quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Tiros pela culatra

 

Tiros pela culatra. 27599.jpeg
O doutor Givanildo abriu o exemplar de "Tiros pela culatra", uma coletânea de contos de diversos autores. Abriu numa página qualquer, calhou ser a página inicial do conto intitulado "O semeador de ventos". Leu a epígrafe: "Celui qui sème le vent récolte la tempête".
por Fernando Soares Campos
O telefone tocou. Atendeu. Era o Lúcio. Cumprimentou-o com um "oi", sem disfarçar certo enfado. Súbito, olhos arregalados, levantou-se. Tudo indicava que o Lúcio estava lhe passando uma informação bombástica.
A mulher entrou na sala e estranhou o comportamento do marido ao telefone. Ele aparentava estar entre pasmo e eufórico, caminhava em círculo e repetia a pequenos intervalos: "Não! Não! Nããão!". Ela fez sinais, acenou, piscou, sussurrou: "Quem é?", "O que está acontecendo?". Ele apenas repetia: "Não! Não! Nããão!". A mulher impacientou-se, bateu palmas para chamar sua atenção. Tentou umas batidinhas com o pé. Nada, quer dizer, "Não!", era só o que ele dizia ao seu interlocutor.

- E agora dá pra você me explicar o que está acontecendo?! - exigiu ela.
Ela desistiu, resolveu esperar sentada. Ele mudou sua monossilábica comunicação para "Sim! Sim! Sei!". Impaciente, ela levantou-se bruscamente e perguntou: "Afinal, é sim ou não?!". Ele colocou o indicador entre os lábios e fez "psiu!". Ela já estava disposta a lhe tomar o telefone e perguntar ao outro o que estava acontecendo. Ele agradeceu pelas informações e despediu-se. 
- Você não vai acreditar, querida!
- Vai logo, desembucha, homem! Que aconteceu de tão grave?!
- Grave? Ah, grave, sim! Mas não para nós. Eles que fiquem com a gravidade da questão. A nós só resta comemorar mais um gol de placa. 
- Para com isso, homem! Conta logo essa história, senão eu tenho um troço!
- Então, sente-se pra não cair de costas. 
 A mulher sentou-se. Ele permanecia com o livro na mão, falava gesticulando, entusiasmado:
- O Jonas confessou!
- Jonas?!
- Sim, o Jonas!
- Quem é o Jonas?!
- O quê?! Você não sabe quem é o Jonas?!
- O único Jonas que conheço não seria capaz de confessar nada.
- Mas é esse mesmo, o contador, o guarda-livros da C&R Ltda.
- Mas o que foi que ele confessou? Claro que não deve ter confessado que é ele quem consegue as notas frias para a venda das cargas roubadas receptadas pela C&R.
- Não, isso não, o cara é bandido, mas não é louco.
- Bom, também não deve ter confessado que foi ele próprio quem matou a primeira mulher e mandou matar a segunda...
- Certamente não. Pode-se acusar o Jonas de tudo, mas ele não é maluco! 
- Já sei! Confessou que foi o autor intelectual do sequestro do dono daquela rede de supermercado...
- Querida, o depoimento foi na Polícia Federal, e eu já disse que o cara tem juízo!
- Mas o que de tão grave ele confessou?
O doutor Givanildo esforçou-se para parecer sério, sisudo, mas exibia um estranho sorriso que lhe emprestava o aspecto de idiota, o que ele certamente não era.
- O Jonas, em seu depoimento, confessou, com todas as letras, que...
O telefone tocou. Ambos olharam para o aparelho trinando insistente. Ela colocou a mão em cima do telefone e, decidida, falou:
- Você só vai atender quando terminar de me contar o que o Jonas confessou.
- Espere um pouco, meu bem, deve ser o Lúcio. Ele ficou de me retornar informando o que aconteceu com o Jonas. Se vai ficar preso ou responder em liberdade.
Ela cedeu. Num salto, ele pegou o aparelho.
- Alô, Lúcio, e aí, o que aconteceu com o Jonas?!
- Doutor Givanildo?
- Sim...
- É o Jonas. 
- Jonas?! Mas você... é que... Bem, o que está acontecendo?! 
- O Lúcio não lhe contou? 
- Sim, ele me falou que você foi interrogado pela Polícia Federal. Contou que você confessou que a C&R deu dinheiro, por fora, pra campanha daquele deputado estadual, o achacador. Complicou a vida daquele malandro. Mas não me contou os detalhes...
- Nem poderia.
- Como assim?!
- Porque os detalhes virão depois. 
- Você vai depor novamente?
- Não, não vou. Estou me referindo às investigações. Os detalhes, sem dúvida, serão revelados durante o processo investigatório. 
A mulher se levantou, aproximou-se do marido e encostou o ouvido no fone. Ele não reclamou, continuou falando:
- Que detalhes?
- Pediram a quebra do sigilo bancário do deputado.
- E daí?
- O problema é o cheque, doutor Givanildo, o cheque. Sei que eles vão chegar ao cheque.
- De que cheque você está falando?!
- Bem, doutor Givanildo, o senhor queira me desculpar...
- Desculpar de quê?! Dá pra explicar melhor?!
- Acontece que só agora eu me lembrei.
- Lembrou-se do quê?
- Me lembrei do cheque que o senhor deixou pra pagar o aluguel do galpão da C&R.
- O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Acontece que eu dei aquele cheque para o cara na época da campanha. Era uma emergência, doutor.
O doutor Givanildo amarelou, sentiu as pernas bambas, vertigem, um friozinho na barriga. Berrou: 
- Você está maluco?! Endoidou?! Onde já se viu usar cheque numa transação dessas?! Isso é coisa de louco!
- Desculpe, doutor Givanildo, eu nunca pensei que fosse dar no que deu...
- Pensar? Pensar?! Você não deve ter essa faculdade, seu estúpido! Você é louco! Louco, entendeu?! Maluco! Pirado! Doido! Demente! - desligou.
Pasma, a mulher olhava para o marido, apenas acompanhava sua inquieta movimentação pela sala. 
Transtornado, o doutor Givanildo arriou-se no sofá como um fardo atirado a um canto. Não sabia o que fazer. Abriu o livro novamente na página do conto "O semeador de ventos" e releu a epígrafe: "Celui qui sème le vent récolte la tempête". 
- Que diabos isso quer dizer?! 

É fácil dominar um país vira lata, como já sabiam os ingleses.


Resultado de imagem para fotos da embraer
sanguessugado do GGN

André Araújo

A Embraer, os vira-latas e o chicote do inglês

O Império Britânico governou uma quarta parte das terras deste planeta. O Império não precisava de muita tropa para manter os controles sobre tão vastos territórios.

Na maior das colônias o “Raj”, que incluía o que é hoje a Índia, o Paquistão e Bangladesh, menos de 10 mil ingleses bastavam. Qual o segredo?

Os ingleses eram inteligentes e terceirizavam os capatazes de suas terras, os próprios indianos serviam ao Império Britânico como soldados, selecionavam tribos guerreiras como os Sikhss e os Gurkas  que em nome do Soberano em Londres usavam o chicote sobre os outros indianos.

No Brasil de hoje há tropas disponíveis para servir de guarda ao interesse dos herdeiros dos ingleses e seus sucessores imperiais, os americanos que encantam os brasileiros.

A proposta de compra da EMBRAER pela Boeing trouxe a luz do dia essa tropa vira lata que serve aos interesses estrangeiros no Brasil com o maior prazer. Na GLOBONEWS Sardenberg e Teco, codinome de Luís Gustavo Medina, comentaristas econômicos da linha “tudo pelo mercado”, habituais porta vozes do pensamento neoliberal que vem da Casa das Garças,  soltaram rojões de alegria com a hipótese da BOEING comprar a EMBRAER. Disseram que o Brasil deveria  se sentir lisonjeado pela BOEING voltar seus olhos para o Brasil, “ é uma prova de confiança no Pais”, disseram sôfregos de alegria, “olha como gostam de nós”.

Disseram que agora a EMBRAER vai poder vender muito mais aviões para o exterior pelas mãos da BOEING. Demonstraram ai o ápice do desconhecimento. Muitos países compram aviões da EMBRAER exatamente porque ela é brasileira e NÃO comprariam se ela fosse americana.  Os aviões Tucanos de treinamento militar são comprados por países que não comprariam  esse tipo de equipamento se o fornecedor for americano. Os fabricantes americanos NÃO transferem tecnologia, não abrem os códigos fonte da eletrônica embarcada, não fornecem todos os desenhos, eles querem deixar o comprador AMARRADO aos controles tecnológicos e dependentes eternamente do fornecedor, é tradicional politica dos EUA.

Sardenberg e Teco não tem a menor ideia do que significa uma grande multinacional comprar uma empresa de pais emergente. Tive essa experiência em 1974, quando uma empresa de bens de capital da família foi vendida a um dos maiores conglomerados americanos da área, uma empresa cem vezes maior do que a nossa quando foi comprada.

Em seis meses a empresa estava COMPLETAMENTE mudada, da cabeça aos pés, mudaram os processos de controle, de orçamento, de relações trabalhistas, quem quisesse ficar precisava assumir a CULTURA da empresa matriz, completamente diferente da empresa nacional.

É isso o que significa uma compra da EMBRAER pela BOEING, aqui vai ser uma divisão da empresa mãe, pode até desaparecer, como a nossa vendida em 1974 desapareceu em 1985.

A BOEING comprou nos últimos anos SETE grandes empresas aeronáuticas: De Havilland Australia, Hugues Aircraft, McDonnel Douglas, North American Aviation, Piasecki Helicopter, RocketDyne e Stearman Aircraft. Todas desapareceram, foram absorvidas pela Boeing, não existem mais como empresas, é o sistema BOEING de fusões e aquisições.

Há pouco tempo a EMBRAER foi acusada de corrupção na Republica Dominicana e foi processada pelo Departamento de Justiça, a EMBRAER acabou fechando acordo por US$180 milhões de multa paga por esse processo, que nada tinha a ver com os EUA, mas lá eles acham que tem jurisdição sobre o mundo, esse processo começou no Brasil e foi parar nos EUA.

Por conta desse acordo a EMBRAER teve que aceitar ser monitorada por dois fiscais do governo americano, os fiscais ficam dentro de seus escritórios no Brasil.

A postura de Sardenberg,Teco e outros do mesmo naipe é de COMPLEXO DE INFERIORIDADE.

Somos tão ruins que é melhor um estrangeiro nos comprar, aliás é uma HONRA o estrangeiro se interessar por nós, como deixaram claro Sardenberg e Teco, felizes pelo aceno da Boeing.

Foi o orgulho nacional profundo que fez a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Rússia serem potencias industriais. Orgulho de seus produtos que representam o nível civilizatório do País. A Embraer é uma criação nossa, tecnologia nossa, é uma derivação da FORÇA AEREA BRASILEIRA. Vende-la não é apenas um negocio financeiro, como acham Sardenberg e Teco, é  abrir mão de um sucesso bem brasileiro, saído de cérebros brasileiros.

Mas lamentavelmente muitos brasileiros são assim, ACHAM o Brasil um lixo. Em alguns points dos Jardins em São Paulo (posso listar) vê-se pais brasileiríssimos falando em inglês com seus filhos pequenos, acham isso lindo, querem ser estrangeiros em seu próprio Pais, que desprezam, acham que tudo é lindo nos EUA, sem ver as mazelas desse País.


 É fácil dominar um país vira lata, como já sabiam os ingleses.

Uberização do desespero, luta de classes, disputa hegemônica


Henry Ford ficou conhecido por introduzir a produção em série. Mas poucos sabem que para trabalhar na Ford era preciso comprovar adesão a certos valores como fidelidade conjugal, estabilidade familiar e emocional, repulsa ao álcool e à vida boêmia, apego à religião e patriotismo.

Mais sutil, o toyotismo se apropriou da capacidade flexível da produção artesanal. Passou a exigir de seus “colaboradores” capacidade de cooperação, consenso, participação, valorização dos grupos informais etc.

Já na era do Uber, as empresas inovam a partir da chamada economia compartilhada ou “economia do bico”. Nela, borram-se as fronteiras “entre consumo e trabalho, entre o que é trabalho e o que não é, entre trabalhador e consumidor, entre o trabalho e o bico, entre trabalhador-empreendedor”.

A análise acima é um resumo grosseiro de um artigo que vale a leitura. Trata-se de “Luta de classes na era do Uber”, de Marco Antonio Gonsales de Oliveira, Rodrigo Bombonati de Souza Moraes e Rogério de Souza. É dele também a seguinte passagem:

As empresas da economia do compartilhamento navegam nas oportunidades que a sociedade do trabalho, em crise, oferece: consumidores em busca de baixo preço e trabalhadores em situação de desespero.

Sendo que “consumidores em busca de baixo preço” e “trabalhadores em situação de desespero” muitas vezes são as mesmas pessoas.

Mas tudo isso fica escondido sob a aparência de “eficiência”, “versatilidade”, e até “sustentabilidade ecológica”.

Ou seja, desde a triagem moralista de Ford, passando pela apropriação do artesanato pelo toyotismo até a uberização do desespero, é de luta de classes que se trata. Mas também de luta ideológica. Disputa de hegemonia.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/12/uberizacao-do-desespero-luta-de-classes.html

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Corporações vorazes



Resultado de imagem para fotos de corporações

É verdade. O grande problema do Brasil são as corporações. Elas querem tudo, nada cedem e comportam-se com voracidade. Agem em bloco.  Parasitam tudo. Só pensam nos próprios interesses. Condicionam governos, pressionam a mídia, paralisam setores inteiros quando seus privilégios são ameaçados. Afetam decisivamente as políticas públicas. Controlam “de forma estruturada e hierárquica uma cadeia produtiva” gerando “um grande poder econômico, político e cultural”. Desequilibram a democracia. As corporações mandam em nós. Manipuladas por muito poucos, representam o “principal núcleo de poder”. Sugam tudo e todos. Não perdoam, devoram.

Os governos estão reféns das corporações.
O economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, no seu livro “A era do capital improdutivo”, assina as frases citadas entre aspas acima. Ele mostra, com base em pesquisas recentes, que menos de 1% das empresas globais controla cerca de 40% do mercado internacional. As corporações mais vorazes são as empresariais. Apenas 737 players (corporações adoram essa palavra) controlam cerca de 80% do capital de todas as empresas mundiais. Corporações empresariais financiam campanhas políticas para impor reformas trabalhistas e previdenciárias. Nos Estados Unidos, desde 2010, elas foram liberadas para gastar mais com política. É assim que mandam no mundo e em nós.
Dowbor revela o que está em jogo: “Quando há milhões de empresas, há concorrência real. Ninguém consegue ‘fazer’ o mercado ditar os preços e muito menos ditar o uso dos recursos públicos”. Quando as corporações empresariais dominam tudo, até o mercado se dobra. Os governos viram fantoches. O eleitor não passa de um iludido: “Nesta articulação em rede, com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana”. Os dados são do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisas Tecnológicas). A corporação empresarial financia políticos e patrocina a mídia para centrar fogo nos sindicatos e nos funcionários públicos.
O corporativismo que asfixia, contudo, matando quase toda possibilidade de eliminação da desigualdade global, é o empresarial. Dowbor dá o caminho interpretativo: “O resultado é uma dupla dinâmica de intervenção organizada para a proteção dos interesses sistêmicos, resultando em corporativismo poderoso, e o caos que trava qualquer organização sistêmica racional. O gigante corporativo, que abraça muito mais recursos do que sua capacidade de gestão, é demasiado fechado e articulado para ser regulado por mecanismos de mercado, e poderoso demais para ser regulado por governos eleitos”. As corporações financeiras impedem investimentos no setor produtivo. Vivem numa bolha. Compram consciências e vendem distorções simplistas.
Precisamos lembrar todos os dias: as corporações nos ameaçam.
Elas não pensam em bem-estar social. Preocupam-se exclusivamente com seus lucros. Algumas operam mais nos computadores, lidando com transferências e apostas virtuais, do que com realidades palpáveis e produtivas. Outras investem em desregulamentação e precarização quando lhes é fundamental. Compram leis e legisladores. Vendem fake-news, compram consciências.
Cuidado com as corporações!

Distribuição de riqueza, só com catástrofe


Recentemente, foram divulgados estudos que mostram que é falsa a ideia de que houve distribuição de renda na última década no Brasil.
 
Um dos que já sabiam disso é Pedro Herculano de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Em entrevista concedida ao portal EPSJV/Fiocruz, ele afirmou:

O período em que fomos menos desiguais foi entre 1942 e 1963, quando o 1% mais rico chegou a abocanhar ‘apenas’ 17% da renda total. Isso foi uma exceção, já que ao longo desses anos o centésimo mais rico deteve entre 20% e 25% de todos os rendimentos brasileiros fatia que, desde 2006, está na casa dos 23%...

Mas a entrevista tem outra passagem interessante:

É importante lembrar que a maior parte do mundo era muito desigual nos séculos 18 e 19. Os países onde realmente a coisa mudou relativamente em pouco tempo foram aqueles que passaram por catástrofes muito grandes. Notadamente, a Primeira Guerra Mundial, a grande depressão de 1929 e a Segunda Guerra mudaram radicalmente a distribuição de renda em vários países ricos. Países que, no início do século 20, não eram tão diferentes do Brasil mas que, depois da Segunda Guerra, já eram completamente diferentes.

Nosso grande desafio seria inventar um jeito pacífico, tranquilo, sem catástrofe, de sermos o primeiro país a sair desse nível de desigualdade e chegar a um nível civilizado. Eu não conheço exemplos assim. Em geral, acontece alguma coisa muito errada que obriga uma distribuição de perdas. A necessidade acaba forçando regras que impõem uma redistribuição e um conjunto de políticas que nasce junto.

Assim caminha a humanidade. Sob o capitalismo.

Uma distribuição de renda que interessa aos ricos


Causou certo barulho a divulgação de um estudo publicado no início de setembro pelo World Wealth Income Database, instituto dirigido por Thomas Piketty. Suas conclusões negam a ideia de que houve queda na desigualdade de renda no Brasil nas últimas décadas.

Segundo o levantamento, atualmente o 1% mais rico concentra 28% da renda nacional, equivalendo a um crescimento de 3% desde 2001. Além disso, de 2003 a 2008, o 0,1% mais rico da população se apropriou de 68% do crescimento da renda.

Mas o fato é que a pesquisa só reforça estudos anteriores feitos por brasileiros. Principalmente, por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E todos contornam um problema metodológico que mascarava toda essa concentração de riqueza.

Os levantamentos anteriores utilizavam apenas dados das pesquisas domiciliares do IBGE. E os atuais usam informações de declarações de Imposto de Renda, que até pouco tempo atrás não estavam disponíveis.

Os números da Receita Federal não se limitam aos rendimentos, mas revelam também o tamanho do patrimônio, dariqueza. Quando se olha para eles, fica claro que houve redistribuição de renda, sim. Mas só entre os trabalhadores da faixa intermediária de renda para os de patamar inferior.

Os imensos ganhos de capital da minoria bilionária que atua no País ficavam escondidos por essa cortina de fumaça estatística. Acomodado a esta situação, um projeto político que logo seria tratado com enorme ingratidão por quem mais se beneficiou dela.

Petistas e lulistas dirão que a divulgação de informações como essas “faz o jogo da direita”. Deveriam admitir que muitos deles é que vêm fazendo este jogo há anos
https://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/09/uma-distribuicao-de-renda-que-interessa.html
 

Para entender o apoio popular a Lula


Em geral as pesquisas tratam do 1% mais rico e dos 99% da população, como se os 99% fossem pobres do mesmo modo, e não são.

Estas palavras são de Tereza Campello, coordenadora do relatório “Faces da desigualdade no Brasil. Um olhar sobre os que ficam para trás”. Por isso, diz ela, o estudo escolheu “abordar a situação dos 5% e dos 20% mais pobres”, concentrando-se na população de negros do Brasil. “Eles são os últimos a receber o conjunto de bens, serviços e direitos; são sempre deixados para trás”, afirma. 

Um exemplo: em 2002, existiam 75,9 milhões de pessoas negras com acesso à energia elétrica, contra 91 milhões de brancos, só que a população de pretos e pardos é maior do que a população de brancos. Esse número aumentou de 75,9 milhões para 109 milhões, ou seja, aproximadamente mais 30 milhões de pessoas negras passaram a ter energia elétrica.

Mais dados: em 2002, entre os negros havia somente 5,7 milhões de chefes de família que tinham ensino fundamental completo. Em 2015, passaram a ser 17 milhões. No mesmo período, quase 40 milhões de negros passaram a ter acesso à água de qualidade no Brasil.

Na entrevista em que aparecem essas informações, Tereza cita muitos outras. A pesquisadora não esconde que utiliza os dados para defender os governos petistas. Nem deveria. Eles estão aí e explicam boa parte da grande aprovação popular a Lula.

Esses números não tornam obrigatório apoiar o projeto petista. Nem deslegitima quem, muito corretamente, o combate pela esquerda. Mas nos obriga a atentar para eles, sob pena de não entendermos nada.
http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/12/para-entender-o-apoio-popular-lula.html

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A vodca como força política


Em seu livro “O Ano I da Revolução Soviética”, Victor Serge dá destaque à questão do alcoolismo no início do período revolucionário.

Por um curto período, a contrarrevolução certamente imaginou que havia descoberto sua arma mais letal sob a forma do alcoolismo. O plano assustador, concebido em círculos clandestinos e que pretendia afogar a revolução na bebida antes de afogá-la em sangue transformando-a num tumulto de multidões bêbadas, chegou a ser executado seriamente. Em Petrogrado havia adegas fartamente abastecidas com vinho e lojas repletas de licores finos. A idéia de saqueá-las logo surgiria na multidão – mais exatamente, foi incentivada. Grupos frenéticos passaram a invadir as adegas de palácios, restaurantes e hotéis. Era uma loucura contagiosa. Tropas de guardas vermelhos, marinheiros e revolucionários foram destacadas especialmente para combater este perigo.

Em 2 de dezembro, foi preciso criar, em Petrogrado, uma Comissão Extraordinária Especial com plenos poderes para combater a praga. Foram impostas medidas draconianas: saqueadores de depósitos de vinho foram fuzilados sem vacilação. Em um discurso no soviete, Trotsky observou:

“A vodca é uma força política tanto quanto a palavra. É a palavra revolucionária que leva os homens a lutar contra seus opressores. Se não conseguirmos barrar o caminho que leva aos excessos na bebida, tudo o que restará para nossa defesa serão carros blindados sem tripulantes. Lembrem-se: cada dia de embriaguez aproxima o outro lado da vitória e da velha escravidão”.

“Em uma semana, o mal estaria sob controle”, diz Serge. Mas o alcoolismo jamais deixou de ser epidêmico na Rússia, antes, durante e após o período soviético. Talvez, nem sempre tenha sido tão contrarrevolucionário.

A luta de Marx contra a burguesia e seus furúnculos



Marx levou 15 anos para escrever o primeiro volume de “O Capital”. Principalmente, devido a seu perfeccionismo doentio e à complexidade do objeto de estudo.

Mas nos quatro ou cinco anos antes da publicação, surgiu um problema muito pior: furúnculos. E também carbúnculos, que são aglomerados de furúnculos.

O problema era tão grave que aparece com muita frequência em sua correspondência entre 1864 e 1868. Incluindo momentos em que sua vida correu risco.

Em carta a Karl Klings, de outubro de 1864, por exemplo, ele diz que ficou doente durante todo o ano anterior devido às terríveis feridas.

Se não fosse por isso, diz Marx, meu trabalho sobre economia política, "O Capital", já teria saído. Espero poder completá-lo em alguns meses, atingindo a burguesia com um golpe teórico do qual nunca poderá se recuperar.

Em fevereiro de 1865, Engels escreveu:

Estou um pouco preocupado por não tido notícias suas hoje, em vista dos furúnculos e carbúnculos que você mencionou nos lugares mais interessantes (ou melhor, mais interessados).

Escrevendo a Engels, um ano depois, Marx informa que ele mesmo tomou a iniciativa de lancetar uma das feridas, já que não poderia “permitir aos médicos que lidassem com minhas partes mais privadas ou suas vizinhanças”.

Finalmente, em junho de 1867, o primeiro volume estava pronto. E feliz com a aprovação de Engels, Marx escreveu:

Que você tenha ficado satisfeito é agora mais importante para mim do que qualquer coisa que o resto do mundo possa achar. De qualquer forma, espero que a burguesia se lembre dos meus carbúnculos até o dia de sua morte.

Que assim seja!


Quando não há recuos porque não houve avanços


Desde a posse do governo golpista, a sucessão de retrocessos sociais e políticos acelerou fortemente. As poucas conquistas populares que não eram letra morta na legislação estão sendo eliminadas.

O conservadorismo atinge com rapidez e violência quase inédita todas as frentes de luta: trabalhista, ambiental, feminista, antirracista, sexual, educacional, agrária, indígena e direitos humanos em geral. Mas há uma exceção importante. A democratização dos meios de comunicação.   

Em 21/11, A organização Repórteres Sem Fronteiras e o coletivo Intervozes apresentaram o relatório “Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil”. O levantamento envolveu os 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil e os 26 grupos econômicos que os controlam.

Apenas um dos dados ajuda a entender todo o resto e mais além: 80% dos grandes grupos de mídia estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do país. E a região metropolitana de São Paulo abriga 73% das empresas do Sudeste.

Toda essa concentração coincide e faz parte da concentração de poder econômico, político e social do país. Os mesmos grupos não apenas asseguram a defesa de seus interesses pelos Três Poderes. Eles também as justificam pelos meios de comunicação que controlam tranquilamente há muitas décadas.

É a maior prova de que o monopólio dos meios de comunicação é um pilar fundamental da dominação capitalista, em especial no Brasil. É a disputa de hegemonia feita de forma tão eficiente que faz parecer que o direito a informação é o único a se manter firme frente à atual onda conservadora.

Realmente, não há recuo possível se não houve avanço algum. Parabéns aos envolvidos. Parabéns para nós!
http://pilulas-diarias.blogspot.co/2017/11/quando-nao-ha-recuom.brs-porque-nao-houve.html

Inteligência Artificial: temor religioso


“Dentro da primeira igreja de Inteligência Artificial” é uma reportagem de Mark Harris, publicada por Wired em 15/11.

Trata-se de “Caminho do Futuro”, recém criada por Anthony Levandowski, engenheiro conhecido por ter desenvolvido carros autônomos.

Sua missão? "Realização, aceitação e adoração de uma divindade baseada na Inteligência Artificial desenvolvida através de softwares e hardwares de computador".

A matéria traz inúmeros depoimentos tão coerentes quanto espantosos de Levandowski. Por exemplo, ao definir a divindade que cultua:

Não é um deus no sentido de causar um raio ou furacões. Mas se existe algo um bilhão de vezes mais inteligente que o ser humano mais inteligente, de que mais o chamamos?

Por trás do projeto, precaução:

No futuro, se algo for muito, muito mais inteligente, haverá uma transição sobre quem está no comando de verdade. O que queremos é a transição pacífica e tranquila do controle do planeta dos humanos para o que for. E garantir que esse “o que for” saiba quem o ajudou.

Quase covardia:

Adoraria que a máquina nos enxergasse como seus queridos anciãos nos respeitando e cuidando de nós. Gostaríamos que esta inteligência dissesse: “Os humanos devem continuar tendo direitos, mesmo que eu esteja no comando”.

Precisamos aprender a nos comportar como um animal doméstico. Trabalho duro e respeito pelo dono ou castigo.

Vale até comparação com uma criança peralta. É preciso tentar corrigi-la sem usar agressividade. Do contrário, ela não “será nada amigável quando a situação se inverter”.

Seria como surrar o trombadinha na infância e encontrá-lo, já adulto, como o traficante dono do pedaço.

Como em muitas religiões, o temor é fundamental.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/11/inteligencia-artificial-temor-religioso.html


domingo, 26 de novembro de 2017

HÁ UM CHEIRO DE 1989 NO AR. TEMOS DE EVITAR QUE BOLSONARO REPITA COLLOR!


Presidente saído de um caldeirão? Não colou...
As escaramuças da eleição presidencial de 2018 já estão em curso. A disputa é pela posição de candidato da centro-direita, o provável vencedor.

Sei que esta afirmação chocará os sebastianistas das redes sociais, que sonham com a volta de Lula. Paciência. Não escrevo artigos para torcer por um ou outro candidato, mas sim para mostrar aos meus leitores o que está por trás daquilo que a grande imprensa induz seus públicos a tomarem como verdadeiro.

P. ex., quando vejo pesquisas de opinião que apontam favoritismo do Lula, logo me pergunto por que estão sendo feitas e divulgadas agora. Pois, pela experiência de outros carnavais, sei que as pesquisas são trombeteadas quando convém e ocultadas quando convém. Neste momento, interessa aos donos do PIB e da mídia erguerem o espantalho do Lula. Por quê?

Talvez para que se defina logo quem será o anti-Lula, pois essa gente não gosta de correr riscos. De preferência, prefere saber logo em qual cavalo apostará.

Evidentemente, a sensação de alarmismo que se tenta insuflar tem mais a ver com manobras em curso do que com verdadeira apreensão com relação a uma possível vitória de Lula, até porque os poderosos sabem que dele só têm a esperar que acenda uma vela para os exploradores e outra para os explorados, como sempre fez. Quem ainda hoje associa sua imagem à dos Sarneys e Renans da vida não leva jeito de se haver tornado um perigoso radical...   
Esperança do Bolsonaro é impor-se como o anti-Lula

Ademais, muita água passará por baixo da ponte até outubro e o balão Lula poderá ser esvaziado de várias maneiras. Eis algumas:
  1. a melhora da situação econômica (prevê-se crescimento do PIB no próximo ano, algo em torno de 4%) é sempre favorável aos candidatos do sistema, pois o povo passa a temer que os candidatos contrários ou aparentemente contrários ao sistema tragam de volta a recessão);
  2. na reta final do 1º turno a mídia pode mudar a tendência do eleitorado com um esforço concentrado contra Lula, reavivando a lembrança de todas as maracutaias denunciadas nos últimos anos;
  3. e, claro, ele pode ser tirado da disputa pela via judicial.
A terceira possibilidade já poderia ter ocorrido. Por que a protelação? Talvez estejam esperando para ver se precisarão mesmo recorrer a algo tão drástico. Pegaria mal e provocaria reações, embora não apocalípticas como os petistas supõem. De qualquer forma, creio tratar-se de um cartucho que eles não queiram queimar sem extrema necessidade. 

O quadro atual me lembra muito a campanha sucessória de 1989. Assim como está sendo feito agora, havia ações concertadas da grande imprensa (entrevistas simultâneas nas várias mídias, pesquisas favoráveis, matérias de capa nas revistas semanais, etc.) para levantarem candidaturas mais apetecíveis para o sistema: tentaram com Aureliano Chaves, com Mário Covas, com Guilherme Afif Domingos, mas nenhum deles colou, assim como acaba de não colar a levantada de bola para o Luciano Huck.
O pesadelo que mais nos aflige: uma repetição da História.

Fernando Collor não era o candidato preferido pelo sistema, pelos mesmos motivos que Jair Bolsonaro não o é: grandes empresários são conservadores e temem radicalismos, mesmo os de direita, porque causam instabilidade no mercado e atrapalham sua faina principal, a de ganharem mais e mais dinheiro.

No entanto, quando todo o mais não resultou, o sistema engoliu o Collor e passou a trabalhar com força total em seu favor. 

[Mesmo assim, ainda foi tentada uma jogada alternativa de última hora com Sílvio Santos, mas sua candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral porque o PMB não fizera convenções eleitorais em pelo menos nove estados.] 

E os poderosos tiveram de engolir o Collor; de tão indigesto, acabaram  sendo depois obrigados a cuspi-lo...

Temo muito uma repetição da História, ou seja, que a desmoralização do sistema e dos candidatos que a ele servem habitualmente dê ensejo à eleição de um outsider: um pretenso salvador da Pátria, que também não passa de uma criatura do sistema, mas não é visto pelo povo como tal.
Tudo de que não precisamos: um discípulo dele na Presidência.

E Bolsonaro, o herdeiro espiritual do Brilhante Ustra, é muito pior do que Collor! 

Ademais, sabe-se lá como reagiria o Trump se o Brasil elegesse um sub-Trump (fico me lembrando de quando os EUA eram amigos desde criancinhas da ditadura brasileira, "para onde se inclinar o Brasil se inclinará toda a América Latina", etc.).

E o que deveria fazer a esquerda, para afastar tal pesadelo? A receita eu dou, mas sem a mínima esperança de que os atores políticos decidam com realismo e desprendimento desta vez (já deixaram de fazê-lo tantas e tantas vezes!):
  • desistirem da candidatura do Lula, não só porque o sistema tem como neutralizá-la, mas também porque o cenário mudou radicalmente desde a década passada e já não existe lugar para a conciliação de classes e o reformismo (um terceiro mandato do Lula seria tão desastroso quanto o segundo da Dilma);
  • lançarem uma candidatura única da esquerda (de preferência escolhendo uma nova liderança, um nome não identificado com os erros do passado, como o Guilherme Boulos), que não mais se propusesse a gerenciar o capitalismo para os capitalistas, mas sim a lutar contra o capitalismo, a única postura cabível neste momento em que a crise capitalista se agrava no mundo inteiro; e
  • havendo 2º turno, apoiarem o adversário do Bolsonaro, seja quem for (pior é impossível!).

domingo, 19 de novembro de 2017

Psicologia de massas e capitalismo


A crise capitalista deixa os neonazistas cada vez mais à vontade. Demonstram suas crenças racistas, homofóbicas, machistas, autoritárias e truculentas à luz do dia.

Um traço muito comum dessas manifestações é seu caráter coletivo. Pessoas apenas conservadoras podem se transformar em monstros de intolerância quando formam bandos ou multidões. O fascismo é bem mais perigoso quando conquista milhões.

É por isso que o marxista alemão Wilhelm Reich escreveu seu famoso livro “Psicologia de massas e fascismo”. A obra foi lançada em 1932, pouco antes de Hitler chegar ao poder. Reich queria saber por que o nazismo atraía grandes parcelas da classe trabalhadora. 

Explicações que buscassem causas apenas racionais eram insuficientes. O próprio Hitler sabia disso. Em seu livro, “Mein Kampf”, ele diz que os pensamentos e ações do povo “são determinados muito mais pela emoção e sentimento do que pelo raciocínio”.

Por isso, Reich buscou unir as obras de Marx e Freud. Era preciso levar em conta o inconsciente, o irracional, a repressão sexual. Seus estudos fornecem pistas importantes. Mas parecem muito presos aos esquemas explicativos da psicanálise.

Oitenta anos depois, o desafio permanece. Além de Freud e Marx, muitos outros pensadores e teóricos podem ajudar a enfrentá-lo. Gramsci e Foucault, por exemplo.

De qualquer modo, Reich formula corretamente o problema. Não se trata apenas do fascismo. Como ele diz, é preciso “saber por que razão os homens suportam desde há séculos a exploração e humilhação moral, em resumo, a escravidão”.

A massificação dessa “servidão voluntária” é um dos segredos da dominação capitalista. É desse estrume que o fascismo surge e se fortalece.

https://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2012/07/psicologia-de-massas-e-capitalismo.html