quarta-feira, 3 de julho de 2019

A IDEIA DE QUE OS DOMINGUEIROS POSSAM CARREGAR O GOVERNO NAS COSTAS NUNCA PARECEU TÃO DISTANTE

joel pinheiro da fonseca
NAS RUAS PARA QUÊ?
"o domingo de manifestação virou o dia do lazer bolsonarista"
A manifestação pró-governo está se tornando um programa rotineiro de domingo em São Paulo. Em outras cidades parece que os protestos murcharam, mas em São Paulo eles seguem fortes. 

Uma vez por mês, cidadãos vestidos de verde e amarelo, aguerridos defensores do governo Bolsonaro, caminham pela avenida Paulista, ouvem uns discursos, gritam algumas palavras de ordem e voltam para casa. 

A cada reedição, o número e a garra dos participantes parecem diminuir um pouco. É essa a grande estratégia do governo?

Moro sem dúvida agradece essa mostra de popularidade, mas não é como se ela trouxesse alguma novidade. Seus apoiadores agora estão estritamente circunscritos ao bolsonarismo. E é nessa condição de fiel escudeiro do Mito e nada mais que ele deve continuar ministro. Fora do governo, os protestos estão se tornando irrelevantes.

A ideia era que Bolsonaro não precisava negociar com o Congresso porque a força da pressão popular sobre os parlamentares os obrigaria a seguir as ordens do Executivo. Na prática, contudo, o Congresso vê os manifestantes entoando cantigas de amor ao presidente e seus ministros e não sente medo nenhum. Não vemos nas ruas as multidões a perder de vista. 
Não seria parcialidaderetrocesso e pibinho?

E como elas não apresentam grandes riscos de partir para a violência, invadir o Congresso, parar a cidade (até o dia dos atos é escolhido para não interferir no trânsito) ou algo do tipo, perdem o potencial intimidatório. O domingo de manifestação virou o dia do lazer bolsonarista.

Assim, deputados e senadores sentem-se à vontade para inviabilizar o decreto que liberava o porte de armas, propõem mudanças várias à reforma da Previdência sem se pautar pelo número mágico do R$ 1 trilhão em dez anos e já se preparam para tocar uma agenda econômica própria assim que a página da Previdência tenha sido virada. 

E ao fazê-lo criarão uma situação difícil para a militância bolsonarista: se o Congresso toma a dianteira nas reformas econômicas do Brasil, o governo não poderá acusá-lo de sabotar seu trabalho.

A pressão popular, para ter algum efeito, precisa ser rara e impactante. E ela o será tanto mais quanto mais parecer que o Congresso —para defender interesses próprios— se coloca contra mudanças importantes do país. Se ele for o motor dessa mudança, a grande crítica do bolsonarismo à velha política estará desarmada.
A kriptonita do Intercept o reduziu a piada

O governo terá três opções. A primeira é aceitar um papel menos importante, apostar na recuperação econômica que o Congresso trará e colher os frutos eleitorais disso. 

A segunda é continuar apostando no embate e tentar sabotar as iniciativas do Congresso (como a reforma tributária); mas transformar essa jogada pelo poder em alguma narrativa virtuosa que convença a opinião pública será difícil. 

E a terceira é correr atrás do prejuízo e fazer o trabalho que deveria estar fazendo, com menos conflitos, menos bravatas e mais discussão de projetos.

A cada nova intriga que vaza para a mídia, a cada nova humilhação pública e demissão sumária imposta a um ministro ou funcionário do alto escalão (como no caso de Joaquim Levy e do general Santos Cruz), o governo perde a confiança e a boa fé de todos aqueles que poderiam colaborar com ele, tornando mais difícil fazer um trabalho sério. 

Os domingueiros de verde-amarelo gostam, festejam cada novo ato intempestivo do Mito. Mas a ideia de que eles possam carregar o governo nas costas nunca pareceu tão distante. (por Joel Pinheiro da Fonseca)

SEIS MESES DE BOLSONARO: ATÉ QUANDO, JAIR, ABUSARÁS DE NOSSA PACIÊNCIA?


1. Na política, Bolsonaro patina, derrapa, escorrega quase todo dia. Em seis meses, não conseguiu formar uma base de apoio no Congresso. Cometeu erros primários na relação com o Legislativo e quis medir forças com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Perdeu terreno na negociação da reforma da Previdência, cedendo espaço e protagonismo na sua possível aprovação.
2. O partido do presidente, o PSL, mais atrapalhou do que ajudou. Foi pivô do principal escândalo até aqui, o caso das candidaturas de laranjas nas eleições passadas, que levou à queda de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral e transformou o único ministro da sigla, o do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um morto-vivo na Esplanada. No Congresso, o PSL arrumou confusões desnecessárias, expôs divisões na bancada e nada fez para liderar uma base aliada.
3O modelo de Bolsonaro governar emitiu sinais trocados de janeiro para cá. Começou parecendo uma gestão descentralizada, com núcleos delineados (militares, Moro, Guedes, entre outros). Nos tempos recentes, no entanto, Bolsonaro tomou as rédeas e, muitas vezes de maneira atabalhoada, tem dado as cartas, trocando peças e anunciando medidas.
4A política externa não surpreende. É tacanha, da veneração ao governo Trump (EUA) a retóricas ideológicas. No G20, porém, Bolsonaro entrou no jogo: teve de puxar o freio do blá-blá-blá bravateiro para se enquadrar na liturgia do diálogo.
5Na economia, o governo comemora o acordo Mercosul-União Europeia. Mesmo tendo a digital de gestões passadas, o mérito de quem o celebrou fica. De resto, as fichas estão na Previdência, enquanto o PIB está em baixa e outras medidas adormecem no escaninho de Guedes. 
6. Fiador ético do governo, Sergio Moro está nas cordas com as mensagens graves da Lava Jato. Será defendido por Bolsonaro até quando não for mais útil para o presidente. 
                                                                                                                         
  .
TOQUE DO EDITOR — Bolsonaro começou seu governo acreditando que poderia encenar no Palácio de Planalto o show de besteiras ultradireitistas com que seus filhos e o Rasputin de Virgínia tolamente sonhavam.

Sua realização mais notável no semestre findo foi a sétima que faltou na enumeração do Colon: conseguiu reerguer espetacularmente o movimento estudantil, plantando sem querer a semente de uma indispensável nova esquerda, agora que a versão genérica das últimas décadas, após apostar tudo na conciliação de classes e perder até o último centavo, já nada mais tem a oferecer.

Finalmente, depois de ter sido colocado no seu lugar aqui (pelo Alcolumbre e pelo Maia) e lá fora (pelo Macron e pela Merkel), Bolsonaro acaba seus péssimos primeiros seis meses aparentemente decidido a deixar a pauta neofascista de lado e jogar o jogo tradicional da velha política (aquela que ele vinha vituperando após comer nesse prato por apenas três décadas...).

A boa notícia é que, se ele realmente tomar o rumo para o qual o sistema o empurra, ao invés de sustos e sobressaltos voltaremos a ter mais do mesmo de sempre.

A má notícia é que, nesse caso, provavelmente teremos de aturá-lo por mais três anos e meio (O horror, o horror!), ao passo que, insistindo no show de besteiras, ele não esquentaria cadeira.

COLOPROCTOLOGIA: TUDO QUE VC QUERIA SABER SOBRE A MASSA OLAVAL QUE OS BOLSONAROS TÊM NA CABEÇA.

VC QUERIA SABER SOBRE A MASSA OLAVAL QUE OS BOLSONAROS TÊM NA CABEÇA.

joel pinheiro
da fonseca
EM SEIS MESES, OLAVO FORNECE
A BOLSONARO MILITÂNCIA ATIVA
E FANÁTICA
É uma pena que, em 2019, Olavo de Carvalho ainda seja tema relevante no debate público brasileiro. Com efeito, ele talvez nunca tenha sido tão relevante.

No governo Bolsonaro, Olavo não é apenas um escritor de sucesso ou o professor de um curso online popular; é um dos principais ideólogos do governo e indicou ao presidente os ocupantes de dois ministérios, no que foi prontamente obedecido.

Embora esteja, aos seis meses de governo, um pouco mais afastado do entorno presidencial, seus seguidores e sua ideologia continuam a influenciar os rumos de Brasília.

Essa posição de influência não é fruto do puro acaso.

Olavo veio construindo sua base, doutrinando um número crescente de seguidores com pouca bagagem cultural, desde o início dos anos 2000. Nos anos 1990, fora um polemista e crítico de medalhões intelectuais da esquerda que dominavam o debate público.

Antes disso, vivera muitas e diversas aventuras: alega ter sido militante comunista na juventude. Mais tarde, se juntou a umatariqa (um grupo esotérico islâmico) e fez um mergulho no misticismo e no perenialismo; foi também astrólogo. Hoje, é católico e reside nos EUA.

Olavo já teve presença na mídia. Chegou a ter coluna no jornal O Globo. Mas, por seu pensamento crescentemente paranoico e sua incapacidade de travar uma discussão sem recorrer a ofensas e xingamentos, acabou perdendo todos os seus espaços na mídia, ao mesmo tempo em que investia em seu site, programa de YouTube e curso online.

Percebeu antes de muitos outros formadores de opinião que, com as novas tecnologias, não era mais necessário o crivo institucional da mídia ou da universidade para chegar ao público.

A aposta vingou. Morando nos EUA, Olavo dá um curso online de filosofia que já se estende por anos, tem milhares de alunos e mensalidade de R$ 60.

Ao mesmo tempo, ele conseguiu se transformar numa grande referência de cultura, filosofia e política para pessoas sem grande bagagem intelectual e com algum ressentimento do discurso dominante na mídia, na política, nas universidades e nas artes.

O QUE OLAVO ENSINA — Embora se considere filósofo e tenha escrito livros sobre filosofia, seu real interesse —e o de seus alunos e seguidores— é a política. Sua mensagem política é simples: tudo o que é de esquerda é maligno.

Em nome de extirpar a esquerda, vale tudo, inclusive derrubar à  força qualquer obstáculo institucional ao livre exercício de poder de um governante de direita.

Congresso, STF, mídia, universidades e mesmo as Forças Armadas: à medida em que não se curvarem ao mando de Bolsonaro, devem ser atacados sem trégua.

No passado, ele já torceu abertamente por um golpe que derrubasse o governo constituído, como no caso da greve dos caminhoneiros em 2018. Olavo foi um apoiador de primeira hora dos grevistas. Para ele, os caminhoneiros possuíam a virtude e a força que faltava aos militares para fazer uma revolução.

Num post em sua página no Facebook em 24 de maio de 2018, escreveu:
"Por que os caminhoneiros estão pedindo intervenção militar? Deveriam eles mesmos fazer a intervenção, pois já provaram, mais de uma vez, que têm capacidade e bravura para isso. Todo poder aos caminhoneiros!"
Digamos que a estabilidade institucional do país não lhe seja um valor muito caro.

Embora tenha abandonado há muito o mundo das seitas esotéricas, conserva ainda alguns de seus traços: cultiva perante seus seguidores a imagem de um grande sábio, cuja autoridade deve ser sempre respeitada e reconhecida.

Com essa autoridade, promove a fanatização de seus seguidores, fazendo-os crer que vivemos na iminência constante de um apocalipse esquerdista, do qual apenas Olavo (ou aqueles por ele apontados) podem nos salvar.

Toda sua filosofia, em última instância, aponta para a mesma conclusão: duvidar da argumentação racional e confiar acima de tudo na intuição superior do mestre (ele próprio).

A mídia, a universidade e a ciência de maneira geral são alvo de desprezo.

Recentemente, expressou dúvidas sobre se a Terra é plana. Não se sabe até que ponto manifestações como essas devem ser levadas a sério, mas creio que buscar saber se algo que Olavo diz é sério ou não já é perder o ponto central da filosofia olaviana: o conteúdo é o que menos interessa. O importante é fomentar a dependência do seguidor na autoridade do mestre.

As teses conspiratórias se seguem umas às outras e vão embora sem deixar rastro. Maçonaria, programação neurolinguística, Foro de São Paulo, globalismo, comunismo, marxismo cultural,Clube Bilderberg, segredos de Fátima. O importante é manter a fé cega e o ânimo exaltado.
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O QUE OLAVO E OS OLAVISTAS FAZEM — Não se deve superestimar o papel de Olavo no governo Bolsonaro.

Ele não está presente no dia a dia da administração nem toma decisões. Permanece, contudo, como a fonte da ideologia dominante no discurso do governo (que combate inimigos como o globalismo e o Foro de São Paulo) e é o guru inspirador de figuras influentes: o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o chanceler Ernesto Araújo, o assessor de política internacional da Presidência Filipe Martins e os filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Ao mesmo tempo, desafetos seus na equipe do governo têm sido paulatinamente demitidos, como ocorreu com o general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, que em maio foi xingado de “seu merda” por Olavo no Twitter.

Inegavelmente, o que os olavistas têm a oferecer ao governo Bolsonaro não é domínio técnico das pastas em que são alocados. Até agora, vimos o fracasso vergonhoso da primeira indicação de Olavo ao Ministério da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez.

Weintraub, seu sucessor, conseguiu transformar um contingenciamento normal numa crise de popularidade, faz o discurso de caça às bruxas contra professores e hoje se resume a xingar o PT no Twitter.

Nas Relações Exteriores os militares do governo tiveram que construir um verdadeiro cordão de isolamento para impedir que o ministro Ernesto Araújo comprometesse o interesse nacional com sua mistura curiosa de discurso nacionalista extremado e subserviência aos EUA.

A Apex, empresa pública que inicialmente fora deixada a cargo de olavistas, praticamente parou em meio à incompetência e às intrigas constantes por eles fabricadas. 
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O QUE RESULTA DO OLAVISMO — O que os olavistas oferecem ao governo é uma militância altamente mobilizada e fanatizada, disposta a atacar alvos selecionados nas redes sociais e fazer barulho nas ruas quando necessário.

Bolsonaro vem apostando nessa ideia, alimentado talvez pela crença de que o grito das redes significa popularidade real nos lares brasileiros.

Cercado de conselheiros como Filipe Martins e seu filho Eduardo, parece crer na paranoia conspiratória de que todos fora de seu círculo íntimo conspiram contra ele.

Os institutos de pesquisa vêm apontando queda na popularidade do presidente, mas já que, de acordo com Olavo e sua ideologia, os institutos mentem, não há por que acreditar neles.

Mais recentemente, Bolsonaro se afastou um pouco da figura de Olavo —que ficou desgastado depois das sucessivas brigas com a ala militar do governo— sem com isso livrar-se dos olavistas que ocupam posições importantes na administração e da ideologia olavista (teorias da conspiração e fanatização da base a serviço de um projeto de poder absoluto).

Se de fato continuar nessa rota, encaminhará o governo para o sonho de Olavo e de seus seguidores: a ruptura institucional visando o poder total.

Parece uma estratégia fadada ao fracasso, mas dado o tamanho do abismo que o presidente criou entre si e o Congresso, talvez seja vista como o único caminho.

Em todos os projetos em que toca, Olavo deixa um rastro de desavenças, intrigas, ressentimentos, sem nenhuma realização. Com o governo federal não parece que será diferente. (por Joel Pinheiro da Fonseca)