quinta-feira, 31 de maio de 2018

A origem da propriedade privada e dos ângulos retos






Em 08/05/2018, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel publicou artigo na Folha sobre recentes estudos neurológicos relacionados a linhas e ângulos retos. Segundo ela, essas formas tão típicas das grandes cidades deixam o cérebro tenso, ao contrário do que ocorre com os contornos arredondados da natureza.

A hipótese lembra um trecho do livro “The Patterning Instinct”, de Jeremy Lent, ainda sem tradução. Ele afirma que o surgimento da agricultura introduziu os ângulos retos na história humana.

Quadrados e retângulos teriam ganhado importância com a demarcação das linhas divisórias separando não apenas as terras cultivadas das não cultivadas, mas também as propriedades de cada agricultor.

Foi também o cultivo que tornou a riqueza um valor essencial, e aqueles privados dela passaram a ser vistos como inúteis. A hierarquia ganha uma “nova ênfase”.

Nas culturas dos caçadores-coletores, as relações familiares eram mais fluidas e não estruturadas. Na sociedade agrária, surge a herança. Com ela, a ideia de honra ligada à virgindade e à fidelidade sexual. Aparece o patriarcado e as mulheres começaram a ser consideradas bens ou mercadorias.

Pausa para uma observação que não está na obra de Lent. A redação original do Nono Mandamento era: “Não cobiçarás a mulher de teu próximo, nem sua casa, servos, boi, jumento, nem coisa alguma que a ele pertença”.

Boa parte do que Lent afirma já estava em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, que Engels publicou em 1884. É a velha história da propriedade privada chegando e estragando tudo. Não à toa, nos anos 1960, os conservadores eram chamados de “quadrados”.

O que o socialismo marxista não é


Faz parte da lógica do marxismo que os indivíduos cedam ao partido, o partido ceda ao Estado, e o Estado, a um monstruoso ditador.

Esta é outra crítica que Terry Eagleton busca responder no livro “Marx estava certo”, lembrando que no terceiro volume de “O capital”:

Marx afirma que o Estado como corpo administrativo continuaria a existir. Era o Estado como instrumento da violência que Marx esperava ver pelas costas. Conforme diz no Manifesto comunista, o poder público sob o comunismo perderia seu caráter político

(...)

A ordem social corrente é inerentemente injusta, nesse ponto o Estado também é injusto. É precisamente isso que Marx quer ver chegar ao fim, não os teatros públicos ou os laboratórios da polícia.

(...)

O que Marx rejeitava era o mito sentimental do Estado como uma fonte de harmonia, pacificamente unindo diferentes grupos e classes.

Afinal, o próprio Estado deixou de crer nisso:

A polícia que surra trabalhadores grevistas ou manifestantes pacíficos nem se dá mais ao trabalho de fingir ser neutra. Já, policiais que evitam que canalhas racistas surrem uma jovem asiática até a morte não estão agindo como representantes do capitalismo.

(...)

A democracia precisa ser local, popular e disseminada por todas as instituições da sociedade civil. Se estender tanto à vida econômica quanto à vida política. Precisava significar genuíno autogoverno, não um governo entregue a uma elite política.

(...)

Homens e mulheres têm que reivindicar em suas vidas cotidianas os poderes que o Estado lhes confiscou. O socialismo é a completude da democracia, não sua negação.

Qualquer coisa diferente disso não é o socialismo marxista.