quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quem banca a bancada ruralista?



Nós sabemos muito bem que por trás dos votos de nossos deputados podem estar muitos interesses. O financiamento privado de campanha pode comprometer os congressistas e ajuda a criar bancadas como a da bala e do boi. Nesta terça (27) deu-se mais uma prova disso: por 21 votos a zero foi aprovada em comissão da Câmara a PEC 215, que altera a demarcação de terras indígenas. Deputados de PCdoB , Psol, PT, PV e Rede se retiraram da sessão em protesto. Se é pra prejudicar os povos indígenas quem pode estar por trás? Eles mesmos, os ruralistas. Dos 21 deputados que votaram a favor da PEC 215, pelo menos 18 foram financiados pelo agronegócio. Isso equivale a 85%!

Quer ver só? Ninguém ganha de Tereza Cristina (PSB-MS), que recebeu quase R$ 2 milhões — que respondem por 44,6% de sua campanha — de empresas dos setores agropecuário, agroindustrial e da indústria de celulose. Não muito longe estão Valdir Colatto (PMDB-SC) e Luis Carlos Heinze (PP-RS). O primeiro — que também votou a favor da revogação do Estatuto do Desarmamento e foi financiado pela indústria armamentista — recebeu 36,9% do dinheiro de sua campanha do agronegócio, enquanto Heinze (que disse certa vez que índios, gays e quilombolas “não prestam”) recebeu mais de 30% do setor.

Destaque negativo também para Adilton Sachetti (PSB-MT), Marcos Montes (PSD-MG), Alceu Moreira (PMDB-RS), Celso Maldaner (PMDB-SC) e Sergio Souza (PMDB-PR) que votaram pelo retrocesso dos direitos indígenas e receberam mais de 15% do dinheiro de suas campanhas do agronegócio.

Só coincidência? É bom estar atento aos interesses econômicos por trás de cada voto. Aqui você consegue ver quais empresas do setor do agronegócio mais financiaram os congressistas.

Votaram a favor da PEC 215 os seguintes deputados:

Adilton Sachetti (PSB-MT)

Alceu Moreira (PMDB-RS)

Celso Maldaner (PMDB-SC)

Covatti Filho (PP-RS)

Diego Garcia (PHS-PR) (não recebeu financiamento do setor)

Jerônimo Goergen (PP-RS)

Luis Carlos Heinze (PP-RS)

Luiz Nishimori (PR-PR)

Mandetta (DEM-MS)

Marcos Montes (PSD-MG)

Nelson Marquezelli (PTB-SP)

Nilson Leitão (PSDB-MT)

Osmar Serraglio (PMDB-PR)

Pompeo de Mattos (PDT-RS)

Professor Victório Galli (PSC-MT)

Rocha (PSDB-AC) (não recebeu financiamento do setor)

Sergio Souza (PMDB-PR)

Shéridan (PSDB-RR) (não recebeu financiamento do setor)

Tereza Cristina (PSB-MS)

Valdir Colatto (PMDB-SC)

Vicente Arruda (PROS-CE)
http://www.contextolivre.com.br/2015/10/quem-banca-bancada-ruralista.html

LEGÍTIMA DEFESA: UM CONGRESSO DE MARCOLAS, CUNHAS E BEIRA MARES





Vamos ao resumo do banditismo institucionalizado:

1) o governo mandou para o Congresso o Projeto de Lei número 2960 (PL 2960), tratando da repatriação de aproximadamente um trilhão e duzentos bilhões de reais, dinheiro de brasileiros no exterior;

2) sorrateiramente, como é típico dos ratos e dos malfeitores, dos delinquentes, o deputado Manoel Júnior(PMDB-PB), pastor da quadrilha de Eduardo Cunha, digo militante da Bancada Evangélica, inseriu um artigo no PL, tornando inimputáveis todos os que têm contas secretas no exterior;

3) este parágrafo, o quinto, no PL, já está sendo chamado de Emenda Cunha, pois transforma o presidente da Câmara em um cidadão que agiu de acordo com as leis, ao roubar, corromper, se deixar corromper e mandar o fruto do botim para o exterior.

Isto tem desdobramentos que nos levam à categoria de república bananeira, sem leis, de ladrões.
Com essa emenda no projeto original:

1) lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e evasão e divisas saem da categoria de crimes e passam a ser contravenções. Os crimes podem ser investigados a partir de indícios e denúncias, a contravenção só com flagrante de delito, mais ou menos o seguinte: se sou flagrado roubando um banco sou preso. Se consigo mandar o dinheiro roubado para o exterior, não posso ser investigado ou punido, ainda que haja indícios de que eu tenha roubado, ainda que me denunciem como o assaltante do banco;

2) morrem as investigações do Swissleaks (escândalo do HSBC suíço), com oito mil contas secretas, de brasileiros, a maioria delas abertas e mais alimentadas durante as privatizações, o que na prática legaliza a privataria tucana;

3) a Lava Jato toma outro rumo: os que beneficiaram caixas dois de partidos continuam réus, os que roubaram para si e mandaram para o exterior ficam inocentados;

4) ficam reconhecidas as empresas offshore, em paraísos fiscais, bem como as contas secretas existentes lá.

O pudor foi definitivamente varrido da política brasileira, a moral migrou, a justiça arbitra que ladrões devem ser isentados.

Ao mesmo tempo tramita uma proposta de lei, de Aloysio Nunes, transformando manifestação política em terrorismo, para que aceitemos a classe política como quadrilha institucionalizada, sem reclamar.

Vivemos dias de Cuba na década de cinqüenta, a mesma corrupção, a mesma degradação de valores, o mesmo achincalhe com o povo.

Na hora em que aparecer um Fidel Castro tupiniquim, para acabar com os Fulgêncios Batistas brazucas, dirão que é comunismo ou bolivarismo.

Ledo engano. Será legítima defesa.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Dois modelos esgotados

povo pobre consumismo rico governo cortes
Cortes draconianos em direitos como seguro-desemprego, aposentadoria, saúde, educação; um orçamento comprometido com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública; um governo fragilizado, sem base social após promover grosseiro estelionato eleitoral e entregar a cada dia um anel para o capital financeiro e o PMDB, a fim de afastar as ameaças de um impeachment; um Congresso Nacional cada vez mais distante dos anseios da maioria da população, manipulado por um mestre da pequena e corrupta política, condutor da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), a dar o tom de um fundamentalismo conservador inédito desde a redemocratização.
Ivan
Ivan
Mas esta crise, que tem nomes como Dilma Rousseff e Eduardo Cunha entre seus protagonistas, não é um episódio conjuntural. Estamos diante de uma crise de natureza estrutural, produto de uma soma ou mesmo convergência de crises.
Em linhas gerais, testemunhamos o esgotamento de dois “modelos”.
O primeiro refere-se ao padrão de “desenvolvimento” do lulismo, isto é, a condução de políticas públicas com moderada intervenção do Estado e valorização do salário mínimo. Ancorado numa conjuntura comercial externa favorável às commodities, esse modelo permitiu aos seguidos governos petistas dinamizar o mercado interno e conter ou retardar por essa via os efeitos mais devastadores da crise econômico-financeira internacional.
O “problema” deste modelo é que ele nunca, em momento algum, rompeu com a dependência e subordinação do orçamento do país ao capital financeiro. Religiosamente, juros foram pagos em nome da impagável “dívida pública”. Sequer a longa era do lulopetismo no poder cogitou realizar uma auditoria da dívida. A data de validade deste modelo um dia chegaria.
Bastaram a desaceleração deste cenário externo antes muito favorável, a débâcle econômico-financeira do sul da Europa, a pressão do capital financeiro e da especulação por juros mais altos e o compromisso com ajustes e cortes sociais e trabalhistas, para fazer ruir o chamado “neodesenvolvimentismo”.
Tal fragilidade carregada pelo modelo fica evidente com o fato de que, quase da noite para o dia, a decantada estabilidade econômica do lulismo deu lugar ao tripé arrocho-inflação-desemprego, que volta a assombrar o cotidiano da classe trabalhadora brasileira.
A segunda das crises é a do modelo institucional de representações políticas. Um esgotamento das instituições da Nova República, feridas pelo modus operandi da corrupção, desde o financiamento das campanhas eleitorais até os grandes negócios na cadeia de relações promíscuas entre grandes conglomerados capitalistas e Estado, governos e partidos dessa ordem.
A superação de tais crises é a superação dos dois “modelos” mencionados, com uma ruptura de paradigmas. O Brasil precisa de outro projeto de país, que parta de bases democráticas e igualitárias, política e socialmente.
Ao contrário da lógica do ajuste neoliberal, à qual o governo Dilma amarra o país como remédio para a crise, precisamos de um modelo de desenvolvimento soberano, que, para começar, estabeleça linhas de ruptura com a dominação do capital financeiro, faça o orçamento estatal girar em torno do social, estabeleça uma reforma tributária progressiva, capaz de taxar a fortuna e o Capital, e amplie a oferta e garantia de direitos ao povo.
Ao contrário da lógica de restrição de direitos democráticos e civis – proposta cinicamente pela direita ‘social’, que vai às ruas pedir o impeachment de Dilma, assim como pelo corrupto presidente da Câmara dos Deputados e suas agressivas bancadas, em relação a mulheres, LGBT, negros –, o Brasil precisa de mais direitos e mais democracia. Porém, uma democracia verdadeira, não manipulada, uma outra institucionalidade, com ampla e plural participação popular e poder decisório sobre os grandes temas do país.
Não será por produto do acaso que se poderá pensar em outro projeto, assentado em tais bases, para começar a caminhada. Trata-se de longo trajeto, que dependerá fundamentalmente da recomposição de um bloco histórico das classes exploradas e oprimidas, de uma pluralidade de atores sociais combativos e progressistas, juntando movimentos sociais independentes (que não sejam atrelados e nem correia de transmissão de governos e Estado), ao lado dos partidos de uma renovada esquerda.
É um desafio de longos anos, que demandará muitas lutas sociais independentes, muito diálogo entre atores do mesmo campo político de oposição à ordem e muita formulação estratégica.
Nesses tempos que se apresentam hostis, dada a ofensiva econômica conservadora contrária aos direitos democráticos, aprofunda-se, de outro lado, uma tremenda crise estrutural. É exatamente nesta crise que poderá reflorescer a esperança e o espaço para a construção de projeto social igualitário.
Genildo Ronchi

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente



Robert Fisk        

Robert Fisk: jornalismo compactua com elite financeira—por quê?
 Primavera árabe, Occupy e indignados se assemelham pela luta contra as ditaduras

Por Robert Fisk, The Independent | Tradução: Vila Vudu

Escrevendo da região que produz a maior quantidade de clichês por palmo quadrado em todo o mundo – o Oriente Médio –, talvez eu devesse fazer uma pausa e respirar fundo antes de dizer que jamais li tal quantidade de lixo, de tão completo e absoluto lixo, como o que tenho lido ultimamente, sobre a crise financeira mundial.

Mas… que seja! Nada de meias palavras. A impressão que tenho é que a cobertura jornalística do colapso do capitalismo bateu novo recorde (negativo), tão baixo, tão baixo, que nem o Oriente Médio algum dia superará a acanalhada subserviência que se viu, em todos os jornais, às instituições e aos ‘especialistas’ de Harvard, os mesmos que ajudaram a consumar todo o crime e a calamidade.

Comecemos pela Primavera Árabe – expressão publicitária, grotesca, distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano que está sacudindo o Oriente Médio – e os escandalosos, obscenos paralelos com os protestos sociais que acontecem nas capitais ocidentais. Fomos inundados por matérias sobre os pobres e oprimidos do Ocidente que “colheram uma folha” do livro da “Primavera Árabe”; sobre manifestantes, nos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha e Grécia que foram “inspirados” pelas manifestações gigantes que derrubaram regimes no Egito, Tunísia e – só em parte – na Líbia. Tudo isso é loucura. Nonsense.

A verdadeira comparação, desnecessário dizer, ficou esquecida pelos jornalistas ocidentais, todos ocupadíssimos em não falar de rebeliões populares contra ditaduras, tanto quanto ocupadíssimos em ignorar todos os protestos contra os governos ocidentais “democráticos”, desesperados para separar as coisas, dedicados a sugerir que o Ocidente estaria apenas colhendo um último alento dos estertores das revoltas no mundo árabe. A verdade é outra.

O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões, às ruas das capitais do Oriente Médio foi uma demanda por dignidade: a recusa em aceitar os ditadores e famílias e claques de ditadores que, de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia), todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e todos. O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a eles, ao povo.

TEXTO-MEIO
E aí está a real semelhança que aproxima as revoluções árabes e ocidentais. Os movimentos de protesto que se veem nas capitais ocidentais são movimento contra o Big Business – causa perfeitamente justificada – e contra “governos”.

O que os manifestantes ocidentais afinal entenderam, embora talvez um pouco tarde demais, é que, por décadas, viveram o engano de uma democracia fraudulenta: votavam, como tinham de fazer, em partidos políticos. Mas os partidos, imediatamente depois, entregavam o mandato democrático que recebiam do povo, do poder do povo, aos banqueiros e aos corretores de ‘derivativos’ e às agências ‘de risco’ – todos esses apoiados na fraude que são os ‘especialistas’ saídos das principais universidades e think-tanks dos EUA, que mantêm viva a ficção de que viveríamos uma ‘crise de globalização’, e não o que realmente vivemos: uma falcatrua, uma fraude massiva, um assalto, um golpe contra os eleitores.

Os bancos e as agências de risco tornaram-se os ditadores do Ocidente. Exatamente como os Mubaraks e Ben Alis, os bancos acreditaram – e disso continuam convencidos – que seriam proprietários de seus países.

As eleições no Ocidente – que deram poder aos bancos e às agências de risco, mediante a colusão de governos eleitos – tornaram-se tão falsas quanto as urnas que os árabes, ano após ano, eram obrigados a visitar, décadas a fio, para ‘eleger’ os proprietários deles mesmos, de sua riqueza, de seu futuro.

Goldman Sachs e o Real Banco da Escócia converteram-se nos Mubaraks e Ben Alis dos EUA e da Grã-Bretanha, cada um e todos esses dedicados a afanar a riqueza dos cidadãos, garantindo ‘bônus’ e ‘prêmios’ aos seus próprios gerentes pervertidos. Isso se fez no Ocidente, em escala infinitamente mais escandalosa do que os ditadores árabes algum dia sonharam que fosse exequível.

Não precisei – embora tenha ajudado – de Inside Job, de Charles Ferguson, essa semana, na BBC2, para aprender que as agências de risco e os bancos nos EUA são intercambiáveis: o pessoal que lá trabalha muda-se sem sobressalto, dos bancos para as agências, das agências para os bancos… e todos, imediatamente, para dentro do governo dos EUA. Os rapazes ‘do risco’ (a maioria, rapazes, claro) que atribuíram grau AAA aos empréstimos e derivativos podres nos EUA estão hoje – graças ao poder vicioso que exercem sobre os mercados – matando de fome e medo os povos da Europa, ameaçando-os de ‘rebaixar’ os créditos europeus, depois de se terem associados a outros criminosos do lado de cá do Atlântico, associação que já se construía desde antes do crash financeiro nos EUA.

Acredito que dizer menos ajuda a vencer discussões, mas, perdoem-me: Quem são esses seres, cujas agências de risco metem mais medo nos franceses hoje que Rommel [1] em 1940?

Por que os meus colegas jornalistas em Wall Street nada me dizem? Como é possível que a BBC e a CNN e – ah, santo deus, também a Al Jazeera – tratem essas comunidades criminosas como inquestionáveis instituições de poder? Por que nada investigam – Inside Job já abriu o caminho! – desses escandalosos corretores duplos?

Fazem-me lembrar o modo igualmente acanalhado como tantos jornalistas norte-americanos cobrem o Oriente Médio, delirantemente evitando qualquer crítica direta a Israel, imbecilizados por um exército de lobistas pró-Likud, dedicados a explicar aos leitores e telespectadores por que devem confiar no “processo de paz” norte-americano para o conflito Israelo-Palestino, porque os ‘mocinhos’ são os ‘moderados’ e todos os demais são os ‘bandidos terroristas’.

Os árabes, pelo menos, já desmascararam todo esse nonsense. Mas quando os manifestantes contra Wall Street fazem o mesmo, imediatamente passam a ser “anarquistas”, os “terroristas” sociais das ruas dos EUA que se atrevem a exigir que os Bernankes e Geithners sejam julgados pelo mesmo tipo de tribunal que julga Hosni Mubarak. Nós, no Ocidente, com nossos governos eleitos, criamos nossos ditadores. Mas, diferente dos árabes, ainda mantemos intocáveis os nossos ditadores – intocáveis.
O chefe da República da Irlanda (em gaélico irlandês Taoiseach), Enda Kenny, solenemente informou ao povo essa semana que seu governo não é responsável pela crise em que se debatem todos os irlandeses. Todos já sabiam, é claro. O que ele não contou ao povo é quem, então, seria o responsável. Já não seria mais que hora de ele e seus colegas primeiros-ministros da União Europeia contar o que sabem? E quanto aos nossos jornalistas e repórteres?

Notas


[1] Erwin Johannes Eugen Rommel (Heidenheim, 15 de Novembro de 1891 – Herrlingen, 14 de Outubro de 1944), conhecido popularmente como A Raposa do Deserto, foi um marechal-de-campo do exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Foi um dos maioresresponsáveis pela conquista da França pelo exército nazista em 1940.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

11 questões do Enem que nossos congressistas não saberiam responder

QUESTOES NOSSOS
O ENEM surpreendeu muita gente por ter trazido para discussão temáticas importantíssimas. Nada repercutiu mais que o sensacional tema da redação (“A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”) e a questão que citava Simone de Beauvoir. Mas além de botar 7 milhões de pessoas para pensar o machismo da nossa sociedade, a prova trouxe reflexões sobre proteção ao meio ambiente, respeito às culturas tradicionais, alteridade, importância dos movimentos sociais, democracia, entre outros assuntos.
Já pensou se nossos congressistas fizessem a prova?Bolsonaro e Feliciano já deram indícios que não teriam a menor capacidade de escrever a redação. Mas e o resto? Que outros assuntos deixariam, por exemplo, as bancadas do Boi e da Bíblia perdidas?
1.AS QUESTÕES SOBRE FEMINISMO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
redação já foi bastante debatida e a questão sobre Simone de Beauvoir e a luta pela igualdade de gênero também repercutiu. Mas sabia que uma outra questão falava de violência contra a mulher? Foi na prova de espanhol. Um texto intitulado “En el día del amor, no a la violencia contra la mujer!” traz dados aterrorizantes sobre o tema. Nesse momento, Bolsonaro, Feliciano e Cunha, autor do PL que impede atendimento a mulheres vítimas de violência no SUS, tremeriam na cadeira. Afinal, parece que desconhecem a realidade de uma sociedade machista.
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2. A QUESTÃO SOBRE O FASCISMO
Uma das questões do Enem falava que o fascismo era uma “forma de hegemonia ainda mais perigosa” que o imperialismo, caracterizado pela “adoção do determinismo biológico”. Sem chances para Bolsonaro, que ainda precisa entender o que é o fascismo e o que ele vem alimentando com suas tristes declarações.
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3. AS QUESTÕES SOBRE NEGROS E AFRICANOS
O poema Voz do Sangue, do pan-africanista Agostinho Neto, que conclama “as populações negras de diferentes países a apoiar as lutas por igualdade e independência” e a música Yaô(de Pixinguinha), com trechos no idioma iorubá, apareceram no exame para desespero de Feliciano e a bancada da Bíblia e daqueles congressistas que perseguem as manifestações culturais africanas. Aliás, o preconceito e a ignorância se manifestaram pela internet. Circula por aí uma imagem da segunda questão riscada, com os dizeres “Macumba” e “Não respondi. Tá repreendido em nome de Deus”. Tá lembrado do PL da ~Cristofobia~, de Rogério Rosso (PSD-DF) e do Estatuto da ~Liberdade Religiosa~, proposto por Leonardo Quintão (PMDB-MG)?
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4. A QUESTÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
O PL do Terrorismo abre brechas para a repressão de manifestações sociais legítimas. Então imagina se o relator do PL, Aloysio Nunes (PSDB-SP) tem que responder à seguinte questão no Enem: “No processo da redemocratização brasileira, os novos movimentos sociais contribuíram para…”? Será que o senador responderia certo, afirmando que eles contribuíram para “tornar a democracia um valor social que ultrapassa os momentos eleitorais”?
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5. A QUESTÃO SOBRE REFORMA POLÍTICA E COMBATE À FRAUDE NAS ELEIÇÕES
Essa ficou difícil para Aécio. Será que ele sabe que a Justiça Eleitoral foi criada para combater fraudes sistemáticas nas apurações? O sistema eleitoral brasileiro é referência mundial em segurança e inviolabilidade. Mas Aécio ainda não aceita o resultado das urnas.
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 6. A QUESTÃO SOBRE OS POVOS DA AMAZÔNIA
Problemas para a Bancada do Boi! O que os defensores da PEC 215 (que reduz os direitos indígenas e muda demarcação de terras) responderiam quando perguntados sobre o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e a valorização das identidades coletivas?
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7. A QUESTÃO SOBRE AGROTÓXICOS
Outra questão complicada pra Bancada do Boi: uma tirinha debate as consequências dos agrotóxicos para nossa saúde e critica o processo produtivo agrícola brasileiro. Mas será que a bancada ruralista já pensou sobre isso?
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8. A QUESTÃO SOBRE A CRISE GLOBAL
Uma das questões do Enem explica que crises que parecem restritas podem tomar proporções globais graças à interdependência do sistema econômico. Assim, uma crise em determinada economia pode afetar outras. Pois – surpresa! – o Brasil também sofre as consequências disso. Mas Serra e Aécio insistem em ver a crise econômica brasileira como algo isolado. E aí, será que eles (e toda a oposição conservadora) saberiam responder essa questão?
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9. A QUESTÃO SOBRE A CRISE HÍDRICA
Tá bem, Alckmin não é congressista, mas abrimos uma exceção para imaginarmos o que o governador paulista pensaria assim que visse “crise de água” na prova do Enem.
Brasília - O governador de São Paulo, Geraldo Alckimim, participa do Seminário Nacional sobre Aplicação de Medidas Socioeducativas a Adolescentes Infratores, na Câmara dos Deputados
10. A QUESTÃO SOBRE ACESSO À INFORMAÇÃO
E imagine então se Alckmin saberia responder que “para o cidadão formar sua opinião, ele deve ter acesso à informação”?  Quem esconde informações sobre a falta de água, o metrô e a PM sabe disso?
11. AS QUESTÕES PARA PENSAR A ALTERIDADE
Por fim, essas questões fariam dezenas de congressistas quebrarem a cabeça. Será que as Bancadas do Boi, da Bíblia e da Bala sabem o que é alteridade? Alteridade é a capacidade de compreender as diferenças e direitos de todos, de se colocar no lugar do outro. O Enem trouxe isso em várias questões, mas vamos destacar aqui três: um relato do século XVI que mostra o desrespeito à cultura indígena (ainda presente); a valorização das narrativas orais indígenas; e o respeito à produção artística de todas as sociedades.
Em resumo, todo esse debate é um pouco sobre isso: vamos praticar a alteridade, congressistas?

Pedaladas para todos os gostos




O jornal Folha de S. Paulo publica matéria sobre pedaladas.

Resumo do ciclismo: as pedaladas serviram, em grande parte, para alimentar ruralistas com financiamentos, como sempre, a juros camaradas e abaixo da inflação.

Privatização de recursos públicos.

Bolsa fazendeiro.

Só uma parte das pedaladas teria servido para alimentar programas sociais.

Por outro lado, quase todo mundo pedalou: Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro, Bahia, Amazonas, Paraná… E agora? Derruba todo mundo? Ou faz impeachment seletivo?

Derruba todo mundo.

O golpismo continua.

Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, quer que Michel Temer seja salvo.

Tem uma explicação fantástica para isso: questão de calendário eleitoral.

O PMDB não aguenta mais de ansiedade.

Quer o poder. Quer o golpe. Quer que o golpe se chame renúncia.
No: http://www.contextolivre.com.br/2015/10/pedaladas-para-todos-os-gostos.html



Suplicy, a Livraria Cultura e o veneno do fascismo


O ex-senador Eduardo Suplicy desde há muito não é unanimidade entre os eleitores do PT.

Em diversas ocasiões desviou-se da orientação partidária, tomou decisões unilaterais, deu declarações que contrariavam as do partido, agiu, enfim, como um corpo estranho na legenda.

Mas, pesando tudo isso, é óbvio que Suplicy, em todos seus anos de vida pública, é um raro exemplo de sinceridade, honestidade e coerência intelectual entre seus pares.

Tanto assim que, apesar de alguns rompantes de puro marketing, que ajudaram a desgastar a sua imagem de professor universitário, economista e jornalista, ele sempre foi tratado com extrema urbanidade por seus colegas de todos os partidos, aliados ou adversários do PT.

Além disso, Suplicy deixou duas marcas importantes em sua vida legislativa: a obsessiva peregrinação para divulgar e emplacar o seu projeto de renda mínima, que de certa forma vem sendo desenvolvido pelo Bolsa Família, e a sua defesa intransigente dos desprotegidos e das vítimas de injustiças de toda espécie.


Em resumo: Suplicy pode ter vários defeitos, mas é um humanista - e, neste mundo em que vivemos, os humanistas são uma espécie que tem de ser preservada - e louvada.

O fato de um bando de fascistas, claramente financiados para agir como tais, ter insultado Suplicy, em plena Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na capital paulista, é um episódio que, em vez de denegrir o ex-senador e atual secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, o honra.

As palavras de ordem que vomitaram - "Suplicy, vergonha nacional" - dão bem uma ideia do que esses debiloides representam: o lumpesinato intelectual, se existe essa classificação, gente que é incapaz até mesmo de concatenar a mais rasa ideia sobre convivência social ou de adotar a mais primitiva concepção da vida em civilização.

Bem, vamos deixá-los de lado, porque ninguém será capaz de transformar tais homúnculos em seres humanos.

O triste dessa história toda é o fato de o incidente ter ocorrido numa livraria, não qualquer uma, mas a mais conhecida do Brasil, talvez a de maior faturamento, uma potência em seu setor, frequentada não só pela classe média que lê livros de auto-ajuda, mas por artistas, estudantes e intelectuais, e cuja publicidade sempre procurou destacar o que seu nome representa - a cultura.

Anos atrás, um maluco matou um freguês no mesmo local a porretadas desferidas com um taco de basebal. 

De lá para cá, parece, a direção da empresa pouco fez para garantir a segurança de seus frequentadores e de livrá-los de constrangimentos.

No caso específico da agressão contra Suplicy, simplesmente ignorou a ação dos fascistas.

O vídeo que corre na internet mostra bem isso: a inação completa dos funcionários, como se toda aquela confusão fosse a coisa mais normal do mundo.

Certamente por isso a página da Cultura no Facebook está inundada de comentários repudiando a omissão dos seguranças e da diretoria da empresa no lamentável episódio.

De tudo isso, resta uma lição: a ação desses grupelhos Brasil afora tem de ser contida e não estimulada, velada ou abertamente, como agora.

O risco de que algo mais grave que xingamentos possa ocorrer brevemente é muito grande.

O melhor remédio para debelar o fascismo é tratá-lo como o veneno que é, ou seja, exterminá-lo do corpo social antes que ele o infecte completamente.  
http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/10/suplicy-livraria-cultura-e-o-veneno-do.html

domingo, 25 de outubro de 2015

A Crise no Brasil É Para Sempre?

A Crise Mundial não perdoa nenhum país. (charge Bira Dantas)


“Ó Deus, ó Deus! Como são enfadonhas, azedas ou rançosas,
Todas as práticas do mundo!
O tédio, ó nojo! Isto é um jardim abandonado,
Cheio de ervas daninhas, Invadido só pelo veneno e o espinho –
Um quintal de aberrações da natureza.
Que tenhamos chegado a isto…” ( Hamlet – W. Shakespeare)
A Crise de superprodução de Kapital tem uma lógica própria, que poucos se dão conta de seu movimento real. Alguns tentam adivinhar seu fim, outros, o seu começo. Mas quase nenhum se preocupa em entender o seu ciclo, ou sua dialética, de que ao mesmo tempo em que é o momento do auge de um ciclo, ele também anuncia seu declínio.
Mais ainda, a queima de Kapital (Empregos, salários e preço das mercadorias) que caracteriza o fundo do poço, é também o início de um novo ciclo, pois, sem a ruptura (a queda do sistema como um todo, a Revolução), a roda da história continuará a girar, a girar, num crescente, jamais com o fim em si mesma, com alguns autores vulgares preconizam. O Kapital não cairá de maduro ou podre, ele sempre se recompõe, seus ciclos podem diminuir dramaticamente, mas não acabam.
Feitas essas observações, cabe à pergunta fundamental: Em que momento do ciclo do Kapital, a economia no Brasil se encontra? A resposta não é simples e direta, vamos construir uma visão.
A Crise de Superprodução de Kapital que atingiu os EUA, em 2005, e depois a Europa, em 2007, já debatida aqui e no meu livro, deu-se quando houve o pleno emprego (ou taxa mínima de desemprego), com o maior pico de salários e do preço das mercadorias, em especial, nos EUA, dos imóveis (hipotecas). A “crise”, só se tornou “pública” com a quebra dos bancos em 2008, nos EUA e 2009, na Europa.
A superabundância de Kapital no mundo, no início dos anos 2000, aportou no Brasil, China, Índia e Rússia, não a toa o bloco dos BRICS foi possível, com forma organizada de receber e aplicar essa parcela do Kapital, vinda para esse lado como forma de se expandir e extrair mais lucros. Mão de obra farta, barata e possibilidade de grandes obras de infraestrutura, como também as privatizações das empresas locais, já como parte do “lucro”. 
Coincidiu com os governos de Lula essa entrada e a expansão do Kapital no Brasil, a despeito das enormes desigualdades regionais, do abismo social e da infraestrutura precária, fruto de um Estado endividado pelos militares, depois semiprivatizados pelos tucanos, além de uma esdrúxula dolarização da economia completamente artificial, mantida com taxas de juros pornográficas (lucros consolidados pelo Kapital Financeiro).
Os primeiros oito anos da aventura petista foram de pleno sucesso, alguma das tarefas mais elementares do Estado, como o combate à fome, garantia de renda mínima, emprego (ainda que de baixa qualidade), foram possíveis graças a essa entrada de Kapital. Mas o ciclo sempre tem seu fim, em meados de 2010, o país tinha situação típica da superprodução: Pleno emprego, salários recompostos (o mínimo que nunca passara de US$ 100, chegou aos 350 dólares), crédito para compra de bens e produtos, uma febre de consumo.
A Crise do Kapital, no seu centro ( EUA e Europa) fechou as torneiras e cobrou a volta à matriz dos investido aqui e nos outros países. Por quatro anos, a nova Presidente tentou domar a economia, usando de instrumentos que já não surtiam efeitos, é fato que evitou uma queda dolorosa e rápida como nos EUA ou na Europa, que o desemprego dobrou em menos de um ano (dados de 2007 para 2008 nos EUA e 2008 para 2009 na UE).
Aqui a queda foi lenta, até pelas condições gerais e custos das empresas com salários não tão altos, mas em 2015 veio o “ajuste” imposto pelo Kapital. A imposição de Levy e o conjunto de medidas em execução são parte da estratégia do Kapital para retomar o controle total do Estado. O petismo caducou, já não serve, por vias eleitorais perderam, por bem pouco, mas perderam. Entretanto, a via escolhida agora é de mudar o comando, por bem ou por mal.
A Crise econômica efetivamente já tem um novo patamar, a desvalorização do Real, cerca de 40% do seu valor, é a maior queima de Kapital já feita em tão curto espaço de tempo. O desemprego sobe rapidamente, o preço relativo dos salários e das mercadorias também caiu, a condição fundamental para que um novo ciclo se reinicie estão dadas, faltam às condições políticas para azeitar o Kapital. 
Do ponto de vista puramente econômico não mais o que ajustar, mas sempre o Kapital tentará impor mais perdas, pois está em pleno ataque, gostemos ou não, a luta de classes é isso. Manda quem tem mais força, resiste quem pode. O governo não tem instrumentos para resistir, entregou o pomo de ouro aos seus algozes, os ministérios da economia e o Banco Central, além de não ter como segurar a política de transferência de rendas.
A resposta para questão geral, a crise não é para sempre, aliás, o Brasil já entrou no novo ciclo, mas os seus reflexos políticos, continuarão imprevisíveis. Efetivamente, o Governo do PT, é, objetivamente, um entrave à liberdade do Kapital. Nesse novo patamar do neoliberalismo redivivo (Estado Gotham City), a democracia é um estorvo, ou um mero detalhe.
http://arnobiorocha.com.br/2015/10/20/a-crise-no-brasil-e-para-sempre/

Janio: a democracia está desaparecendo


nuncamais
Janio de Freitas, que conhece como nenhum de nós a história deste país, escreve hoje na Folha um artigo tão didático quanto vigoroso, que merece ser lido por todas as pessoas de convicção democrática, que aprendemos, na prática, que a perda da institucionalidade é o primeiro passo para a perda dos direitos individuais e sociais.
Quem viveu uma ditadura deve lembrar-se disso e do quanto custa sair de uma delas.
Jânio só não vai ser entendido pelas mentes primárias, dominadas pelo ódio, a maioria delas apenas massa de manobra de outros interesses.

A democracia arrombada

Janio de Freitas, na Folha
Crise, crise mesmo —não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises— desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.
Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio. As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.
O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.
Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.
A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.
O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal Ibad, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.
Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.
Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.
A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.