida, não tenha dúvida.'' Mas, como se diz, a Justiça é ágil em certos casos e cágada — a sílaba tônica fica a seu critério — em outros.

A cobertura do julgamento parcial — nos dois sentidos do termo — do “mensalão”, no entanto, oferece mais uma oportunidade para se entender o que isso tudo quer dizer na prática. Não há dúvida de que a mídia agora volta a tentar pôr a faca no pescoço da presidenta Dilma Rousseff e conduzi-la imobilizada ao matadouro. É uma tentativa de fazer uma ponte com outros casos e criar o chamado efeito dominó. Tradução simples e direita: para desgosto dos amantes da tranquilidade, a disputa pelo poder no Brasil volta a ter intensidade crescente. O responsável por esta situação é o leve balanço na estrutura social brasileira provocado pelas ações sociais dos governos Lula e Dilma.

Realidade complexa

Vivemos numa realidade tão complexa que a construção de uma simples rede de esgoto em alguma periferia ou de uma estrada asfaltada que rasga os sertões rompe ao mesmo tempo o véu das relações sociais obsoletas que temos no Brasil. E olha que são medidas meia-sola, que nem de longe ameaçam o satus quo. Com estes dados, fica fácil entender por que o vazio de propostas da direita é preenchido com adjetivos. No primeiro julgamento do "mensalão", o que mais se ouviu ou leu é que o STF tomou uma decisão histórica — com ênfase no “tó” — e que a transformação dos denunciados em réus — com ênfase no “ré” — mostrou que as “instituições” funcionavam. Agora, a retórica midiática se inverteu.

Convenhamos, não se faz justiça assim. O problema não está aí. Se estivesse, deveríamos proclamar: deixem os poderes da República trabalhar e noticiemos o que eles fazem! Os procuradores de escândalos e os promotores de injustiças não teriam vez. E aí sim teríamos toda razão do mundo para clamar por justiça para todos — independente da cor ideológica de cada um.

Rosca sem fim

Quando o assunto é tratado sem as bravatas e foguetórios da mídia, e sem o histrionismo dos grupos “esquerdistas” — uma poderosa arma da direita —, o que se vê é um panorama bem diferente. A briga real, com fichas de verdade na mesa, está no confronto entre um Brasil arcaico, que faz tudo para sobreviver, e um Brasil moderno, que está tentando começar. As calamidades que a elite brasileira foi capaz de produzir ao longo da história e parece decidida a continuar produzindo, numa espécie de rosca sem fim, ilustram essa situação de modo exemplar. É uma situação que pode ser descrita como o retrato da morte moral de uma ideologia que vive na delinquência e se agarra a todas as formas de poder para continuar a delinquir em larga escala.

Todas essas coisas compõem o enredo da ópera, mas o seu melhor resumo não é o tamanho da vigarice, e sim a sua natureza: ela expressa, mais do que um espetáculo de má conduta, o funcionamento a todo o vapor do país do atraso. O Brasil que vive do passado vai muito além da mídia — inclui forças políticas e práticas elitistas que sempre estiveram presentes em toda a nossa história. Na verdade, essa opção preferencial pelo arcaísmo, pela imobilidade social e pelo que não funciona é simplesmente o que se poderia mesmo esperar de um setor da sociedade que carrega usos e costumes que chegaram com a turma que desembarcou por aqui junto com Pedro Álvares Cabral.

Sentimento patriótico

Conferir credibilidade ao seu projeto equivale a fundar, hoje, um partido a favor do colonialismo. Não é com o governo que a direita realmente está em guerra. O seu problema é com o Brasil que não quer mais ser o mesmo. Ela guerreia com este Brasil em transformação pelo menos desde o início da década de 1940 do século XX. O problema é que de 1950 para cá a direita tem obtido poucas vitórias. De meados dos anos 1950 em diante, as forças populares deixaram de ser marginais para tornarem-se capazes de influir no grande jogo político do país.

Um exemplo disso foi a atitude de Juscelino Kubitschek que, em sua campanha eleitoral para a Presidência da República, conforme ele mesmo disse, foi forçado a reformular a sua proposta de governo sobre o petróleo por conta do sentimento patriótico entre o povo desenvolvido pelas forças progressistas. Fatos como este se repetiram nos governos Jânio Quadros e João Goulart, e refletiam o crescimento das correntes políticas populares. A eleição de Miguel Arraes para governador do Estado de Pernambuco marcou a entrada em cena, naquela conjuntura, de uma tendência política desvinculada dos esquemas tradicionais.

Ações golpistas

Foi o suficiente para alarmar as forças conservadoras, atiçando o seu instinto de sobrevivência. A vida política do país foi se conturbando com o aprofundamento do choque entre os dois campos. E a UDN — o PSDB da época —, com suas faces gráfica, fardada e política, que havia sido batida com a renúncia de Jânio Quadros, partiu para a pregação golpista sem meias palavras. A situação se complicou quando surgiu a questão da sucessão presidencial, que deveria se dar em 1965.

O campo progressista discutia os nomes do próprio Juscelino Kubitschek, de Miguel Arraes, do ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e até a saída extraconstitucional da reeleição de Goulart para enfrentar Carlos Lacerda, do campo conservador. Quando o campo progressista tentou articular uma “frente ampla” sem Juscelino Kubitschek para sustentar o governo e fazer a sucessão presidencial, a direita já havia estruturado um engenhoso sistema de obtenção de fundos (sacados principalmente das grandes empresas estrangeiras) para financiar as ações golpistas.

Cegueira política

Nas vésperas do golpe militar de 1º de abril de 1964, as bases políticas do campo progressista estavam bastante enfraquecidas. Era o resultado das eleições de outubro de 1962, quando a direita ganhou o controle dos principais Estados (com a exceção de Pernambuco). Contribuíram também para o enfraquecimento do campo popular os equívocos das forças progressistas que, aberta ou veladamente, compreendiam ser sua principal tarefa a criação de dificuldades ao governo — na vã ilusão de que com isso era possível avançar muito mais.

A cegueira política impediu que todos os esforços se voltassem para o combate ao inimigo, que preparava febrilmente o golpe de Estado. Quando os militares que expressavam a ideologia da UDN marcharam rumo ao Palácio do Planalto, o povo estava desarmado politicamente para enfrentar os golpistas. As forças populares se viram diante de um fato que não estava previsto em seus cálculos, ficando hemiplégicas diante dos acontecimentos. A tática das correntes progressistas estava apoiada numa base falsa: a de que não havia uma correlação de forças favorável ao golpe.

Ares de dramaticidade

Era uma visão decorrente da vitória do povo quando João Goulart tomou posse, enfrentando os militares da UDN, após a renúncia de Jânio Quadros. Aquela derrota dos golpistas foi tomada como algo definitivo, como demonstrativo de uma mudança de qualidade na vida política brasileira. As forças progressistas não viram que aquela vitória ocorreu por razões e fatores de ordem conjunturais, que poucos meses depois desapareceriam. Desorientadas pelo êxito obtido, não traçaram uma tática com bases nos fatos e na realidade nacional.

Seria interessante que certas figuras do campo de apoio ao governo revisitassem este cenário para, quem sabe, compreender melhor o que se passa com o país atualmente. As forças progressistas derrotadas em 1964 foram vitoriosas em 2002, em 2006 e em 2010 porque enfrentaram a ditadura militar, travaram uma dura disputa com a direita na Assembléia Nacional Constituinte de 1988 e nas eleições presidenciais de 1989, e resistiram ao projeto neoliberal. Os elementos desta trajetória estão presentes na atual disputa política que ganha cada vez mais ares de dramaticidade. Não enxergar isso é miopia política de oito graus.

Osvaldo Bertolino
No Fundação Maurício Grabois

A mídia nos representa?



Os meios de comunicação não foram eleitos e
manifestam uma opinião sem consenso na
sociedade / Ilustração: Minimorgan

Um debate sobre os conceitos de opinião pública e legitimidade em um país no qual a diversidade de pensamento nunca prosperou



Parecia uma carta de independência ou um ultimato antes da declaração de guerra. Na manhã da quarta-feira 18, o jornal Estado de Minas se arvorava no papel de representante legítimo dos 19 milhões de habitantes do estado. Em editorial de primeira página, o jornal investia contra o ministro Celso de Mello, que dali a horas decidiria o futuro de 11 condenados no processo do “mensalão”. “Nas ruas de Belo Horizonte, parte expressiva da população tende a considerar a aceitação dos embargos como decepcionante. Pior: um aceno à impunidade”, afirmava o texto. No dia seguinte, como tantos veículos de comunicação, o diário mineiro não esconderia a insatisfação com a “prorrogação” da análise do processo. O carioca O Globo iria além. “STF mantém a impunidade de mensaleiros até 2014”, cravou na capa. Em tom uníssono, a mídia lamentou o “divórcio” entre o Supremo Tribunal Federal e a “opinião pública”.

Mas qual opinião pública? “A do próprio jornal, oras”, avalia, sem rodeios, o sociólogo Venício de Lima, professor da UnB e dedicado aos estudos da mídia. “Desde meados do século passado, os principais grupos de mídia reivindicam a representação da opinião pública em detrimento dos canais institucionais da democracia representativa, como partidos, governos e Congresso. Isso porque a imprensa tem o papel de mediar a comunicação, fazer a ponte entre o público e as instâncias de debate político.” Com um problema, ressalta: “Ao mesmo tempo que fazem essa mediação, esses grupos são atores políticos, defensores de seus próprios interesses e dos de seus financiadores. Em nenhum lugar do mundo a mídia pode se colocar como porta-voz da opinião pública. Menos ainda no Brasil, marcado pela forte concentração dos meios de comunicação, um oligopólio de interesses muito particulares”.

A avaliação de Lima é compartilhada pela cientista política Vera Chaia, professora da PUC-SP. “A mídia não foi eleita, não tem representatividade, não pode falar em nome do conjunto da população. O que pode medir a opinião pública são as pesquisas, e mesmo assim é preciso olhar para elas com certa desconfiança, pois normalmente direcionam o entrevistado a se manifestar sobre as pautas predeterminadas pela mídia”, avalia a docente. “Ainda mais descabido é pressionar um juiz a decidir conforme o clamor popular. Um ministro da Suprema Corte tem de julgar com base na Constituição, na defesa do ordenamento jurídico.”

Marcus Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, ressalta que o conceito de “opinião pública” está no singular não por acaso. “Ela só se manifesta quando há consenso na sociedade. É do interesse do conjunto da população, por exemplo, ter um sistema de transporte público bom e confiável. Não interessa se boa parte da população tem automóvel particular. A mobilidade urbana depende de sistemas de transporte coletivo”, afirma. “Portanto, podemos dizer que a opinião pública é favorável ao combate à corrupção, mas daí a dizer que é contra os embargos dos réus do ‘mensalão’ são outros quinhentos. O que estava em jogo ali não era esse único processo, e sim a validade de um recurso jurídico. Até porque, amanhã ou depois, o dono desse jornal que fala em nome da opinião pública pode estar no banco dos réus e sentir que o seu direito à ampla defesa foi cerceado pelo STF lá atrás.”

Para tentar assumir o posto de legítima representante da opinião pública, a mídia costuma desqualificar as demais instâncias políticas da democracia, sustenta o historiador Aloysio Castelo de Carvalho, professor da UFF. “Os jornais se apresentam como uma voz mais autêntica por não ter envolvimento direto no processo eleitoral, e exploram o desgaste que existe entre os políticos eleitos e a população representada. Em países com democracia mais consolidada, há um equilíbrio maior nessa relação entre a mídia e as instituições políticas. Uma responde à outra, sobretudo nos casos de desvio de conduta. Aqui, não. Além disso, não há uma tradição de pluralidade de pensamento na mídia brasileira. Boa parte da população tem a sua voz ignorada pelos jornais.”

Autor de um livro sobre o tema, Carvalho cita o exemplo da articulação de dezenas de emissoras de rádio, dos Diários Associados e dos jornais cariocas O Globo e Jornal do Brasil pela deposição do presidente João Goulart. Criada em 1963, a cinicamente autointitulada “Rede da Democracia” se colocava como porta-voz da opinião pública e exigia a intervenção dos militares contra a suposta ameaça comunista no País. “Praticamente, não havia oposição nos meios de comunicação a esse projeto, que resultou no golpe de 1964 e em uma ditadura de 21 anos.”

O alardeado “divórcio” entre o Judiciário e a opinião pública é outra invenção, sustenta Fernando Filgueiras, professor de Ciência Política da UFMG e coordenador do Centro de Referência do Interesse Público. “Nunca existiu esse casamento, até porque a população nutre profunda desconfiança em relação ao Judiciário.” Em artigo publicado na revistaacadêmica Brazilian Political Science Review, ele apresenta uma pesquisa feita em 2012 com mais de 1,2 mil entrevistados em Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife. A desconfiança atinge todas as instituições: Presidência da República, Congresso Nacional, forças policiais... Mas também o Judiciário, visto com suspeição por 48,7%. As razões são claras: 61,4% não acreditam que os cidadãos são tratados de forma igual, e 51,7% avaliam que os juízes tomam decisões influenciadas por políticos, empresários e outros interesses.”

Istoé aponta quem recebia propinas da Alstom e repassava a tucanos



O propinoduto tucano volta a ser tema de reportagem da revista Istoé; matéria revela que o consultor Jorge Fagali Neto, indiciado pela Polícia Federal, como o responsável por receber e intermediar o pagamento de propinas da multinacional francesa Alstom a autoridades do PSDB paulista; revista teve acesso ao depoimento e a uma série de e-mails comprometedores entregues ao MP, em junho de 2010, pela ex-secretária do consultor; em 2006, Fagali trocou mensagens e recebeu planilhas por e-mail de Pedro Benvenuto, então coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Transportes Metropolitanos de SP


Nova reportagem da revista Istoé, que chega neste sábado (28) às bancas, sobre o propinoduto tucano, aponta Jorge Fagali Neto, que foi indiciado pela Polícia Federal, como o responsável por receber e intermediar o pagamento de propinas da multinacional francesa Alstom a autoridades do PSDB paulista.
A revista teve acesso ao depoimento e a uma série de e-mails 

comprometedores entregues ao Ministério Público, em junho de 2010, pela ex-secretária de Fagali, Edna da Silva Flores. A documentação deixa clara a proximidade dele com agentes públicos e o seu interesse em contratos do Metrô paulista e da CPTM.

“Apesar das tentativas de Fagali de manter a discrição, segundo sua ex-secretária, o elo do homem da propina no escândalo do Metrô com agentes públicos ligados ao PSDB é irrefutável. Em 2006, Fagali trocou mensagens e recebeu planilhas por e-mail de Pedro Benvenuto, então coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Transportes Metropolitanos, órgão responsável pelas estatais”, informa a matéria

Abaixo, na íntegra, o texto dos jornalistas Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas:

Trem pagador

Uma disputa travada na Justiça do Trabalho revelou como opera um dos principais agentes do propinoduto montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São Paulo para drenar dinheiro público dos cofres da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e do Metrô paulista.

 Trata-se do consultor Jorge Fagali Neto, indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de receber e intermediar o pagamento de propinas da multinacional francesa Alstom a autoridades do PSDB paulista. ISTOÉ teve acesso ao depoimento e a uma série de e-mails comprometedores entregues ao Ministério Público, em junho de 2010, por sua ex-secretária Edna da Silva Flores. A documentação deixa clara a proximidade de Fagali Neto com agentes públicos e o seu interesse em contratos do Metrô paulista e da CPTM. Nas mensagens, o consultor revela, por exemplo, preocupações com a obtenção de empréstimos e financiamentos junto ao Banco Mundial (Bird), BNDES e JBIC que viabilizem investimentos nas linhas 2 e 4 do Metrô paulista.

O material entregue por Edna ao Ministério Público demonstra pela primeira vez a ligação direta de Fagali Neto com os irmãos Teixeira, Arthur e Sérgio, apontados como lobistas do esquema Siemens e responsáveis por pagar propina a políticos por intermédio de offshores no Uruguai, conforme revelou reportagem de ISTOÉ em julho. Em um trecho de seu depoimento ao MP, Edna diz que os três mantinham “relacionamentos empresariais” e “atuavam antes da assinatura de contratos” com o governo de São Paulo. Copiados por Fagali em uma série de e-mails envolvendo contratos com as estatais paulistas de transporte sobre trilhos, os irmãos Teixeira também têm seus nomes citados na agenda pessoal de Fagali Neto. Em uma das páginas da agenda, está registrado um encontro com Sérgio Teixeira, hoje falecido, às 11 horas na alameda Santos, no Jardim Paulista, região nobre de São Paulo. Em outra, constam o telefone, o e-mail e o nome da secretária de Arthur Teixeira.

A ex-funcionária narra também os cuidados do antigo chefe com eventuais investigações. No período de 2006 a 2009, em que trabalhou para Jorge Fagali Neto organizando o seu escritório, ele a mandava se ausentar do seu gabinete quando precisava se reunir com clientes. Também a pedido de Fagali Neto, ela comprou quatro celulares para que os aparelhos fossem usados por ele apenas para tratar de negócios. O consultor acreditava que assim dificultaria interceptações policiais. A espécie de “faz tudo” da empresa era proibida até de mencionar ao telefone os nomes de representantes de companhias às quais Fagali prestava consultoria. Ela ainda recebeu orientação para se referir a personagens do círculo de negócios do consultor por apelidos. José Geraldo Villas Boas – também indiciado pela PF por ter participado do esquema de corrupção – era chamado de “Geólogo”. O temor do consultor em não deixar rastros era tão grande que ele fazia questão de pagar tudo em espécie. “Ele sempre mantinha algumas quantias em local desconhecido em sua casa”, disse. A ex-secretária afirma no depoimento que ele costumava emitir, por meio da empresa BJG Consultoria e Planejamento Ltda., notas de R$ 260 mil e R$ 180 mil, mesmo tendo apenas ela como funcionária. Pelo jeito, dinheiro não faltava para o operador do esquema do propinoduto tucano. Em 2009, o ex-secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo (1994) e ex-diretor dos Correios (1997) na gestão Fernando Henrique Cardoso teve uma conta atribuída a ele com mais de R$ 10 milhões bloqueada por procuradores suíços. Procurado, o advogado de Fagali Neto, Belisário dos Santos Jr., diz que os e-mails foram obtidos pela ex-funcionária por meio de fraude junto ao provedor. Ele, no entanto, não quis se pronunciar sobre o teor das mensagens.

Apesar das tentativas de Fagali de manter a discrição, segundo sua ex-secretária, o elo do homem da propina no escândalo do Metrô com agentes públicos ligados ao PSDB é irrefutável. Em 2006, Fagali trocou mensagens e recebeu planilhas por e-mail de Pedro Benvenuto, então coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Transportes Metropolitanos, órgão responsável pelas estatais. Entre o material compartilhado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo” na última semana, estavam as discussões sobre o Programa Integrado de Transportes Urbanos do governo até 2012, que ainda não estava definido. Até a quarta-feira 25, Pedro Benvenuto ocupava o cargo de secretário-executivo do Conselho Gestor do Programa de PPPs (Parcerias Público-Privadas) do governo de São Paulo, quando pediu demissão na esteira das denúncias.”