quarta-feira, 8 de março de 2017

Cuidado, tem prefeito que se esforça pra parecer com Doria


dodoria
Doria Gray e as leis do poder
Como compreender o novo prefeito de São Paulo a partir do seu livro de cabeceira
ELIANE BRUM
Faça os outros trabalharem por você, mas sempre fique com o crédito. Use a sabedoria, o conhecimento e o esforço físico dos outros em causa própria. Não só essa ajuda lhe economizará um tempo e uma energia valiosos, como lhe dará uma aura divina de eficiência e rapidez. No final, seus ajudantes serão esquecidos e você será lembrado. Não faça você mesmo o que os outros podem fazer por você.
Esta é a Lei 7 de um livro que se tornou obrigatório para compreender o novo prefeito de São Paulo, João Doria(PSDB). Há mais 47 mandamentos desta estirpe. A leitura pode ajudar seus eleitores a entender o homem a quem deram o poder de comandar a maior cidade do Brasil e a população a compreender esse tipo ascendente de político – e ascendente não só no Brasil, mas no mundo, como a vitória de Donald Trump demonstrou – que se anuncia como não político.
Em seu discurso de posse, em 1 de janeiro, Doria dirigiu-se a seu padrinho, Geraldo Alckmin (PSDB), e citou a lei 28: “E finalizo, governador, citando uma frase de Robert Greene, que escreveu, o senhor que gosta de boas citações, As 48 Leis do Poder. Disse Green: ‘Sejamos ousados, qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram os corajosos. Ninguém louva os covardes’”.
É comum políticos citarem frases e autores ao tomar posse de seus cargos públicos. Sempre dá “um lustro”. Mas como escolher, entre toda a literatura mundial de ficção e não ficção, o conhecimento impresso através dos séculos, qual é o livro e o autor que merecem ser eleitos tanto para representar a apoteose pessoal de cada um como para ilustrar o momento histórico diante das câmeras?
É preciso admirar muito autor e livro, tanto por acreditar que citá-los vai agregar valor a si mesmo como porque estará se juntando a eles em discurso que, bom ou ruim, é de imediato registrado na história. Assim, a maioria prefere optar por obras e autores já consagrados pela fortuna crítica, podendo citar um filósofo como Sêneca ou um escritor como Guimarães Rosa. Mas como Doria, “o ousado”, ousa, “porque todos admiram os corajosos”, arriscou-se a Robert Greene.
É mais do que significativa a escolha de Doria, que pelo seu comportamento parece acreditar ser uma versão atual de “Príncipe”, de citar um autor que já foi chamado de “o novo Maquiavel”, assim como um best-seller internacional. E também é significativo que o faça olhando para seu padrinho, o governador Geraldo Alckmin que, como diz o afilhado, “gosta de boas citações”.
Vejamos as “boas citações” do livro indicado pelo novo prefeito de São Paulo. A Lei 12, por exemplo: “Um gesto sincero e honesto encobrirá dezenas de outros desonestos. Até as pessoas mais desconfiadas baixam a guarda diante de atitudes francas e generosas. (…) Uma vez que a sua honestidade seletiva as desarma, você pode enganá-las e manipulá-las à vontade”.
Ou a Lei 27: “Jogue com a necessidade que as pessoas têm de acreditar em alguma coisa para criar um séquito de devotos. As pessoas têm um desejo enorme de acreditar em alguma coisa. Torne-se o foco desse desejo oferecendo a elas uma causa, uma nova fé para seguir. Use palavras vazias de sentido, mas cheias de promessas (…) Dê aos seus novos discípulos rituais a serem cumpridos, peça-lhes que se sacrifiquem por você”.
Ou ainda a Lei 17: “Mantenha os outros em um estado latente de terror. Cultive uma atmosfera de imprevisibilidade. Os homens são criaturas de hábitos, com uma necessidade insaciável de ver familiaridade nos atos alheios. A sua previsibilidade lhes dá um senso de controle. Vire a mesa: seja deliberadamente imprevisível. O comportamento que parece incoerente ou absurdo os manterá desorientados, e eles vão ficar exaustos tentando explicar seus movimentos. Levada ao extremo, esta estratégia pode intimidar e aterrorizar”.
Ninguém pense que Robert Greene e suas 48 leis dos poder são apenas uma reciclagem mal ajambrada de clássicos do ramo, como o O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1649-1527), ou A Arte da Guerra, de Sun Tzu (séc IV a.C). O livro, lançado em 1998, é a realização de tudo o que prega. A edição é vistosa – no Brasil, ele saiu pela Rocco, com a palavra “Poder” escrita em dourado na capa. E permite várias entradas para a leitura.
Os textos são curtos, a estrutura é clara, o alinhamento é arejado e o uso de duas cores destaca a organização.
Cada capítulo apresenta o enunciado da lei, seguido pelo resumo da lei, sob o título “julgamento”. E então “a lei observada” e/ou “a lei transgredida”, com histórias saborosas de personagens históricos tão díspares quanto Galileu e Mata Hari – e a sua interpretação. Não é necessário preocupar-se com reflexões próprias: as laterais, onde muita gente costuma fazer anotações a lápis no caso de livros impressos, já estão ocupadas com provérbios e citações sobre o tema.
Em seguida, vêm “as chaves do poder”, uma análise da lei e sua potência. Por fim, “o inverso”, um curto tópico que protege o autor de qualquer problema que o leitor possa vir a ter ao seguir aquele mandamento. Afinal, pode haver momentos em que a melhor escolha é fazer exatamente o contrário.
A Lei 6, por exemplo, determina: “Chame atenção a qualquer preço. Julga-se tudo pelas aparências; o que não se vê não conta. Não fique perdido no meio da multidão, portanto, ou mergulhado no esquecimento. Destaque-se. Fique visível a qualquer preço”.
Inspirado por ela, seria possível criar uma parábola num país de ficção: “O mandatário de uma cidade bem grande quer ser visto todo dia e o dia inteiro, porque planeja alcançar cargos ainda mais elevados, à altura do Príncipe que acredita ser, e ocupar palácios ainda mais grandiosos. Como já seguiu a Lei 29, que manda planejar cada passo e antecipar todos os reveses e obstáculos para que outros não fiquem com os louros no seu lugar, este mandatário sabe que ficar labutando entre quatro paredes não rende nenhuma imagem. Sem contar as instalações francamente aquém de sua pessoa em comparação com seu próprio castelo, um dos dez maiores da cidade tão desigual, que já conseguiu erguer seguindo com prodigioso afinco todas as 48 leis.
Assim, este mandatário convoca os narradores e promove pelo menos um espetáculo por dia, quando não por hora. Como ele já convive com os ricos e os poderosos, os barões e os bispos, com a desenvoltura de um peixe dourado num aquário de cristal blindado, ele aposta em aparecer ao lado dos ‘humildes’ e dos ‘simples’, porque é desta massa pobre e cinzenta que vem a vitória nas urnas.
Algo rápido, como postar-se junto a trabalhadores que ganham salário de fome para trilhar quilômetros diários limpando o lixo das ruas da vasta cidade. E então, duas vassouradas e 10 segundos que depois se transformam em horas e horas de repetições nas telas de todos os tamanhos. Algo capaz de garantir uma imagem-símbolo, mas sem contaminá-lo, afinal a Lei 10 alerta: ‘A miséria alheia pode matar você (…) Associe-se aos felizes e afortunados’. Este mandatário cerca-se ainda de alguns expoentes de outros reinos porque, enquanto não puder esmagá-los, eles não só lhe agregam valor como são neutralizados. Em especial se forem inimigos, já que a Lei 2 é taxativa: ‘Não confie demais nos amigos, aprenda a usar os inimigos”. Sem contar a imagem de conciliador que vai consolidando em sua escalada do poder’.
Esta parábola poderia integrar uma nova edição de As 48 Leis do Poder. Cada mandamento do livro é ilustrado com curtos episódios históricos, como nos antigos almanaques, e até mesmo com fábulas como as de Esopo e provérbios sufis. Parece haver sempre um provérbio sufi neste tipo de livro, aliás. O escritor best-seller convoca pensadores de todas as épocas históricas para trabalhar para ele e deixá-lo rico.
Robert Greene conhece profundamente o seu público. Há personagens famosos, que frequentam o imaginário coletivo. Estes servem para que o leitor não se sinta burro. Ao deparar-se com um nome que conhece, o leitor já entra na obra sentindo-se um iniciado. E, portanto, com muito mais boa vontade. Ao mesmo tempo, qualquer prurido que possa ter diante da podridão exalada pelo mandamento é anulado pela relação manipulada com grandes nomes da história. Logo, o seguidor passa a acreditar que ele e Napoleão são almas gêmeas separadas apenas por oceanos de tempo.
Mas Greene tem o cuidado de selecionar também episódios mais obscuros, assim como autores menos conhecidos do grande público. Afinal, ele precisa mostrar que trabalhou um pouco e que se difere dos numerosos concorrentes no gênero autoajuda para déspotas. E seu leitor precisa sentir que está aprendendo algo. Desta maneira, ao encontrar um nome como Baltasar Gracián (1601-1658), os seguidores de seus mandamentos têm a impressão de que estão ganhando uma certa erudição. Tudo isso com textos curtos, que não exigem esforço e podem ser lidos salteados.
O livro citado pelo prefeito de uma das maiores cidades do mundo já foi definido como a “Bíblia dos Psicopatas”. Mas, quando lhe acusam de estar promovendo o pior, Robert Greene se limita a dizer: “Eu não sou mau, sou apenas realista”. Logo, quem o critica é um tolo, porque não percebe o mundo real – ou um dissimulado, porque finge não percebê-lo. Ser escroto, neste caso, é convertido num ato de honestidade. Ainda que as pessoas não precisem ficar sabendo, como alerta a Lei 3: “Envolva-as em bastante fumaça e, quando elas perceberem as suas intenções, será tarde demais”.
Logo no prefácio, o grande compilador já se antecipa e procura bloquear qualquer ataque que possa receber. Investe vários parágrafos para reduzir todas as pessoas que possam considerar as 48 leis um exemplo de cinismo e corrosão ética a manipuladores piores e ainda mais furtivos. Robert Greene explica ao leitor que hoje o mundo se assemelha muito à antiga corte aristocrática: “Tudo deve parecer civilizado, decente, democrático e justo. Mas, se obedecermos com muita rigidez a estas regras, (…) somos esmagados pelos que estão ao nosso redor e não são assim tão tolos”.
E, em seguida: “Por fora você deve aparentar que é uma pessoa de escrúpulos, mas, por dentro, a não ser que você seja um tolo, vai aprender logo a fazer o que Napoleão aconselhava: calçar a sua mão de ferro com uma luva de veludo”. E ainda: “A fraude e o disfarce não devem ser vistos como feios e imorais. Todas as interações humanas exigem que se trapaceie em muitos níveis”. E segue: “Treinando para ser dissimulado, você prospera na corte moderna, aparentando ser um modelo de decência enquanto está sendo um consumado manipulador”.
Numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, publicada em 2012, Greene alegou que a maioria dos e-mails que recebe são de jovens dizendo que usam seu livro para entender como pessoas manipuladoras agem e aprender a se proteger delas. Mas ele também admite que o livro ajuda alguns canalhas a mergulhar no território da sociopatia, o que faria com que ele se sentisse mal. Mais importante do que saber se Greene convenientemente se protege na dubiedade, seguindo as leis do seu livro, enquanto segue ganhando dinheiro com suas cartilhas sobre como esmagar pessoas e alcançar o poder, é saber o que se passa no nosso vasto quintal.
Ao evocar o livro em sua posse, o que o prefeito de São Paulo diz? E para quem?
Doria galgou uma longa escadaria esforçando-se para ser “o cortesão perfeito” dos eventos que promovia reunindo os ricos e os poderosos do país. Lembra o cortesão da corte contemporânea da Lei 24: “O cortesão perfeito prospera num mundo onde tudo gira em torno do poder e da habilidade política. Ele domina a arte da dissimulação; ele adula, cede aos superiores, e assegura o seu poder sobre os outros da forma mais gentil e dissimulada. Aprenda e aplique as leis da corte e não haverá limites para a sua escalada na corte”.
Quando Doria empunhou a vassoura para produzir uma imagem-símbolo em sua primeira segunda-feira no comando de São Paulo foi comparado a Jânio Quadros, o prefeito do “varre, varre vassourinha, varre, varre a bandalheira”, entre outras pirotecnias. Mas este não é o populismo do século 20. O que se assiste hoje é muito, mas muito pior. É a política reduzida ao entretenimento. Cabe à população ocupar o lugar não de cidadãos, mas de plateia. De claque de auditório. Por isso o verbo “assistir” é tão exato. A passividade é rompida apenas para ser reforçada, ao apertar o botão de “curtir”.
Sobre vassouras e mãos limpas, a propósito, há um mandamento específico. É a Lei 26: “Você deve parecer um modelo de civilidade e eficiência. Suas mãos não se sujam com erros e atos desagradáveis. Mantenha essa aparência impecável fazendo os outros de joguete e bode expiatório para disfarçar a sua participação”.
Na sexta-feira (6/1), duas figuras que costumam ser relacionadas aos direitos humanos, o Padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, e o vereador Eduardo Suplicy (PT), foram reduzidas a jurados de programa de auditório. O show era de Doria, que convocou a imprensa para anunciar que havia conseguido emprego para uma única pessoa: o irmão do ambulante espancado e morto no metrô de São Paulo no Natal.
Para quem consegue se distanciar do palco e lembrar a tragédia real, tanto a da família do homem assassinado quanto a da corrupção do espaço público em prol do espetáculo, as imagens produzidas são um show de horrores. Mas a Lei 25 é cristalina: “Seja senhor da sua própria imagem, em vez de deixar que os outros a definam para você. Incorpore artifícios dramáticos aos gestos e ações públicas – seu poder se fortalecerá e sua personagem parecerá maior do que a realidade”.
Pode ser complementada ainda pela Lei 37: “Imagens surpreendentes e grandes gestos simbólicos criam uma aura de poder – todos reagem a eles. Encene espetáculos para os que o cercam, repletos de elementos visuais interessantes e símbolos radiantes que realcem a sua presença. Deslumbrados com as aparências, ninguém notará o que você realmente está fazendo”.
Ao testemunhar Doria arregimentando para seus espetáculos figuras públicas que até pouco tempo o criticavam, quando não empregando-as, é inevitável lembrar a Lei 5: “(…) Aprenda a destruir seus inimigos minando as suas próprias reputações. Depois, afaste-se e deixe a opinião pública acabar com eles”. Há ainda a 21: “Faça-se de otário para pegar os otários”.
Se Geraldo Alckmin acolher a indicação literária do afilhado, poderá descobrir-se identificado com uma vaca. Diz a Lei 23: “Ao procurar fontes de poder para promovê-lo, descubra um patrono-chave, a vaca cheia de leite que o alimentará durante muito tempo”. Em caso de dúvida, a número 1 é também bastante esclarecedora: “Não ofusque o brilho do mestre. (…) Faça com que seus mestres pareçam mais brilhantes do que são na realidade e você alcançará o ápice do poder”. Isso, como o autor alerta, apenas até o Mestre tornar-se uma “estrela cadente”. Neste caso, ele aconselha: “Não tenha misericórdia”. Mas, enquanto isso não acontece, “a melhor maneira de se proteger é ser tão fluido e amorfo como a água”.
Ao encarar o retrato de Doria Gray em todas as telas, com seu sorriso de dentes tão brancos, é inevitável pensar se há um outro escondido em algum lugar, respirando no escuro.
Do: http://blogdalucianaoliveira.com.br/blog/2017/01/09/cuidado-tem-prefeito-que-se-esforca-pra-parecer-com-doria/

71 mil brasileiros ricos são isentos do IR


via CartaCapital


Uma fortuna de 200 bilhões protegida do IR da pessoa física

André Barrocal 

Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos que não pagam imposto de renda. Fim da isenção renderia meio ajuste fiscal

Marcelo Camargo / Agência Brasil
Leão do Imposto de Renda
Leão do Imposto de Renda


Protesto da Força Sindical com o "leão" do IR: quem pode, paga muito pouco ou quase nada ao fisco brasileiro

O leão do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhões de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.

Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a KPMG.

A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do IRPF - 196 bilhões de reais em 2013, em números exatos – tornou-se protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.

O paraíso fiscal foi criado sob duas alegações. Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e dividendos aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica. Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário Internacional em um relatório sobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo a reunir 34 países desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.

“No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos”, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A Receita é uma mãe para os ricos, o Ministério da Fazenda é o Ministério social dos ricos.”

A boa vida garantida pelo fisco aos donos e sócios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma pátria de empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta condição (7 milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via CLT.

A transformação de trabalho em capital é um fenômeno mundial mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa” por aqui, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, é urgente debater o assunto.

“O governo comemorava uma redução da concentração da renda mas só considerava a de salários e a declarada nas pesquisas censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o declarado ao imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e alta, que passaram a receber como pessoa jurídica.”

O fim da isenção de IPRF sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma Rousseff para ajudar no ajuste fiscal. O problema, diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra qualquer tentativa de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do Planalto não quer comprar briga em vão.

Repleto de políticos ricos e devedores de gratidão a empresários financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema tributário brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança de um imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do papel. FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.

Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal lei. No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali, líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a saúde. Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de aprovação de ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta dela. "Esse é um dos Congressos mais ricos e mais influenciáveis pelo poder econômico da nossa história”, diz.

Os dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistência. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variáveis de meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais. Em cada categoria, podem ser vistos o número de pessoas ao alcance do imposto de renda da pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e tributação efetiva. É a mais completa e detalhada compilação de dados já feita pelo leão.

Em 2014, houve 26,5 milhões de declarações de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200 bilhões de reais estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160 salários mínimos por mês. Juntas, elas detêm 22% do patrimônio e 14% da renda nacionais. É como se cada uma tivesse salário mensal de 341 mil reais e bens de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou míseros 6,3 bilhões de reais. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.

Dados deste tipo são apresentados pelo economista francês Thomas Piketty no livro “O Capital no Século XXI", bíblia para os interessados em saber mais sobre a concentração de renda pelo planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadêmicos possam estudá-los daqui para a frente.

Um dos interessados no tema é diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre. No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamado Nas Fronteiras da Desigualdade Brasileira, no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista na década passada. O trabalho partia das declarações de bens entregues por candidatos a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.

Em uma primeira análise sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hipótese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o número de declarantes de IRPF a ganhar até cinco salários mínimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mínimos permaneceu em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20 mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.

O rendimento tributável pela Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a 2013. O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).

O problema, diz Calixtre, é que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste período de seis anos. As pessoas a receber até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor dos bens declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27% e o andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%. “Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil”, afirma.


*Matéria atualizada para correção de informações. A versão original da reportagem informava que os 71.440 mais ricos declarantes de imposto de renda detinham 29% do patrimônio e 22% da renda declarados. Os percentuais corretos são 22% e 14%, respectivamente.

segunda-feira, 6 de março de 2017

O ABC do neoliberalismo

Sanguessugado do Ulisses Ferraz 



Neoliberalismo é quando os ricos transferem livremente suas riquezas para onde se pagam menos impostos, aplicam seus recursos onde os juros são mais elevados e deslocam seus empreendimentos para onde haja o mínimo de direitos trabalhistas e sociais. E vivem em qualquer lugar do mundo que assim o desejarem, cercados de muros, bens luxuosos e aparatos de segurança privada. São os habitantes das muralhas maravilhosas.

Enquanto isso, o resto da população trabalha para subsistir, sobreviver e consumir as sobras do mundo afluente. Endividam-se para ter o mínimo de conforto material e vivem onde é possível viver, cercados de insegurança pública. Quando pacíficos, os excluídos são abandonados. Quando violentos, são encarcerados. Um Estado mínimo garantido por presídios de segurança máxima. Austeridades sociais em meio a prodigalidades armamentistas.

Os neoliberais e seus aliados conspiram incansavelmente pelo desmantelamento das redes de proteção social, amparados por suas tropas de elite espalhadas pelas casas legislativas. Suas indústrias bélicas são amplamente representadas em seus interesses nos parlamentos e legalmente blindadas pelos poderes judiciários. Os bancos de investimentos são suas fortalezas mais sólidas. Jamais se acanham em se utilizar largamente das instituições democráticas em benefício próprio.


E para disseminar suas ideologias, os poderosos do capital e seus representantes corporativos cercam-se de acadêmicos vencedores do prêmio Nobel, de políticos pretensamente defensores da social-democracia e de porta-vozes midiáticos dos principais meios de comunicação. Mediante o mágico efeito da dominação simbólica, o neoliberalismo faz com que dominantes e dominados lutem por um mesmo ideal. É a globalização da ideologia. Uma distopia real. Aqui e agora. Essa é a verdadeira "revolução" do final século XX, cujos efeitos ainda reverberam incólumes em pleno século XXI.
http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2017/03/o-abc-do-neoliberalismo.html

Comunismo: haverá uma “quarta onda”?

Sanguessugado do Cultura, Esporte e Política

Resultado de imagem para bandeiras do comunismo


David Priestland

Cem anos após a Revolução Russa, o mundo parece mais desigual e injusto que nunca. A velha fênix, que já viveu três vezes, poderá ressurgir das cinzas?

“Ura! Ura! Ura!” Lembro-me vivamente da parede de som que se formou quando soldados severos, em uniformes cinzentos responderam ao brado de seu comandante: “Saudações no 70º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro!”

Estudante de intercâmbio em Moscou, em 1987, eu havia viajado à Rua Gorky naquela manhã trepidante de novembro, para assistir à parada militar a caminho da Praça Vermelha. Uma fileira de autoridades soviéticas e estrangeiras observava os jovens soldados prestar homenagem ao Mausoléu de Lênin. A cena impressionante deveria servir para demonstrar tanto a energia revolucionária duradoura do comunismo quanto seu alcance global.

O líder soviético, Mikhail Gorbachev, falou sobre um movimento revigorado pelos valores de 1917 a uma audiência de líderes de esquerda que incluía Oliver Tambo, do Congresso Nacional Africano, e Yasser Arafat, da Organização pela Libertação da Palestina. Cartazes ostentavam a proclamação do poeta Vladimir Mayakovsky: “Lênin viveu, Lênin vive, Lênin viverá para sempre!”

As palavras soavam ocas, pois os problemas econômicos da União Soviética eram evidentes para todos, especialmente para meus amigos estudantes, que dependiam de universidades mal abastecidas para comer. Ainda assim, o sistema ainda parecia tão sólido quando o mármore do mausoléu. Como a maioria dos observadores, eu não teria acreditado que em dois anos o comunismo  estaria desmoronando, e em quatro a própria União Soviética teria ruído.

Logo, a visão popular sobre 1917 mudou inteiramente. A desregulação dos mercados parecia natural e inevitável. O comunismo parecia ter sido sempre condenado à “lata de lixo da História” de Trotsky. Se houvesse desafios à ordem liberal globalizada, eles viriam do islamismo ou do capitalismo de Estado chinês, não mais de um marxismo desacreditado.

Agora, quando passaram-se cem anos da Revolução de Fevereiro – que precedeu à tomada do poder pelos bolcheviques de Lênin, em novembro – a História mudou de novo. A China e a Rússia exibem símbolos de sua herança comunista para fortalecer um nacionalismo antiliberal. No Ocidente, a confiança no capitalismo de livre mercado não se recuperou, desde o crash financeiro de 2008. Novas forças de extrema direita e de esquerda ativista disputam popularidade. A força inesperada do socialista independente Bernie Sanders, nos EUA; e as vitórias eleitorais do novo partido Podemos, liderado por um ex comunista, na Espanha, são sinais de um ressurgimento de base da esquerda. Na Grã-Bretanha, o “Manifesto Comunista”, obra clássica escrita por Marx e Engels em 1848, foi um best seller em 2015.

Terei testemunhado, naquele dia em Moscou, o último hurra do comunismo? Ou um comunismo remodelado para o século 21 estará lutando para nascer?

Há sinais de uma resposta nesta epopeia complexa e centenária, um arco narrativo cheio de falsos começos, quase mortes e reviveres imprevistos.

Observe a vida de Semyon Kanatchikov. Filho de um ex-servo, ele trocou a pobreza rural por um emprego de operário e a excitação da modernidade. Entusiasmado e sociável, Kanatchikov lutou para se aperfeiçoar tendo como guia “O Autodidata de Dança e das Boas Maneiras”. Em Moscou, uniu-se a um círculo de discussões socialista e mais tarde ao Partido Bolchevique.

A experiência de Kanatchikov tornou-o receptivo a ideias revolucionárias: uma atenção aguda ao abismo entre ricos e pobres, a sensação de que uma velha ordem bloqueava a emergência do novo e ódio ao poder arbitrário. Os comunistas ofereciam soluções claras e convincentes. Ao contrário dos liberais, defendiam a igualdade econômica; mas, diferente dos anarquistas, queriam a indústria moderna e o planejamento estatal; e, em oposição aos socialistas moderados, argumentavam que a mudança teria de vir por meio da luta de classes revolucionária.

Na prática, foi difícil combinar estes ideais. Um Estado muito poderoso tendeu a sufocar o crescimento, ao mesmo tempo em que criou novas elites. A violência da revolução trouxe consigo periódicas caças aos “inimigos”. Também Kanatchkov tornou-se vítima. Embora fosse levado a postos de prestígio após a revolução, seus laços com Trotsky, o arqui-rival de Stalin, provocaram seu rebaixamento, em 1926.

Àquela altura, as perspectivas do comunismo eram sombrias. As primeiras chamas da revolução na Europa Central, logo após a I Guerra Mundial, estavam extintas. A União Soviética viu-se isolada, e os Partidos Comunistas em outras partes do mundo eram pequenos e conflagrados. A modernidade forjada dos EUA dos flamejantes anos 1920 era despudoradamente consumista, não comunista.

Mas as fraquezas do laissez-faire logo vieram em socorro do comunismo. O crash de Wall Street em 1929 e a Depressão que se seguiu fizeram das ideias socialistas de igualdade e planejamento estatal uma alternativa poderosa à mão invisível do mercado. E a militância comunista emergiu como uma das forças preparadas a resistir à ameaça do fascismo.

Mesmo o terreno árido dos Estados Unidos, não congênito ao coletivismo e ao socialismo sem Deus, tornou-se fértil. Quando Moscou trocou, em 1935, sua doutrina sectária por uma política de apoio às “frentes populares”, os comunistas norte-americanos somaram-se a esquerdistas moderados contra o fascismo. Al Richmond, um jornalista novaiorquino no Daily Worker lembrava-se do otimismo renovado quando ele e seus colegas passavam noites num restaurante italiano fazendo brindes “à vida, àquela era, a seus presságios e esperanças, certos de nossas respostas ao ritmo deste tempo, porque nele sentíamos nossa pulsação”.

Tal otimismo, era partilhado por um grupo seleto. Vítima dos expurgos de Stalin, Semyon Kanatchikov morreu no Gulag, em 1940.

Muitos aceitavam esquecer do terror stalinista para preservar a unidade anti-fascista. Mas a segunda ascensão do comunismo no final dos anos 1930 e início dos 40 não sobreviveu à derrota do fascismo. Quando a Guerra Fria intensificou-se, a identificação do comunismo com o império soviético comprometeu sua tentativa de apresentar-se como libertador. Na Europa Ocidental, um capitalismo reformado e regulado, que os EUA incentivavam, ofereceu níveis de vida mais altos e o Estado do Bem-estar Social. As economias de comando, que faziam sentido no período de guerra, estavam menos aptas para a paz.

Mas se o comunismo se esvaía no Norte global, no Sul ele tomava corpo. Lá, as promessas dos comunistas de modernização rápida, liderada pelo Estado, incendiaram a imaginação de muitos nacionalistas anticoloniais. Aqui, ergueu-se uma terceira onda vermelha, que irrompeu na Ásia Oriental nos anos 1940 e no Sul pós-colonial a partir do final dos 60.

Para Geng Chansuo, um chinês que visitou uma fazenda-modelo coletiva na Ucrânia, em 1952 – três anos depois que as guerrilhas comunistas entraram em Beijing –, o legado de 1917 continuava potente. Sóbrio líder camponês de Wugong, um vilarejo cerca de 200 km. ao sul de Beijing, ele foi transformado pela viagem. Ao voltar, tirou a barba e o bigode, vestiu roupas ocidentais e começou a pregar em favor da coletivização agrícola e do milagroso trator.

A China revolucionária fortaleceu a determinação de Washington em conter o comunismo. Mas enquanto os EUA travavam sua desastrosa guerra no Vietnã, uma nova geração de nacionalistas marxistas emergia no Sul, atacando o “neo-imperialismo” que, acreditavam, havia sido tolerado por seus antecessores, socialistas moderados. A Conferência Tricontinental de socialistas africanos, latino americanos e asiáticos, patrocinada por Cuba e realizada em 1966, abriu uma nova série de revoluções. Por volta de 1980, os Estados marxistas-leninistas estendiam-se do Afeganistão a Angola, ao Yêmen do Sul e à Somália.

O Ocidente também assistiu a um revival marxista nos 60, mas seus estudantes radicais tinham, ao fim, mais compromisso com autonomia individual, democracia na vida quotidiana e cosmopolitismo do que com disciplina leninista, luta de classes e poder de Estado. A trajetória do estudante alemão radical Joschka Fischer é um exemplo expressivo. Membro de um grupo denominado Luta Revolucionária, que tentou inspirar um levante comunista entre trabalhadores da indústria automobilística em 1971, ele tornou-se mais tarde líder do Partido Verde alemão.

A emergência, a partir do final dos anos 1970, de uma ordem americana dominada pelos mercados globais, seguida pela queda do comunismo soviético ao apagar dos 80, causou uma crise generalizada da esquerda radical. Fischer, como muitos outros estudantes dos 60, adaptou-se ao novo mundo. Como ministro do Exterior da Alemanha, ele apoiou os bombardeios dos EUA em Kosovo (contra as forças de Slobodan Milosevic, antigo líder comunista sérvio), e defendeu os cortes no Estado de Bem-estar Social da Alemanha, em 2003.

No Sul, o FMI forçou reformas de mercado em países pós-comunistas endividados, e algumas das antigas elites comunistas fizeram uma conversão ardente ao neoliberalismo. Resta agora só um punhado de Estados denominados comunistas: Coreia do Norte e Cuba, além de China, Vietnã e Laos, mais capitalistas.

Hoje, mais de um quarto de século após o colapso da União Soviética, seria possível uma quarta encarnação do comunismo?

Um grande obstáculo é a divisão pós-60 entre uma velha esquerda que prioriza a igualdade econômica e os herdeiros de Fischer, que ostentam valores cosmopolitas, políticas de gênero e multiculturalismo. Além disso, defender os interesses dos excluídos, em escala global, parece uma tarefa quase impossível. O crash de 2008 apenas intensificou os dilemas da esquerda, enquanto criou, para nacionalistas radicais como Donald Trump e Marine Le Pen, uma oportunidade de explorar a ira diante das desigualdades econômicas do Norte global.

Estamos apenas no início de um período de grandes mudanças econômicas e agitações sociais. À medida em que um tecno-capitalismo altamente desigual for incapaz de oferecer empregos decentes, os jovens poderão adotar uma agenda econômica mais radical. Uma nova esquerda poderia ser capaz de unir estes hoje derrotados — estejam na economia do material ou do imaterial – em favor de uma nova ordem econômica. Já surgem reivindicações de um Estado mais redistributivo. Ideias como a renda universal da cidadania, que a Holanda e Finlândia estão experimentando, aproximam-se, na concepção, à visão de Marx sobre a aptidão do comunismo para suprir os quereres de todos – “de cada um segundo sua capacidade para cada um segundo sua necessidade”.

Um longo caminho nos separa da Praça Vermelha de Moscou em 1987 – e ainda mais do Palácio de Inverno de Petrogrado em 1917. Não haverá volta ao comunismo dos planos quinquenais e  dos gulags. Mas se há algo que esta história turbulenta ensina é que os “últimos hurras” podem ser tão ilusórios quando o “fim da ideologia” previsto nos anos 1950 ou o “fim da História” de Fukuyama, em 1989.


Lênin já não vive e o velho comunismo pode estar morto, mas o senso de injustiça que os animou está vivíssimo…
http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2017/03/comunismo-havera-uma-quarta-onda.html

GRITAR "FORA, TEMER" GARANTE APLAUSOS, MAS A APOSTA REALISTA É "DENTRO, TEMER"

Por Vinícius Mota

GOVERNO TEMER É GERINGONÇA DIFÍCIL DE DERRUBAR
A ansiedade que antecede a divulgação da nova lista de investigados ilustres do procurador Janot agita a República. A torcida ao redor dos defenestrados pelo impeachment aproveita a oportunidade e amplia o coro Fora, Temer.

Os profissionais da política, contudo, já entenderam a natureza do jogo. A Lava Jato tem baixa probabilidade de dissolver, até o pleito de outubro do ano que vem, o amálgama deste governo de transição.

O foro privilegiado garante uma longa sobrevida aos implicados. Em março de 2015, a primeira lista de Janot foi divulgada pelo Supremo com dezenas de investigados. Dois anos depois, nada de notável aconteceu na corte, a não ser a abertura de processo contra Eduardo Cunha.
Qual o nome deste quadro? "A fantasia guiando os ingênuos"?

Apenas uma feitiçaria do STF, difícil de acontecer, poderia remeter muitos desses inquéritos para a primeira instância federal, que tem se mostrado mais célere.

Resta o julgamento das contas da chapa Dilma-Temer pelo tribunal eleitoral. Prazos regimentais, nomeações de novos juízes pelo presidente da República e o leque de recursos da defesa, que pode fazer o caso chegar até o Supremo, alongam no horizonte a definição desse litígio.

A solução da Carta na hipótese de cassação de Temer, um pleito indireto para mandato tampão, torna-se tanto mais insólita quanto mais se aproxima a eleição direta regular. Os juízes levarão isso em conta ao decidir o processo eleitoral.

A tecnologia para lidar com impactos políticos da Lava Jato está desenvolvida. O Congresso e sua maioria de centro-direita governam através de Temer. Um ministro que cai é logo trocado por outro indicado pelo Legislativo. Se a geringonça funcionar, o vencedor em 18 não precisará adotar medidas tão duras na economia.
Por isso presidenciáveis profissionais, como Lula, não contam com a queda de Temer. Tampouco desgostam de que ele carregue o peso das reformas ingratas.

Obs.: enquanto a esquerda desperdiça tempo precioso num desabafo que não levará a lugar nenhum, deixa de fazer a lição de casa, qual seja a apuração dos erros crassos que conduziram à vexatória derrota de 2016, a rigorosa autocrítica dos responsáveis (seguida, possivelmente, do seu afastamento) e a definição de novas estratégias e táticas, para substituírem as que fracassaram tão rotundamente na prática. 

Nós continuamos patinando sem sair do lugar, mas os fascistas, não. Eles se articulam e suas fileiras crescem a cada dia. É cada vez maior a possibilidade de uma vitória dos Bolsonaros e Caiados na eleição de 2018. E, com essa esquerda que está aí, nem de longe conseguiremos fazer frente a um fascismo com embasamento social, como o que se prenuncia. Ou acordamos depressa de nossa letargia ou seremos futuramente engolidos. A contagem regressiva está em curso. 
(Celso Lungaretti
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/03/gritar-fora-temer-garante-aplausos-mas.html

domingo, 5 de março de 2017

RECADO PARA O TRUMP: O APOCALIPSE NÃO É UM REALITY SHOW!


Eu tinha acabado de fazer 12 anos quando a crise dos mísseis cubanos estava em grande destaque no noticiário. 

Ingenuamente, perguntei a um colega mais velho do ginásio se ele temia ser convocado para lutar numa eventual 3ª Guerra Mundial. 

Nem me passava pela cabeça que não haveria guerra, mas sim o extermínio quase instantâneo da espécie humana.

Agora que o presidente demente Donald Trump trama um aumento de 10% no orçamento militar dos Estados Unidos, podendo dar o pontapé inicial de uma nova corrida armamentista, fico pensando como seria bom se as novas gerações não olhassem tanto para o próprio umbigo, alheias a quase tudo que aconteceu anteriormente na história da humanidade.

Quantos saberão hoje em dia que, durante 13 dias do mês de outubro de 1962, a sobrevivência da espécie humana esteve por um fio? Quantos se mostrariam tão indiferentes aos planos sinistros de Trump se soubessem disto?

Rememoremos. O presidente John Kennedy deu um ultimato à União Soviética, exigindo a retirada de mísseis nucleares instalados secretamente em Cuba, cuja presença fora revelada por fotos de aviões espiões, e ordenou o bloqueio naval da ilha. A resposta do premiê Nikita Kruschev foi despachar uma força-tarefa rumo à linha do bloqueio. 

Militares linha-dura de ambos os lados acalentavam o sonho de destruírem o inimigo atacando em primeiro lugar com suas bombas atômicas. Isto não teria dado certo pois, além de empestear com radiatividade um enorme naco do planeta, ainda sobraria ao país atacado tempo suficiente para lançar seus mísseis antes de ser pulverizado.

Então, quando aquelas dezenas de navios de guerra se colocaram frente a frente, bastaria um dos comandantes perder a cabeça e gritar fogo! para as pedras de dominó começarem a tombar uma por uma. A guerra começaria no mar e, em  terra, logo os mísseis seriam libertados dos silos.

O perigo era tão dantesco que, do lado dos EUA, o próprio John Kennedy comandou com mão de ferro a operação. Inclusive contatava pessoalmente, por rádio, os comandantes dos navios, dando-lhes ordens e instruções. Ele e o irmão Bob (seu conselheiro militar) fizeram tudo que podiam para que a situação não escapasse de controle.

Não se sabe ao certo o que Kruschev fez nem quem foi o responsável pela decisão de ordenar aos navios soviéticos que dessem meia volta, desistindo de romper o bloqueio.

Mas o premiê soviético estava tão pressionado que, quando resolveu entrar em contato com John Kennedy para discutirem o impasse, optou por mandar recado por um canal inusitado, ao invés de recorrer aos diplomatas profissionais que imediatamente transmitiriam a novidade ao serviço de espionagem.

Ou seja, escondeu de todos seu governo que estava negociando em segredo com os EUA até fechar o acordo e só então apresentou o prato feito ao Politburo, obtendo seu aval (seria difícil discordar naquela altura).
Aceitara retirar imediatamente os mísseis soviéticos de Cuba, em troca da promessa de Kennedy de retirar dentro de algum tempo, sem alarde, os mísseis estadunidenses da Turquia e da Itália.

Ou seja, em termos concretos o resultado foi um empate, mas Kruschev permitiu que os EUA posassem de vencedores, pois esta era a imagem que os filmecos de Hollywood sempre impingiram ao resto do mundo. 

De quebra, foi instalado o célebre telefone vermelho, linha direta para os dois dirigentes supremos se contatarem em momentos de grave crise, como garantia adicional de que uma guerra apocalíptica não começasse por mero equívoco.

Chegamos a um passo do abismo e recuamos horrorizados; aí atravessamos mais de meio século sem sustos semelhantes. Agora, contudo, podemos voltar às paranoias do tempo da guerra fria, quando aquelas imagens horrorosas da destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki assombravam-nos em pesadelos e cidadãos particulares chegavam ao cúmulo de construírem precários abrigos nucleares em suas residências.

Pior: tendo plena consciência de que, mais dia, menos dia, a casa acabará finalmente caindo, caso não transformemos radicalmente a nossa sociedade. Enquanto os artefatos de destruição em massa existirem, não teremos garantia nenhuma de estarmos vivos no dia seguinte.

https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/03/recado-para-trump-o-apocalipse-nao-e-um.html