domingo, 15 de dezembro de 2019

NUMA DEMOCRACIA, QUANDO A MAIORIA DOS ELEITORES DECIDE MARCHAR PARA O PRECIPÍCIO, O PAÍS CAI NO ABISMO...


hélio schwartsman
O PULO NO FOSSO
Um dos problemas da democracia é que, quando a maioria dos eleitores decide marchar para o precipício, o país cai no abismo. É o que acontece no Reino Unido com a maiúscula vitória do premiê Boris Johnson.

A principal consequência da votação é que Johnson conseguiu carta branca para efetivar o divórcio entre os britânicos e a União Europeia, que agora deve ocorrer antes do final de janeiro. E é o brexit que pode ser objetivamente descrito como um pulo no fosso.

Embora muitos britânicos achem que a separação representará a retomada dos tempos gloriosos, nos quais o povo decidia seu próprio futuro sem a interferência de estrangeiros e em que os bons empregos não eram roubados por estrangeiros, ela significa, em termos mais concretos, a renúncia ao acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e a inutilização da melhor ferramenta para lidar com o problema da estagnação demográfica, que é a imigração.

Se é tão claro assim que o brexit é objetivamente ruim, por que tantos eleitores o apoiaram? Aí é que está o pulo do gato.

A ideia de um Reino Unido glorioso e independente circula como meme e está ao alcance fácil de qualquer um que se disponha a apanhá-la. 

A constatação dos prejuízos, porém, exige a montagem de cenários contrafactuais mais difíceis de visualizar, que não raro envolvem muita estatística: como ficaria a economia se o Reino Unido continuasse na UE?

Um estudo do próprio governo britânico que vazou em 2018 estimou que, com o brexit, até 2034, o PIB ficará entre dois e oito pontos percentuais menor do que seria em caso de permanência. Com a saída nos termos pretendidos por Johnson, o prejuízo seria de 6,7 pontos percentuais.

O diabo é que as lideranças populistas estão cada vez mais hábeis em fazer com que os eleitores se enamorem dos memes fáceis e ignorem os cenários só um tiquinho mais complexos. (por Hélio Schwartsman)
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UM INVENTÁRIO DAS TRAGÉDIAS E DOS DESATINOS NOSSOS DE CADA DIA


Quando ligamos a TV para assistir ao noticiário (cada vez mais policialesco), desabam sobre nós as tragédias humanas mundo afora. 

O que está na base de tantos desatinos, justamente num momento em que a humanidade atinge um elevado grau de conhecimentos nos vários ramos das ciências (que vão desde a Inteligência artificial dos robôs até a clonagem de seres vivos, passando pelos fenômenos da computação e comunicação instantânea via satélite)?

Por que, apesar de tantos avanços tecnológicos, aumentam a fome no mundo, a violência urbana e a violência das guerras, ocorrem sérias alterações climáticas que incomodam generalizadamente (sem a seletividade social e territorial da exploração econômica) os habitantes deste sofrido planeta, inquietando inclusive a população dos habitantes dos países economicamente desenvolvidos, que pressiona seus governos impotentes para a resolução dos agudos problemas?

Constatemos, inicialmente, apenas os fatos, como numa fotografia que os retrata, sem sobre eles nos pronunciar, deixando as conclusões para o final:
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A morte de pessoas nos hospitais do RJ devido à greve dos profissionais da saúde por falta de pagamento dos salários – tanto o prefeito Marcelo Crivella como o governador Wilson Witzel foram eleitos com base na estupefação dos eleitores ao constatarem a falência do município e do estado do Rio de Janeiro, que vivem ambos às voltas com a corrupção, a precariedade das demandas públicas, as dificuldades de pagamento dos salários de servidores e pensionistas e tantas outras mazelas decorrentes de atual situação falimentar das contas públicas. 

As suas eleições devem-se ao falacioso discurso conservador e fundamentalista religioso segundo o qual, sob as bênçãos de um Deus por eles imaginado e corporificado, e eliminando-se a corrupção com o dinheiro público e matando os bandidos, tudo estaria resolvido.
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A saída do Reino Unido da União Europeia – num processo eletivo parecido com aquele dos EUA, no qual nem sempre vence quem tem a maioria de votos, os britânicos elegeram uma maioria de parlamentares conservadores que apoiam Boris Johnson, decretando a vitória do Brexit. 

Fizeram-no por estarem cansados da paralisia que acometeu o reino nos últimos anos, enquanto se debatiam as conveniências e prejuízos econômicos implícitos no desligamento das franquias estabelecidas pelo mercado comum europeu.
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A posição do Brasil e dos governos mundo afora sobre as questões climáticas -  após rejeitar ser sede da COP25, a conferência do clima que está sendo realizada em Madri, o presidente Jair Bolsonaro agride a estrela do evento, Greta Thunberg, chamando-a de pirralha, horas antes de ir às bancas a revista Time que a traz na capa e anuncia sua escolha como personalidade do ano de 2019.

O Brasil, que até há bem pouco tempo era reconhecidos como um país engajado na luta pela preservação do meio ambiente, agora está sendo tratado mundialmente como vilão ecológico. 

A COP25 se vê diante de impasses por causa da priorização mundial da produção de bens de consumo (da qual os Estados retiram os impostos) e da prevalência de uma forma de vida urbana que emite os gases poluentes causadores do efeito-estufa (responsável pelo aquecimento global que pode causar danos graves à produção de alimentos no curto prazo, e exterminar a vida animal e vegetal do Planeta em médio prazo).

Danos aos mares, rios e solos aí acrescidos. 
Os Estados Unidos e a China esboçam acordos bilaterais sobre o protecionismo de mercado – como todos querem vender mais do que compram e por valores diferenciados (produtos manufaturados e tecnológicos com preços superiores aos produtos primários), estabelece-se a impasse comercial e economicamente irresolúvel. 

O chamado comércio de mão única, no qual quem tem maior nível de produtividade e/ou baixos salários ganha a guerra concorrencial de mercado e se afirma perante os perdedores como economicamente superior, provoca essa disputa de impossível conciliação pacífica, prenunciando a morte dos contendores e dos que ficam à margem desse processo autofágico (tido hipocritamente como saudável).
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A previdência social na Europa, França e Bahia... – comemora-se com euforia a redução das pensões previdenciárias como forma de reequilibrar as contas públicas, que marchavam para um descontrole inadministrável.

Às pessoas comuns tal procedimento é apresentado como saudável para a retomada do crescimento econômico que poderia proporcionar o ajuste fiscal e resolver a mais grave de todos os problemas sociais da atualidade: o desemprego estrutural.

Na França, uma greve contra a reforma previdenciária paralisa o país há dias, algo parecido com a greve geral de maio de 1968. 

A classe média dos países que se desenvolveram industrialmente vendendo seus produtos para o mundo, como é o caso da França, agora está perdendo poder de compra em razão do deslocamento da produção globalizada de mercadorias que se instala nos países de mão-de-obra barata (trabalho abstrato), que reduz empregos locais, salários, contribuições previdenciárias e impostos.

A diferença agora é que as populações cultas europeias e sem perspectivas de ganhos (principalmente a juventude) tem poder de pressão social e não aceitam ficar caladas diante dessa realidade de debacle no seu poder de consumo.  

No Brasil, o clima é de júbilo pela reforma previdenciária, á qual deve seguir-se a reforma administrativa e outras maravilhosos medidas restritivas de direitos que devem salvar o que muitos consideram como maravilhoso: o capitalismo e seu Estado, agora tido como incorruptível... 
A aprovação de medidas anti-crime no Brasil  o Congresso Nacional acaba de aprovar um pacote de medidas penais punitivas que representam maior rigor no combate ao crime, seja o do colarinho branco ou o dos pés-de-chinelo.

Já temos um sistema presidiário que não suporta tantos criminosos produzidos por uma sociedade violenta e em constante tensão e o que se prevê é um aumento dos insuportáveis gastos com a manutenção de presos (pretos e pobres em sua maioria).

Não é por menos que o atual governo quis aprovar o instituto do excludente de ilicitude para policiais em serviço (também conhecido como licença para matar), o qual iria açular ainda mais o espírito perverso e psicótico de alguns policiais sádicos que, ao invés de cumprirem a missão de proteger a sociedade, extravasam seus instintos de dominação e poder. 

Todas as proposições governamentais são justificadas como medidas de combate ao crime, à corrupção com o dinheiro público, e justificadas como necessárias à pacificação da sociedade.
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A explosão social chilena  o Chile, que até outro dia era a exceção que confirma a regra, ou seja, era o patinho bonito da América do Sul, com seus indicadores econômicos globais positivos que mascaravam a realidade do povo, explodiu numa revolta social na qual dezenas de pessoas morreram e muitas outras foram irremediavelmente mutiladas (cegueira total e deformidades físicas por agressão à bala) graças à ação do governo democrático de Sebastian Piñera. 

O liberalismo ortodoxo da escola de Chicago demonstrou a sua verdadeira face: concentração de renda; ajuste fiscal às custas do sacrifício de pensionistas; atendimento restrito das demandas sociais, e por aí vai...

O Brasil que se espelhava no Chile, com economistas da mesma escola de pensamento econômico, deve botar as barbas de molho?
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Sobre a inversão de valores nos costumes no Brasil – o guru astrológico Olavo de Carvalho, que grava filmes com um portentoso cachimbo nos lábios (demonstrando quão benéfica é a ingestão da nicotina para a população), se propõe reescrever a história ao seu modo. Algo mais ou menos assim:
— Zumbi dos Palmares se torna feitor de escravos; 
— Tiradentes deve virar um espião da Coroa portuguesa; 
— Silvério dos Reis merece ser condecorado pela Polícia Federal como delator de corrupção; 
— o Barão do Rio Branco queria vender a Amazônia aos comunistas; 
— Garrincha combinou com os russos para ganhar a Copa do Mundo de 1958; 
— Carmem Miranda era uma quinta coluna brasileira na 2ª Guerra Mundial e nunca cantou nada; e
— Tom Jobim e Vinicius de Morais, na peça Orfeu da Conceição, faziam apologia da escravidão, a qual, segundo a seita olavista, teria benéfica para os negros do Brasil;
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Vamos ficar por aqui neste inventário de terror, apesar de existirem muitos outros retratos sociais que poderíamos expor, para concluirmos sobre a causa comum dessa tragédia mundial sob a forma de algumas indagações:
— por que há um mutismo em relação à possibilidade de um novo modo de produção social, que não seja permeado pela competição fratricida da guerra concorrencial de mercado?
— por que, ao invés de combatermos infrutiferamente a tradicional corrupção com o dinheiro público, não discutimos uma organização social horizontalizada, sem poder estatal e cobrança de impostos?
— por que temos de aceitar o ruim para evitarmos o pior, como é o caso da restrição de direitos e ganhos civilizatórios em curso?

Todos os fatos acima narrados, de diferentes matizes, têm um ponto em comum: uma relação social fetichista, reificada, na qual coisas inanimadas (as mercadorias) ganham vida e comandam as nossas vidas.

Somente com a superação da forma-valor, relação social mediada pelo dinheiro e mercadorias cuja forma está em flagrante contradição com o conteúdo, poderemos salvar as nossas vidas e a vida do planeta que nos abriga. (por Dalton Rosado)  



A 'POLÍCIA BANDIDA' TEM TUDO A VER COM A INFLUÊNCIA EXERCIDA POR UM PRESIDENTE QUE ELOGIA O ARBÍTRIO E A TRUCULÊNCIA

demétrio magnoli
INIMIGOS DA POLÍCIA
Há, e são muitos, policiais profissionais que cumprem a sua missão de proteger a ordem pública e a segurança dos cidadãos respeitando estritamente a lei. 

Existem, e não poucos, policiais que vão muito além de seu dever. Eles apartam brigas de casais, assumem riscos pessoais excessivos para salvar indivíduos em perigo, fazem partos em situações de emergência, amparam famílias durante os dias traumáticos do sequestro de um dos seus. Por culpa dos inimigos da polícia, geralmente esquecemos disso.

Um inimigo da polícia é o policial que usa sua arma como ferramenta para violar a lei. Aquele que chantageia pessoas vulneráveis para obter propina, cobra tributos informais de atividades irregulares, engaja-se na intermediação de negócios ilegais, associa-se a máfias políticas ou empresariais. 

Ou, ainda, aquele que pratica pequenos gestos cotidianos de arbítrio, recorre à brutalidade gratuita, envolve-se em operações de vingança homicida, forma milícias. 

Esse tipo de policial degrada sua profissão: a substância pegajosa que dele emana suja o uniforme de seus colegas honestos e mancha até mesmo os distintivos dos colegas heroicos. 

O policial contaminado pelo preconceito é um inimigo da polícia. Ele enxerga o bairro de periferia ou a favela como terra estrangeira —e seus habitantes, especialmente quando jovens e negros, como delinquentes naturais. 

Sob a lente de seus óculos, o baile funk dos pobres é orgia criminosa. Nesse olhar fraturado começa o trajeto que se conclui em tragédias como a de Paraisópolis, em São Paulo. 

Entretanto, quase invariavelmente, a consumação da barbárie depende de uma palavra que vem de cima.

A polícia é o que seus comandos querem que seja. A cultura policial nasce nos escalões superiores —isto é, nos comandantes e nas autoridades políticas que os selecionam.  

Policiais bandidos sempre existirão, mas a polícia bandida é o fruto do presidente que elogia o arbítrio e a truculência, do filho do presidente que homenageia milicianos, do governador que pede tiros bem na cabecinha ou do que nada vê de condenável na alta letalidade das operações de sua polícia.

Os principais inimigos da polícia têm nome e sobrenome: chamam-se Jair Bolsonaro, Wilson Witzel, João Doria.

O policial profissional sabe que o policial bandido é seu inimigo —e, por isso, espera que sistemas de controle o identifiquem e excluam da corporação. 

Entre os maiores inimigos da polícia encontra-se Sergio Moro, o ministro que, por meio de seu excludente de ilicitude, almeja impedir a punição de criminosos uniformizados. 

O dispositivo, se aprovado, representaria o triunfo jurídico da polícia bandida —ou, dito de outro modo, o enterro definitivo da polícia profissional. Atrás da proposta legislativa, espreita a sombra do esquadrão da morte.

Lei de Drogas, envelope jurídico do preconceito social, é o pátio de encontro dos inimigos da polícia. Seus holofotes comprimem, numa tábua única, a alta criminalidade do narcotráfico, o pequeno crime da mula ou do aviãozinho e o consumo de entorpecentes no pancadão da periferia (esqueça a rave de Pratigi, na Bahia: nas festas da classe média não circulam drogas!). 

Os adolescentes mortos em Paraisópolis são danos colaterais da Lei de Drogas, como o são as crianças alvejadas no Rio e a multidão de presos sem nome das penitenciárias convertidas em escolas do crime.

Os inimigos da polícia fazem com que, no lugar de respeito, a polícia se torne objeto de temor, aversão e ódio. Não há nada mais perigoso do que isso para os policiais. 

Eles têm que cumprir sua missão em territórios hostis, entre pessoas que os enxergam como as ameaças mais letais. Devem, portanto, operar em comunidades que preferem o silêncio à cooperação ou, em casos extremos, escolhem cooperar com os criminosos. 

partido do excludente de ilicitude também mata policiais. (por Demétrio Magnoli)