sábado, 3 de março de 2012

Origens e atenuantes da violência

O autor poderia usar a expressão "ser humano" em vez de "homem" o tempo todo, mas o texto é muito bom!



Origens e atenuantes da violência

Por Sótero Araújo Medrado

Estamos experienciando atônitos tempos de barbárie, de flagrante negação da alteridade. O homem civilizado – homo sapiens - e cibernetizado – homo cyber - estereotipou-se, paradoxalmente, num outro eu estranho de si mesmo. Povoam as consciências profundas incertezas quanto à capacidade humana de encontrar a razoabilidade da vida, buscar a atitude sensata, sondar o recôndito valor de sua existencialidade. O que nos deixa em letargia e desolação é a incerteza inexorável de uma eventual restauração da estrutura ontológica do indivíduo. Creio que a perda da dimensão do outro, tenha afastado o homem de sim mesmo. Uma existência, digo, humana, só se reconhece na presença de outra existência, fora disso o homem não saberia de si, de sua facticidade, historicidade.
Atrocidades

"Nada mais se fala senão em horrendas atrocidades do humano contra o humano. A vida tornou-se impossível. Há insuficientes ecos de defesa em favor da vida. Mas há muito mais eficiência na acusação contra ela"

A escalada da violência perpetrada pelo homem em todo mundo tem pautado diuturnamente os noticiários nacional e internacional. Nada mais se fala senão em horrendas atrocidades do humano contra o humano. A vida tornou-se impossível. Há insuficientes ecos de defesa em favor da vida. Mas há muito mais eficiência na acusação contra ela. A vida vem se despotencializando, nadificando-se. A existência do outro, assim como a do algoz, que a natureza levou bilhões de anos para engendrar, é abruptamente ceifada por atos tresloucados de bestialidade, que espalha dor e cega qualquer tentativa de compreensão desses desmandos. Assistimos, assim, o desequilíbrio de uma ordem (Razão) implícita a toda natureza, que governa o universo segundo o signo de uma justa medida. A falta de discernimento por parte do homem em face da existência de uma consciência cósmica, que os gregos chamavam de LOGOS e os latinos de ratio, vem nos empurrando ao caos inicial, onde não havia ordem (bom senso), mas a desorientação de corpos cegos a vagar no espaço.
Natureza x razão
Invocar o estatuto natural do homem, a sua animalidade, a sua função instintiva de alimentação, reprodução e conservação, como fundante de suas ações de topor e estupenda agressão contra o seu igual, não me parece razoável. Que a violência assenta algumas de suas raízes na base natural, não há dúvida. Mas a animalidade por si só não é determinante da desordem do homem. A necessidade do ser-da-razão e a resposta dada a esta vai determinar o seu aspecto de negatividade ou positividade, evidenciando o seu componente de violência. A busca desmedida para satisfazer desejos produz uma potencialidade negativa, que está na ordem da sua aquisição ou não. A satisfação e a insatisfação são a dualidade, no interior da qual se efetiva o problema da violência.
Mais do que a natureza, o dado da razão dotou o homem de autoconhecimento e valores, como virtude, moral e sabedoria, o que pode ser confirmado em Sócrates e Platão. Assim, conferiu ao homem a capacidade volitiva e a liberdade de escolha. O homem é o único animal que sabe que sabe. Sabe o que quer e mais que isso, o que não quer. Sabendo o que não quer, ele escolhe, decide e se projeta para o que poderá querer, seguro de que pode sempre mais. A crença no possível é tarefa que o homem não deve postergar. É precisamente nesse movimento, que o homem faz a passagem da necessidade à escolha, donde se operacionam os sentimentos de contentamento e descontentamento, "cheio ou vazio”, "falta ou completude", que a depender do saciar-se ou não, produz a violência.
Cartesianismo
Na época, século XVI, a res-cogitans, pensada por Descartes, foi apresentada como solução para o conhecimento e os problemas humanos, a extensão era só a verificabilidade do pensado (res-extensa= a matéria extendida no espaço, inclusive o meu corpo). O cartesianismo reduziu o homem a um dualismo psicofísico, protagonizado por um racionalismo que se estabeleceu enquanto critério de verdade. O Cogito, Ego Sum cartesiano aprisionou o homem no pensamento, assim como Sigmund Freud o encarcerou no inconsciente. No primeiro, temos um homem cuja ações são dirigidas por um racionalismo exacerbado e uma mentalidade mecânica da vida. Aqui o mundo já está dado, não cabendo mais lugar para imprevisibilidade, o novo. No segundo, as ações do homem são explicadas pela força residual do passado, enquanto conteúdo do inconsciente, que determina as suas atitudes. Já para Karl Marx, a causa do sofrimento do homem estava nas relações de trabalho. Mudando a lógica trabalho x capital, o homem estaria salvo. Onde está de fato o problema do homem? Será que a razão sozinha pode nos apontar uma saída? E o inconsciente, o que tem a contribuir? Ou mudando o modelo de produção econômica com ênfase no capital, para um outro com acento no social, redimiria o homem?

"A violência reside na tensão entre a necessidade e a busca da satisfação. Ela não está somente na carência, mas também na abundância"

Mutatis mutandi, problema da violência não deve passar ao largo do âmbito da razão. Não se postula aqui forjar o homem ideal, mas garantir a sua possível razoabilidade. Por outro lado, abandoná-lo nos braços de Gaia, como desejou Nietzsche, seria imergi-lo na combustão da imanência sem transcendência.
Necessidade x desejo
Desta forma, a violência reside na tensão entre a necessidade e a busca da satisfação. Ela não está somente na carência, mas também na abundância. Aprendemos com o estudo do desenvolvimento dos povos que as nações quando atingem altos índices de desenvolvimento e bem-estar, ressentem da sensação de inércia diante da falta de expectativa e prospectiva de vida, quando não se sabe mais o que buscar. O que está cheio já não recebe mais, carecendo da falta do receber. Este sintoma da vazão ao tédio, o egoísmo e a solidão. Aqui, o homem cercado de tudo, vivência o seu mais completo niilismo, o nada, a impotência de não ter mais nada a necessitar, senão a necessidade de esvaziar o corpo cheio, para sentir-se novamente desejoso de enchê-lo.
Não somos imparciais quando dizemos que a violência só vem dos morros, das ruas, das drogas, ou seja, de onde mais sentimos a ausência do Estado?! Mas o que dizer daquela violência oriunda de pessoas mais instruídas e abastadas? Jovens de classe alta, embriagados, drogados ou não, socialmente saciados dos seus apetites mais refinados, não tendo mais o que possuir, apóiam-se em seus carrões para dar evasão a seus desejos fúteis e desmedidos, fazendo da velocidade a morte dos seus semelhantes. Ainda, o que dizer de jovens ricos que ateiam fogo em mendicantes, índios e trabalhadores? O que dizer da escalada dos homicídios que assolam o Brasil? Pais que vitimam filhos indefesos e filhos que tiram as vidas dos seus genitores, etc.
Insanidades

É sabido que a violência se camufla em múltiplas formas e graus. A violência física é o ápice da insanidade do homem em se afirmar pela força e o poder de dominar e/ou eliminar o outro. As outras manifestações de violência às vezes podem ser potencialmente mais devastadoras do que a física, como por exemplo, a humilhação pelo destrato, a discriminação de qualquer natureza, a indiferença, o abandono, as desigualdades, os assédios, a exploração sexual e do trabalho infantil, a violência doméstica, enfim as nossas intolerâncias políticas e religiosas.

"O papel da Educação é uma das vias fundamentais na potencialização do homem em discernir sensatamente o objeto de suas necessidades e aí poder fazer as suas escolhas com bom juízo"

Em síntese, banir a violência não é uma tarefa possível, mas só ponderável - remediável pelo restabelecimento da sensatez. Aqui o papel da Educação é uma das vias fundamentais na potencialização do homem em discernir sensatamente o objeto de suas necessidades e aí poder fazer as suas escolhas com bom juízo. Saber julgar ou julgar com parcimônia é a condição para vida em harmonia e respeito aos semelhantes, o que quer dizer fazer-se outro enquanto outro - se colocar no lugar do outro. Quem se põe no lugar do outro se faz o MESMO, antevendo a sensação que poderia causá-lo.
Leitura
Na esteira da discussão sobre a violência, quero sublinhar aqui, o inadiável incentivo à leitura nas escolas de ensino fundamental e médio. A leitura é um vetor de desenvolvimento cognitivo e de universalização do homem. Pela leitura, o homem descortina os meandros do conhecimento, de um mundo fantástico de infinitas possibilidades. Por esta, o homem se redimensiona e liberta-se da condição limite e limitante de sua capacidade intelectual e social.
Uma nova têmpera de homem, forjado pelo ‘fogo’ da leitura e a alegria de viver e fazer viver, é tudo que perseguimos, no escopo da humanização do homem, que deve ultrapassar-se a si mesmo, em razão da ressignificação de sua existência

Sótero Araújo Medrado é professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e coordenador do Café Phylo
Fonte: Caros Amigos

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A sinuca de bico do PSDB no caso da ‘Privataria’


Serra
O livro A Privataria Tucana tem tucana no nome. Mas investiga especificamente o chamado “esquema Serra”.

As acusações são individualizadas e se referem objetivamente aSerra. Amaury o acusa diretamente de corrupção. Se inocente, caberia a Serra buscar a reparação na Justiça. Não o fará porque um eventual processo certamente esmiuçaria sua atuação desde a Secretaria do Planejamento de Franco Montoro, passando pelo relatório Bierrenbach, pelo caso Banespa e pelas privatizações, além de enveredar pelos negócios da filha no mundo offshore. Só faltava a Serra, a esta altura do campeonato, uma ordem judicial para abrir as contas da filha nas Ilhas Virgens.
Se autor da ação, o PSDB pouparia Serra da exceção da verdade. Mas de qual acusação o PSDB pretenderá se defender? Provavelmente do fato de Amaury Ribeiro Jr ter imputado a todo o partido os atos obscuros de Serra.
O PSDB poderá alegar que em nenhum momento as provas apontam para uma ação orquestrada de partido. Se for por aí, será uma tática esperta, porém falsa. Espera-se que o juiz reconheça que não há provas de ação de partido nas maracutaias denunciadas. Depois, dá-se ampla cobertura à sentença, como se fosse condenação do conteúdo do livro como um todo.
Ocorre que, se a lógica da ação for por aí, o PSDB trará para si o cálice do qual Serra foge qual o diabo da cruz. Aí se entrará de cabeça na politização do episódio – o álibi ao qual Serra tem se agarrado como bóia – , no questionamento não das propinas supostamente pagas, mas de todo processo de privatização. O partido entregará de bandeja sua bandeira e, principalmente, sua única referência política; FHC.
O mais lógico seria PSDB e velha mídia “realizarem o prejuízo” – como se diz no mercado do ato de vender ações que estão dando prejuízo sabendo que, quanto mais o tempo passar, maior será o prejuízo incorrido.
Por Luís Nassif

Globo esconde escândalo Carlinhos Cachoeira


Reprodução
Policiais vendidos, o governo de Goiás ocupado pelo crime e um senador mimado pelo bicheiro; nada disso é notícia no maior grupo de comunicação do País; apenas um registro no G1, uma matéria protocolar em Época e nenhuma fala no Jornal Nacional; o que aconteceria se os amigos do bicheiro fossem petistas? É, pelo jeito, o tal PIG existe mesmo
Os leitores que nos acompanham, à esquerda e à direita, sabem que não somos os melhores amigos do blogueiro Paulo Henrique Amorim, responsável pela difusão da expressão PIG – Partido da Imprensa Golpista. Alguns sabem até que ele nos processará por termos noticiado, em primeira mão, que o titular do Conversa Afiada irá pagar R$ 30 mil ao também jornalista Heraldo Pereira, a quem chamou de “negro de alma branca”.
Filosoficamente, não nos consideramos parte do PIG nem do que os representantes da “imprensa golpista” chamam de JEGs – Jornalistas da Esgotosfera Governista. Mas o fato é que, vez por outra, passamos a crer que o PIG realmente existe. Quer uma prova? O incrível silêncio das Organizações Globo, maior grupo de comunicação do País, sobre a Operação Monte Carlo, que prendeu o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Bom, de fato, há uma matéria no G1, portal de notícias da Globo. Mas é preciso ter lupa para encontrá-la. O texto remete para uma reportagem de Época, com título anódino: “As ligações de Carlinhos Cachoeira com políticos”. Políticos, como se vê, é uma expressão como outra qualquer. Poderia ser, por exemplo, baleias. Nenhuma preocupação em dar, no título da matéria, nome aos bois, indicando o governador Marconi Perillo, do PSDB, e o senador Demóstenes Torres, do DEM. Será que seria assim se os amigos do peito do bicheiro fossem representantes da base governista ou, mais precisamente, do PT?
Temos nossas dúvidas. Na reportagem de Época, Demóstenes Torres é quase uma vítima do bicheiro, que o iludiu. "Pensei que ele havia abandonado a contravenção", disse ele (leia mais aqui). Marconi Perillo é outra vítima da quadrilha, embora tenha entregue a segurança pública - repita-se, a SEGURANÇA PÚBLICA - ao maior criminoso do estado.
O fato é que, em qualquer lugar do mundo, a descoberta de um esquema onde o maior mafioso de um estado, explorador de cassinos e caça-níqueis, nomeia os chefes da segurança pública, monta um esquema de espionagem e presenteia um senador moralista é notícia. Não dá para ignorar. O que explica esse comportamento? Será que o PIG existe mesmo?
No Brasil 247
Aguardemos as próximas aparições de Patrícia Poeta.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Quem são os lobos da Igreja?


Bertone. O secretário de Estado do Vaticano
está no epicentro das intrigas.
Foto: Andreas Solaro / AFP
A revelação de documentos secretos do Vaticano reavivou o escândalo do “VatiLeaks”, como foi batizado o inédito vazamento de informações sigilosas que desde janeiro causa alvoroço na Santa Sé. O jornal italiano Il Fatto Quotidiano voltou a publicar cartas assinadas por cardeais, a desnudar uma insidiosa disputa pelo controle do Instituto Giuseppe Toniolo.
A instituição controla a Universidade Católica do Sagrado Coração, maior rede privada de ensino da Europa, e a famosa Policlínica Gemelli, onde o papa João Paulo II esteve internado diversas vezes.
A crise começou quando uma tevê divulgou, no início do ano, cartas do arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-vice-governador da cidade do Vaticano e atual núncio apostólico nos EUA. Destinadas ao secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, e ao próprio papa Bento XVI, as cartas revelam que Viganò foi afastado após denunciar uma suposta rede de corrupção na Igreja.
Outros vazamentos dizem respeito ao Banco do Vaticano, que prometeu dar transparência às suas ações para se adequar às regras da União Europeia, mas estaria, na prática, apagando os rastros de seu passado de escândalos, como o que resultou na quebra do Banco Ambrosiano há 30 anos.
O incômodo é tamanho que o jornal oficial do Vaticano, num texto sobre o 30º aniversário da chegada a Roma do cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento XVI, denunciou o “comportamento irresponsável e indigno” contra o pontífice, que “não será parado por lobos”. Só não ficou claro se o editorial doL’Osservatore Romano se referia aos autores do vazamento ou aos cardeais que travam a intestina disputa de poder no Vaticano.
No CartaCapital, viacontextolivre

A Racionalidade Destrutiva do Capital



Ao longo de sua história o capital tem se definido também como crescente racionalização da produção, ou seja, da sua base material e da superestrutura política, jurídica e cultural. As revoluções da técnica e da ciência têm reforçado essa racionalização de todo o ser social.

Max Weber analisa este processo como um desencantamento do mundo, um fenômeno que despoja os seres humanos do conhecimento mítico e dos valores, e o submete a uma vida organizada racionalmente, de forma fria e calculista. Para ele este processo vem se desenvolvendo desde milênios, mas é no capitalismo que ele atinge o máximo da plenitude. Ele tem uma visão dialética deste processo, pois o vê como algo que liberta os homens das superstições mágicas, tornando-o senhor de seu destino, mas que ao mesmo tempo torna a vida do individuo vazia e desprovida de sentido. Assim se define este processo:

“A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos.”

Em seguida ele define as consequências da racionalização para os indivíduos.

“O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo desencantamento do mundo, levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes.”

Para Weber, o tipo de racionalidade que predomina no capitalismo é o da razão instrumental, uma razão manipuladora, preocupada somente com meios e fins para aumentar a produção e a competitividade entre as empresas e entre os indivíduos. É este tipo de razão que aumenta o poder e a expansão do capital, mas que ao mesmo tempo conduz à perda dos valores e do sentido da vida humana.

Georg Lukács considera esse processo de racionalização como um processo de reificação das relações sociais. Além de significar a reificação das relações humanas, este processo também significa uma fragmentação dos trabalhadores dominados por uma força cega que eles mesmos criaram e que agora não sabem o que é. Sobre a reificação e a alienação Lukács afirma:

“Objetivamente, surge um mundo de coisas acabadas e de relações entre coisas (o mundo das mercadorias e do seu movimento no mercado)...Subjetivamente, a atividade do homem – numa economia mercantil realizada – objetiva-se em relação a ele, torna-se numa mercadoria regida pela objetividade das leis sociais naturais estranhas aos homens e deve efetuar os seus movimentos tão independentemente dos homens como qualquer bem destinado à satisfação de necessidades, que se tornou coisa mercantil.”

Sintetizando Weber e Marx, Lukács funde em sua análise a teoria da racionalização do primeiro e a teoria do fetichismo da mercadoria do segundo para concluir que o capitalismo é marcado em seu desenvolvimento pelo crescente domínio do estranhamento dos indivíduos em relação às partes e ao todo do ser social; pela reificação das relações sociais e pela socialização da relação entre as coisas.

Para Lukács, o resultado da racionalização é a perpetuação da alienação e da opressão dos homens pelo sujeito capital.

Para Adorno e Horkheimer, a racionalização capitalista é resultado da dialética do esclarecimento, um processo que começa na antiguidade e chega até os dias do capitalismo contemporâneo. A racionalização e o projeto do esclarecimento tem como objetivo libertar os homens das amarras emocionais do mito. Mas ao perseguir este fim, utilizando-se da razão instrumental manipuladora, os homens retornam ao mito, sendo subjugados novamente por forças cegas e sobrenaturais, típicas do fetichismo do capitalismo.

“No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal’’.


Para os teóricos da Escola de Frankfurt a racionalização crescente da vida humana, em toda a sua totalidade, leva, contraditoriamente, a razão instrumental a cair na irracionalidade da dominação do capital. O capital, desta maneira, se torna um pseudo-sujeito e acaba sucumbindo às leis cegas e irracionais postas em movimento por ele mesmo. Sendo assim, todas as classes sociais sofrem as conseqüências destrutivas postas pela lógica do capital. Suas conclusões mostram a gravidade deste processo:

“O absurdo desta situação, em que o poder do sistema sobre os homens cresce na mesma medida em que subtrai ao poder da natureza, denuncia como obsoleta a razão da sociedade racional.”

Como podemos inferir, a organização racional do ser social do capitalismo se interverte no seu oposto, a desorganização irracional da sociedade em sua totalidade. E conforme avança o capitalismo, sua essência anárquica e irracional se torna cada vez mais absoluta.

Agora procuraremos relacionar o processo de racionalização com o complexo de reestruturação produtiva surgido nos anos setenta, como possível solução para crise estrutural.

A racionalização produtiva significou uma maior flexibilização na utilização do capital e do trabalho, visando reduzir ao máximo os custos, a ociosidade dos fatores produtivos e os riscos impostos pela instabilidade dos mercados. Esse processo se define também pelo rápido desenvolvimento de novos equipamentos informatizados e flexíveis, pela introdução de novas formas de organizar a produção (kanban, just-in-time) e pelo processo de especialização, articulado com um sistema de subcontratação de produção e serviços.

A racionalização dentro do complexo de reestruturação produtiva modificou as relações de produção. As empresas tiveram que apelar para a flexibilização do trabalho. O resultado desta racionalização produtiva foi o aumento da produtividade das empresas, proporcionado pela intensificação da exploração dos trabalhadores. Além disso, tivemos a precarização do emprego, aumento da instabilidade do emprego, ampliação dos contratos de trabalho por tempo determinado e/ou tempo parcial.

Dedecca assim define as conseqüências para os trabalhadores desta racionalização produtiva:

“A organização flexível tem decomposto as relações do trabalho, fragilizado as competências dos trabalhadores, corroído a solidariedade, destruído as capacidades de construção de aprendizagem e de experiências.”

Outras conseqüências da racionalização são o aumento do desemprego e da subutilização da capacidade de trabalho. Ao analisar esse processo de racionalização produtiva, como um dos principais componentes da reestruturação capitalista, senão a principal, que serve ao capital para solucionar sua crise, podemos concluir que este processo representa a afirmação da continuidade da hegemonia do capital em toda a sociedade.

Essa hegemonia do capital tem sido utilizada para perpetuar os interesses de exploração da mais-valia, adaptando as formas de acumulação desta mais-valia às conjunturas sociais, políticas e econômicas que melhor garantam o predomínio da razão de ser do capital, a exploração do trabalho.

E assim, o capital segue sua lógica, explorando e barbarizando toda a sociedade, para garantir a sua existência perversa e irracional. Mas isto tem um limite e esta crise estrutural que se estende até os dias de hoje parece apresentar uma das principais manifestações destes limites, o que talvez só seja solucionado pela negação do modo de produção capitalista.


turcoluis.blogspot

Saiba como transformar camisetas velhas em brinquedo para cachorro


Ciclo Vivo

"É muito fácil acumular roupas. Se você for limpar seu armário é capaz de encontrar um monte de camisetas velhas que não utiliza mais. Algumas dessas peças podem ainda estar em ótimo estado e bonitas para serem usadas, mas existem aquelas que são muito velhas ou possuem manchas ou buracos.

O CicloVivo separou uma dica divertida e sustentável para você dar uma nova utilidade à suas velhas roupas, transformando-as em brinquedo para cachorro. A sugestão é super fácil de fazer e deixará seu animal de estimação muito feliz.

A sugestão é transformar sua camiseta em um “cabo” para você brincar com seu cachorro com um jogo chamado “cabo de guerra”, que certamente seu bichinho vai adorar. O brinquedo artesanal também serve para roer, e isso deixará o animal entretido e ocupado durante o dia, enquanto estiver dentro de casa.”
Foto: DIYourfaceoff
Abobadário Completo, ::Aqui::

Estudo diz que veículos elétricos podem ser mais poluentes que os tradicionais

Ciclo Vivo

“Os veículos elétricos têm sido anunciados como a solução ambientalmente correta para se locomover, especialmente nas cidades. Mas uma pesquisa chinesa mostra que estes carros têm um impacto global sobre a poluição que poderia ser mais prejudicial à saúde do que os veículos convencionais.

O estudo da poluição realizado em 34 cidades chinesas revelou que a eletricidade gerada pelas estações de energia para conduzir veículos elétricos leva a emissões de partículas mais finas do que dos veículos movidos a gasolina.

Chris Cherry, professor assistente de engenharia civil e ambiental, e o aluno de graduação Shuguang Ji, analisaram as emissões e os impactos ambientais para a saúde em cinco tecnologias de veículos - carros a gasolina e diesel, ônibus a diesel, e bicicletas e carros elétricos, com foco nas partículas finas perigosas. Eles descobriram que a eletricidade gerada para mover os carros elétricos libera mais partículas de poluição do que um número equivalente de motores a gasolina.

O material particulado vem da combustão de combustíveis fósseis, e inclui ácidos, produtos químicos orgânicos, metais, e partículas de poeira.

"Uma suposição implícita é de que a qualidade do ar e os impactos na saúde são menores para os veículos elétricos do que para os veículos convencionais. Nossas descobertas compara o que é emitido pelo uso do veículo para o que as pessoas estão realmente expostas", explicou Cherry.”
Matéria Completa, ::Aqui::

Perfil do corrupto.

Manifestações públicas em várias cidades exigem o fim do voto secreto no Congresso; o direito de o CNJ investigar e punir juízes; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012; e o combate à corrupção na política.

Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade – a mãe dos corruptos. Você conhece um notório corrupto brasileiro? Foi processado e está na cadeia?
O corrupto não se admite como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca peixe não belisca.

O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.
Há vários tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para extrair vantagens a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.

Sua lógica é corrupta: "Se não aproveito, outro sai no lucro em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais e a cara na TV.
O corrupto não tem escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-no com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua. É o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor sabe ler nas entrelinhas.
O corrupto “franciscano” pratica o toma lá, dá cá. Seu lema: "quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção.

O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o pasto de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira.
O corrupto cúmplice assiste ao vídeo da deputada embolsando propina escusa e ainda finge não acreditar no que vê. E a absolve para, mais tarde, ser também absolvido.
O corrupto previdente fica de olho na Copa do Mundo, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Sabe que os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, orçados em R$ 800 milhões, consumiram R$ 4 bilhões.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido.
Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. 
 
Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.

Frei Betto é escritor ne assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto

Teocratas avançam e golpistas vêm atrás



vi no http://esquerdopata.blogspot.com/

quinta-feira, 1 de março de 2012

Guia Belo Monte

por Carolina Derivi


"Se algo não puder ser expresso em números, não é ciência. É opinião.” Com todo respeito ao escritor americano Robert Heinlein, autor desta frase, sua análise parece incompleta. O que falta é a admissão de que a ciência não é apolítica. Assim como no debate público sobre a Usina de Belo Monte, fervoroso no fim do ano passado, em que interlocutores do time A ou do time B se apropriaram de dados técnicos para invalidar visões contrárias.

É importante lembrar que em ambos os lados dessa polêmica há cientistas suficientemente gabaritados para desbancar seus oponentes. Todos os números que você vê por aí – inclusive os apresentados nesta reportagem – são passíveis de contestação. Talvez a mais importante descoberta para quem busca se posicionar sobre o assunto é a de que existem muito mais dúvidas do que certezas em torno de Belo Monte.

A seguir, apresentamos o melhor de nossos esforços para esclarecer os principais pontos desse debate de forma equilibrada e – como não poderia deixar de ser – sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável. Ao final, espera-se que o leitor entenda que toda essa discussão técnica é, sim, uma questão de opinião. Ainda bem, já que opinião pressupõe escolha, como aquelas grandes escolhas que sociedades democráticas são convidadas a fazer de tempos em tempos.

[O CUSTO-BENEFÍCIO]



1– Belo monte é Cara ou Barata?
Em seis anos, o orçamento avançou em mais de R$ 20 bilhões

Você provavelmente já ouviu os argumentos antagônicos. Há quem defenda que a energia hidrelétrica ainda é a modalidade de geração mais barata entre as renováveis. E há quem diga que o custo final desta usina em particular deverá ser exorbitante se comparado à energia efetivamente produzida, da ordem de 4,4 mil megawatts/hora, em média, ou cerca de 40% da capacidade instalada.

Um primeiro passo é definir qual critério se deseja usar: o preço final da energia negociada ou o custo de investimento. O primeiro, definido em leilão, no ano passado, foi estipulado em R$ 78 por kilowatt/hora. Esse valor é ligeiramente inferior à média nacional, de R$ 80, e bastante vantajoso se comparado à média da energia eólica, de R$ 100.

No entanto, críticos do projeto argumentam que esse preço não remunera o capital investido. Sintomaticamente, a empresa Norte Energia, ganhadora do leilão, já fala em vender 20% da energia de Belo Monte ao mercado livre [1] , com preços mais elevados.


[1] Espaço jurídico em que consumidores corporativos podem escolher seus fornecedores, negociando contratos livremente

O problema é que o preço oficial foi balizado por um orçamento de R$ 19 bilhões, aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Entretanto, a empresa já atualizou as contas para R$ 26 bilhões. Se considerarmos que essa estimativa era de R$ 4,5 bilhões em 2006, trata-se de um avanço de mais de R$ 20 bi em apenas seis anos.

A facilidade com que as cifras engordam levanta a suspeita de que empreendedores e governo possam ter calculado mal a complexidade e, consequentemente, o custo de toda essa operação. Quando ocorreu a aprovação do orçamento pelo TCU, em 2010, houve um acréscimo R$ 2,2 bilhões sob a justificativa de que os custos de logística e manutenção do canteiro de obras haviam sido “subestimados”.

Desde o último salto, as explicações são mais nebulosas. O presidente da Norte Energia, Carlos Nascimento, alega que o aumento de quase 40% é resultado de atualização em índices de preço que orientam o mercado. A justificativa causa espécie em um ano em que a inflação oficial não passou de 6,5%.

O número mais propalado quando se fala no custo de investimento de Belo Monte é de R$ 30 bilhões. Essa estimativa veio de empreiteiras, grupos de investimento e técnicos ouvidos pela imprensa ao tempo do leilão. Se a previsão se confirmar, Belo Monte será a hidrelétrica mais cara e proporcionalmente menos produtiva da história brasileira.

2– A potência de Belo Monte é satisfatória?
Quanto mais o projeto se adaptou para reduzir o impacto ambiental direto, mais passível de questionamento técnico e econômico se tornou

O fator potência também pode ser avaliado de diferentes ângulos. O físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente da Eletrobrás, costuma lembrar que nenhuma usina opera no total de sua capacidade o tempo todo e que a potência firme de Belo Monte – 40% da potência instalada – não está assim tão distante da média das hidrelétricas brasileiras, de pouco mais de 50%.

“A operação de Belo Monte não pode ser vista isoladamente (…) Quando Belo Monte gerar 11 GW, ela vai economizar água em reservatórios de outras usinas, que reduzirão sua geração. E essa água guardada permitirá gerar energia adicional nessas usinas”, disse ainda o professor, em artigo publicado no jornal O Globo.

Outra maneira de interpretar esses mesmos números é dizer que Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo, mas com produtividade muito inferior ao que seria esperado de uma grande usina, a um custo elevado. É senso comum no mercado que a potência firme precisa girar em torno de 55%, no mínimo, para que a rentabilidade da geração seja considerada segura. Foi a incerteza sobre a viabilidade econômica que levou o consórcio liderado por Odebrecht e Camargo Corrêa a desistir do leilão. E essa mesma insegurança impele o governo a distribuir benesses, como o desconto de 75% no imposto de renda durante 30 anos e o financiamento de até 80% do custo total do projeto pelo BNDES.

A baixa potência tem estreita relação com o licenciamento ambiental. A reformulação do projeto para transformar Belo Monte numa usina do tipo fio d’água [1] foi essencial para destravar o processo, embargado pelo Supremo Tribunal Federal desde 2002. Até então, estavam previstas quatro usinas que causariam a inundação de terras indígenas.


[1] Tecnologia que reduz ou elimina a necessidade de reservatório

Quanto mais o projeto se adaptou para reduzir o impacto ambiental direto, mais passível de questionamento técnico e econômico se tornou. O reduzido controle sobre a vazão do rio levou à queda na potência firme, enquanto o orçamento só fez subir. Mas mesmo a projeção de 40% é insegura, porque nunca se viu uma usina a fio d’água com essas proporções. Até hoje, essa tecnologia é típica de hidrelétricas menores e rios de vazão regular, o que não é o caso do Xingu.

Especialistas críticos ao projeto, como o professor Célio Bermann, da USP, e o professor Oswaldo Sevá, da Unicamp, acreditam que as demais usinas previstas no projeto original serão retomadas tão logo Belo Monte esteja concluída. O acúmulo de reservatórios no Rio Xingu permitiria maior produtividade energética, com impactos socioambientais igualmente maiores.

[O CUSTO SOCIOAMBIENTAL]


 


3- Os índios serão atingidos?
Dado o ineditismo do projeto, é impossível garantir que a vida de quem depende da floresta continuará a mesma

O dois lados da polêmica respondem “sim” e “não” para essa mesma pergunta. Isso acontece porque há diferentes interpretações sobre o que significa ser “atingido”. Como não haverá inundação ou obras no interior das terras indígenas, governo e empreendedores consideram que o impacto direto seja inexistente.

Os procuradores do Ministério Público Federal do Pará discordam dessa interpretação. As principais preocupações dizem respeito à navegabilidade do rio e à disponibilidade de peixes, especialmente na região conhecida como Volta Grande do Xingu e chamada tecnicamente de Trecho de Vazão Reduzida. É ali que vivem os Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, e o povo Arara.

Nesse trecho do rio, em formato de ferradura, o projeto prevê um desvio das águas por meio de canais diretamente até o Sítio Belo Monte, na outra ponta da ferradura, onde serão instaladas as turbinas (veja mapa abaixo). Projeções contidas no estudo de viabilidade (Eletrobrás/Eletronorte, 2002) mostram que a vazão mínima proposta para a Volta Grande é muito inferior aos recordes históricos de seca verificados com a oscilação natural do rio.

A solução encontrada pelo Ibama foi estabelecer um “hidrograma de consenso” que admite um período de teste de seis anos, ao cabo dos quais se verificará se todos os ecossistemas daquela região serão capazes de suportar a interferência no rio. A proposta de teste demonstra que, dado o ineditismo do projeto, é impossível garantir que a vida de quem depende da floresta continuará a mesma – aí se incluem também as populações ribeirinhas.

Trata-se de uma região de floresta de aluvião, cujo equilíbrio ecológico depende do alagamento sazonal. A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam 30 Terras Indígenas, 18 no Pará e 12 em Mato Grosso.

Caso os indígenas da Volta Grande fiquem isolados em algum período do ano por falta de navegabilidade, e caso o impacto ambiental afete espécies animais e vegetais necessárias à sua sobrevivência e aos seus rituais, a terra ancestral se tornará imprestável, ainda que não haja inundação. Foi essa imprevisibilidade que levou o Ministério Público Federal a mover nove ações civis públicas, valendo-se do preceito constitucional de que os índios deveriam ser consultados sobre obras que afetam suas terras e suas vidas.

Outras ameaças incluem pressão por desmatamento, migração de não índios, conflitos fundiários e epidemias como malária e dengue. Para evitá-las, o Ibama definiu condicionantes, entre elas a demarcação e a proteção de terras indígenas contra invasões. Recentemente, o MPF requereu informações à Norte Energia sobre o andamento das medidas. Até o momento, não há notícias de que alguma delas tenha sido inteiramente concluída.



4 – A população local será beneficiada?
É exatamente a expectativa de progresso que atrai milhares de migrantes para os arredores de grandes obras na Amazônia

Em dezembro passado, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, causou repercussão ao afirmar que a população de Altamira [1] teria ganhado “um bilhete premiado da loteria”, graças à construção de Belo Monte.


[2] Principal cidade na área de influência da usina

Tolmasquim fazia referência aos R$ 3,5 bilhões previstos no projeto para compensação socioambiental e que devem ser aplicados em segurança, infraestrutura, melhora nos serviços de saúde e educação, entre outros itens. Na ocasião, o representante do governo federal teria dito que o montante corresponde a “sete vezes o orçamento do Pará inteiro”. No entanto, a previsão orçamentária paraense para 2012 é de R$ 13 bilhões.

Seja como for, um olhar mais completo sobre essa questão impõe cautela. É exatamente a expectativa de investimentos, de progresso e emprego que invariavelmente atraía milhares de migrantes para os arredores de grandes obras na Amazônia. A Estatal Eletronorte, que formulou os estudos de viabilidade de Belo Monte, previa um fluxo migratório de 96 mil pessoas.

Essa estimativa equivale a dobrar a população atual de Altamira. Isso significa também dobrar as demandas sociais e, eventualmente, os problemas. O processo típico em torno de um grande canteiro de obras na Amazônia vem acompanhado de invasão de terras públicas, desmatamento acentuado, inflação – em especial, dos preços de moradia –, superlotação de hospitais, falta de vagas nas escolas, aumento da criminalidade, e assim por diante. (saiba mais na reportagem “Caravana sem fim”)

A única maneira de evitar ou mitigar os efeitos do inchaço populacional seria antecipar medidas compensatórias, com planejamento, muito antes que os operários dessem início aos trabalhos. Belo Monte não inovou nesse aspecto. Os investimentos necessários são projetados para o futuro na forma de condicionantes, estabelecidas pelo Ibama em suas licenças. A maioria delas ainda está em andamento, enquanto a migração se processa no presente.

[O CUSTO-OPORTUNIDADE]


5 – Há alternativas para Belo Monte?
Os dilemas não dizem respeito a apenas uma usina, mas ao planejamento energético nacional

Uma resposta simplista, porém formalmente correta, poderia ser: chuveiro. Apenas os chuveiros elétricos sugam cerca de 5% do consumo nacional de eletricidade. Se houvesse uma política pública para eliminar progressivamente esses aparelhos e incentivos para substituí-los preferencialmente por energia solar térmica, o saldo de watts seria superior ao que Belo Monte será capaz de produzir.

Mas o mesmo também poderia ser dito da repotenciação de usinas já existentes, com mais de 20 anos, cujo potencial estimado é de 15 mil MW. Ou, ainda, da energia eólica, que, embora no Brasil não conte com os mesmos subsídios generosos destinados a hidrelétricas, está se tornando cada vez mais competitiva.

Se levarmos em conta apenas os números específicos, seria possível substituir Belo Monte por um monte de outras coisas. Mas a questão aqui é que os dilemas não dizem respeito a apenas uma usina. O mais recente Plano Decenal de Expansão (PDE) prevê 60% de aumento no consumo de energia para os próximos dez anos. Nesse cenário, todas as medidas mencionadas acima, inclusive novas hidrelétricas, seriam necessárias.

O cerne da oposição da sociedade civil à política energética brasileira tem a ver com planejamento. O argumento é de que o País deveria considerar primeiro as low hanging fruits, ou seja, as medidas mais fáceis e de retorno mais imediato, que consistem basicamente em aumentar a eficiência de todo o sistema. Para se ter uma ideia, 16% de toda a energia produzida no País se perde ao longo da transmissão e da distribuição. Neste caso, o custo-oportunidade é que, enquanto se investe algo como R$ 30 bilhões em uma única hidrelétrica, de baixa produtividade, outras possibilidades perdem envergadura.

A pergunta deste tópico é a mais difícil de responder, porque coloca o leitor leigo – e nós, jornalistas, também – como reféns de dados técnicos embasados, mas opostos. O que sobressai é política, é a escolha. O estudo Cenário Elétrico Sustentável 2020, produzido por pesquisadores da Unicamp e publicado pelo WWF, em 2006, aponta que 38% do consumo nacional de energia em 2020 poderia ser satisfeito apenas com medidas de eficiência. Já o PDE aposta sobremaneira na expansão do parque elétrico, para aumentar a produção em 55%. Quem tem razão?



6- E o que o alumínio tem a ver com tudo isso?
No Brasil, seis setores industriais consomem 30% da energia produzida

Como se a drástica redução das emissões de gases de efeito estufa já não fosse desafiadora o bastante, as políticas energéticas e climáticas em todo o mundo estão basicamente centradas na oferta. Isso torna tudo muito mais difícil, porque a substituição de fontes poluidoras por renováveis demanda tempo e tecnologia. Por essa razão, organizações da sociedade civil e think tanks cada vez mais clamam por uma revisão do perfil da demanda. Afinal, para que usamos tanta energia?

No Brasil, seis setores industriais consomem 30% da energia produzida. São as indústrias eletrointensivas, entre as quais se destacam alumínio, cimento e celulose. A título de comparação, uma tonelada de alumínio demanda o equivalente a 70 vezes o consumo mensal de eletricidade em um domicílio de classe média. As projeções de aumento exponencial de consumo energético do PDE passam ao largo de discutir se seria ou não desejável dobrar a produção de alumínio no Brasil nos próximos dez anos, conforme também se projeta.

Mas a discussão é pertinente. O quadro de reprimarização da economia brasileira (mais na Análise “Deitada em berço primário”, de Ricardo Abramovay) faz parte de um processo global iniciado nos anos 80. Conforme os problemas ambientais foram se tornando mais prementes e incômodos, os países de alto desenvolvimento passaram a “exportar” as indústrias ambientalmente indesejáveis – entre as quais as eletrointensivas – para o Sul global. O Japão, por exemplo, reduziu sua produção doméstica de alumínio, de 1,6 milhão de toneladas em 1980 para apenas 30 mil toneladas.