quinta-feira, 24 de maio de 2018

Lula e Ciro têm razão (ou não)


As pesquisas demonstram que seria uma insanidade o PT abdicar da candidatura própria. Lula é a grande referência política dessas eleições. Sua capacidade de transferência de votos supera o índice de apoio ao segundo colocado e a soma dos outros adversários. Se o ex-presidente for substituído por um "anticandidato", este será no mínimo competitivo.

O uso da propaganda gratuita para denunciar a prisão política de Lula teria força considerável, multiplicada pelo choque diante da sua ausência repentina. Levando a candidatura às últimas consequências (a anulação dos seus votos), o PT minaria a legitimidade das eleições, causando ao Judiciário um ônus político de alcance inestimável.

O problema do roteiro lulista, contudo, é acreditar na viabilidade da campanha denunciatória. O TSE proibirá qualquer tentativa de fazer do horário eleitoral um veículo para o desmascaramento da perseguição a Lula. O Regime Judicial de Exceção jamais aceitará ser confrontado num jogo em que ele próprio define as regras e, quiçá, os resultados.

As tentativas de confinamento de Lula no cárcere e o desprezo das cortes superiores por seus direitos indicam que o petista não conseguirá participar da campanha sequer na fase anterior à impugnação. Há entraves legais tanto para o material veiculado nos programas de rádio e TV quanto para o acesso de técnicos e equipamentos à carceragem.

Ciro Gomes também segue estratégia compreensível. Antecipando a adesão automática dos petistas na hipótese de uma disputa final contra a direita, não vê sentido em barganhar alianças com o PT agora. Na verdade, prefere mesmo evitá-las, para seduzir simpatizantes da Lava Jato e de Marina Silva. Posar de vítima do lulismo vingativo faz parte desse jogo.

Sem desafiar a hegemonia do PT, Ciro perderia o mote mais valioso de sua campanha, o da novidade de centro-esquerda. Em vez de se atritar com Lula, porém, ele provoca a rejeição das lideranças petistas. E alimenta a sensação de urgência causada pelo fenômeno reacionário para atrair adeptos, isolando o PT no espectro de coligações.

Mas não convém superestimar as chances de Ciro. Sua margem de crescimento é enganadora, pois a maioria que o desconhece também desconfia da política tradicional e de aventureiros imprevisíveis, dois estigmas possíveis nesse caso. E a candidatura pedetista guarda problemas de imagem pessoal e discurso que não se resolvem com alianças.

A migração afoita e precoce para Ciro é um equívoco da esquerda simpatizante do PT. Como reagiriam os antigos adeptos do "Lula livre" se o pragmatismo do candidato pedir ataques a Lula e afagos ao condomínio golpista, especialmente o Judiciário? E se a vaga no segundo turno for disputada palmo a palmo entre o lulismo e um Ciro apaziguador?

O ressentimento petista não originou as dificuldades de Ciro, nem este é responsável pelos dilemas do PT. Ambos seguem projetos diversos, igualmente legítimos e problemáticos. Melhor que desenvolvam forças articuladas e paralelas, sem se enfraquecerem numa sociedade conflituosa que serviria de alvo fácil para a direita.

Ao PT cabe avaliar se existem de fato alternativas à inviabilização jurídica dos seus planos, ou se o partido afundará num abraço de afogados com seus inimigos. Aos lulistas defensores de Ciro resta a sensatez de não virarem reféns de um marinismo desagregador que os abandonará na primeira oportunidade, arruinando de vez a união da (verdadeira) esquerda.
http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2018/05/lula-e-ciro-tem-razao-ou-nao.html

O PSDB não foi o fiel escudeiro de Temer, mas seu contratador e avalista

 Via Sakamoto


Leonardo Sakamoto


Foto: Ueslei Marcelino/Reuters


Por mais que a campanha do ex-governador Geraldo Alckmin queira ficar a uma distância segura da impopularidade radiante do presidente Michel Temer, o passado de seu partido o condena.

Levantamento de Bernardo Caram, da Folha de S.Paulo, publicado nesta segunda (21), confirma o que já foi dito neste blog. Nas votações tidas como prioritárias pelo governo no Congresso Nacional, o PSDB foi – em média – o partido mais fiel a Temer, com 83,5% dos votos favoráveis, seguido pelo DEM, com 80,7%, e pelo próprio MDB do presidente, com 78,9%.

A fidelidade certamente não é por conta do amor aos poemas de ''Anônima Intimidade'', escrito pelo ocupante do Palácio do Planalto, mas por ele ter sido a pessoa certa na hora certa. Mais do que apenas uma birra do candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, os líderes tucanos queriam aproveitar a janela de oportunidade que se abriria com a retirada forçada de Dilma Rousseff para aprovar reformas liberalizantes – que seriam rechaçadas pela população se apresentadas em um processo eleitoral.

Tanto que o PSDB participou ativamente do seu governo e apenas desembarcou por oportunismo quando o calendário eleitoral se aproximou. E, mesmo fora, continua dentro, prometendo os votos necessários para a pauta do partido.

Reformas que aproveitariam o momento de crise econômica para diminuir o peso do Estado na redução das desigualdades sociais e na erradicação da pobreza, priorizando o desenvolvimento econômico. Entre elas, estão a PEC do Teto dos Gastos (que limitou, por 20 anos, investimentos em áreas como educação e saúde), a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista. Essa redução de garantias dos direitos sociais desequilibrou ainda mais a balança entre os objetivos fundamentais da República, presentes no artigo 3o da Constituição Federal.

O problema não é a atualização de regras sobre o contrato de compra e venda da força de trabalho no Brasil, que precisa de simplificação e racionalização ou mesmo adaptação à revolução digital. Muito menos adotar novas regras para o INSS e para a previdência pública de forma a garantir estabilidade futura ao sistema e redução de injustiças. A tragédia é como isso foi feito, imposto de forma violenta e antidemocrática, sem debates com a população e beneficiando o grande capital em detrimento ao trabalhador e pequeno empregador.

A entrega foi tão absurda que o Senado Federal abriu mão de seu papel de casa revisora e deixou a Reforma Trabalhista vir da Câmara dos Deputados e seguir para a sanção presidencial sem alterações, sob a promessa de que Temer editaria uma Medida Provisória que corrigiria alguns pontos. Seis meses depois, a MP caducou por desinteresse e ficou por isso mesmo.

Com a corda no pescoço da Lava Jato, Michel Temer dependia do apoio do PSDB e do empresariado que o partido representa para chegar e permanecer no poder. E sabia que sua melhor chance era mostrar-se capaz de entregar essas encomendas corporativas, uma vez que não havia consenso quanto a outra pessoa que pudesse o substitui-lo para executar a tarefa no curto prazo.

A manutenção de Michel Temer e de seu grupo político no poder teve um preço alto à nação. Tanto no processo de aprovação das referidas reformas, quando nas votações para salvar o seu pescoço nas duas denúncias criminais encaminhadas pelo Supremo Tribunal Federal para análise dos deputados federais. Um mercado de votos foi estabelecido – e o pagamento feito com recursos públicos na forma de dívidas perdoadas e impostos reduzidos. Dinheiro que deveria ter sido usado para reduzir o impacto da crise na vida dos mais pobres.

E o governo mentiu ao prometer que, em pouco tempo, o impacto das reformas se faria sentir no emprego. A maior prova disso são as cerca de 4,6 milhões de pessoas que desistiram de procurar serviço no primeiro trimestre deste ano por desalento. Esses contingente está fora da força de trabalho por não acreditar que exista oportunidade ou espaço para no mercado, não contar com experiência ou qualificação, ser considerado muito jovem ou muito idoso, não encontrar serviço no local de residência ou não ter conseguido trabalho adequado.

No último trimestre do ano passado, o número era de 4,3 milhões, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. A taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2017 foi de 13,7% e a do mesmo período deste ano, 13,1%. O governo Michel Temer diz que o desemprego caiu. Mas esses números mostram que isso só aconteceu porque aumentou o número de pessoas que, desanimadas, desistiram de procurar serviço. Elas representam, hoje, 4,1% da força de trabalho.

O PSDB não foi fiel escudeiro de Temer durante esse período. Foi seu contratador e avalista. Portanto, deveria permanecer ao seu lado para defender o ex-sócio durante a campanha eleitoral. Como já disse aqui, o PT pagou um preço caro ao colocar Temer em nossas vidas. O PSDB ainda não.

Geraldo Alckmin quer o tempo de TV e a rede de prefeitos do MDB, mas não a imagem de Temer e amigos. O mesmo não pode ser dito do ex-prefeito de São Paulo João Doria – que tem discursado abertamente em apoio ao governo Temer. Está à espera, aguardando que seu padrinho não decole para se colocar à disposição de uma candidatura presidencial, com o apoio do MDB.

Há um ano, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi bem claro: ''Se o PSDB deixar hoje a base vai ficar muito difícil de o PMDB apoiá-los nas eleições de 2018. Política é feita de reciprocidade''. Político também engole muito sapo. Mas traição é especialmente indigesta.