sábado, 15 de agosto de 2015

A pirâmide da dominação imperialista

Prestem bem atenção neste gráfico, inspirado na imagem da nota de 1 dólar, e compreendam como funciona a dominação no sistema capitalista-imperialista. Esse são os princípios da religião do “deus-mercado”, representado pelo “Olho da Providência”, que é uma apropriação indevida de um simbolismo egípcio, da mesma forma que Hitler fez com a suástica que é um símbolo hindu.


Os Sete Degraus da Pirâmide

1) No topo da Pirâmide está a oligarquia financeira internacional, que são algumas poucas famílias que controlam a emissão e o valor de praticamente todo dinheiro do planeta que se lastreia pelo dólar, o qual ao se transformar em capital multiplica-se indefinidamente para retornar a elas mesmas, ainda mais valorizado.

2) Esta oligarquia financeira tem o controle sobre o Banco de Compensações Internacionais com sede em Basileia (Suíça), que dá a garantia de crédito aos bancos em todo o mundo em nome da “estabilidade monetária”, do controle inflacionário e de outros mitos defendidos como uma “religião do deus-mercado”, formulados pelas grandes universidades estadunidenses e difundidos mundo afora nos manuais de economia.

3) A serviço deles estão o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que controlam os sistemas financeiros nacionais através do endividamento externo e interno, e de seu receituário recessivo que submetem nações inteiras a crises sistêmicas, como a que passou a América Latina nas décadas de 1980/1990 e a que agora passam os países da periferia europeia como a Grécia; a dívida é a forma de garantir um vínculo de dependência permanente, de modo que quando a situação torne-se insustentável o país seja obrigado a ceder tudo o que possuir de mais valioso para renegociar sua posição.

4) Os bancos centrais nacionais são “independentes” ou “autônomos”, o que significa que eles não têm controle político, mas sim controle financeiro através da banca internacional. Destes, o FED (Banco Central dos EUA) tem uma posição fundamental no centro da pirâmide, pois desde 1971, o dólar não tem lastro em ouro e pode ser emitido infinitamente de acordo com a estratégia dessa oligarquia. Assim, eles podem fabricar um ciclo de prosperidade ou uma crise, a depender do que interesse mais no momento. Com crescimento ou recessão, eles sempre ganham, pois nos momentos expansão eles aumentam seus lucros e nos de crise conseguem concentrar mais capital comprando aqueles que quebram e se endividam.

5) Para garantir tal domínio, seus tentáculos se estendem aos grandes bancos, que através das taxas de juros, do controle do câmbio e dos impostos garantem o comprometimento primário das receitas públicas (o famoso superávit primário). Eles exigem propriedades como garantia de empréstimos e financiamentos, de modo queos bens ficam hipotecados, tornando-se propriedades do banco caso algum fator impeça o pagamento em dia das parcelas e amortizações.

6) Detentores dos capitais, esses bancos tornam-se acionistas majoritários das grandes empresas e corporações transnacionais e multinacionais, que submetem ou se associam aos congêneres nacionais, procurando prioritariamente controlar setores estratégicos como recursos naturais, infra-estrutura, energia, alimentos, saúde, educação e principalmente a mídia, que dá a sustentação ideológica ao sistema. É inocência acreditar que existe concorrência no mundo contemporâneo, pois as grandes marcas são controladas em geral pelos mesmos cartéis, monopólios, oligopólios e holdings.

7) Tais companhias financiam as campanhas de candidatos em todos os países onde existe financiamento privado para as eleições. Os eleitos passam a atender apenas a tais interesses, submetendo o Estado e a sociedade a esse projeto. Se discordarem, não se reelegem porque não tem recursos para a campanha.

Assim, a democracia passa a ser apenas um espetáculo midiático, com uma indústria das eleições que se alimenta de campanhas bilionárias.

O que sustenta a Pirâmide?

1) Na base da pirâmide está o povo de todas as raças, culturas, crenças e ideias. Estão, portanto, os camponeses, trabalhadores da cidade, pequenos e médios empresários, profissionais liberais e autônomos que geram as riquezas para alimentar o topo. Estão todos os animais a serviço de hábitos alimentares historicamente determinados, as espécies ameaçadas pela expansão da agropecuária, bem como a natureza em todos os seus aspectos (água, minério, florestas, e mesmo o espaço sideral).

2) Quem mantêm econômica, ideológica, financeira e militarmente o sistema é o governo dos EUA, em coalizão com a União Europeia, Israel, países do Golfo, da OTAN e países aliados por vontade própria ou por coação. A ONU e os órgãos multilaterais são dominados por eles, porém, encontram resistência de países como os BRICS, da CELAC e outros emergentes.

3) Mas o que realmente garante a dominação do sistema é o hard e o soft power:

3.1) O soft power é o controle ideológico e da informação através da mídia e da internet. São os filmes de Hollywood que veem carregados de mensagens políticas. São as músicas promovidas pela indústria cultural que substituem as culturas de raís. São os conhecimentos técnicos e científicos que são disseminados inviesados. São os meios de comunicação hegemônicos que são alimentados pelo dinheiro do sistema. Também são os mecanismos modernos de tecnologia da informação pelo qual se desenvolve o controle absoluto de tudo o que se passa com cada indivíduo. Cada mensagem publicada, e-mail enviado, conversa por Skype, MSN ou Facebook é guardada, vigiada e documentada pelos serviços de inteligência dos EUA. Todos os aparelhos celulares são rastreados, e programas de espionagem estão inseridos em sistemas operacionais de código fechado como o Microsoft Windows e o OS/X da Apple.

3.2) O hard power é a guerra e os conflitos, que têm a OTAN como instituição que executa imperativos como:

a) invasões como as do Iraque e da Líbia para se obter o controle do petróleo e na Síria para se controlar rotas de gasodutos e oledutos;

b) a guerra “eterna” de Israel contra a Palestina para promover um “choque de civilizações” e alimentar o ódio entre “ocidente” e “o resto”;

c) a guerra do Afeganistão para se obter o controle geopolítico da Ásia central (ao norte a Rússia, a sudeste a Índia, a oeste o Irã e a leste a China).

Vale observar que o domínio espacial dos satélites garante o hard e o soft power.

4) Entendendo a lógica do sistema, consegue-se observar que toda a produção no mundo serve para sustentar um verme parasitário, que é o sistema capitalista como um todo, no qual algumas dezenas de famílias absorvem a riqueza produzida por todos os 7 bilhões de habitantes do mundo. Outras, milhares intermediárias beneficiam-se de parte dessas riquezas e por isto tornam-se árduas defensoras do sistema, não percebendo que servem apenas para perpetuar o modelo em que um maior contingente se vê explorado e excluído, usufruindo-se de míseras migalhas.Portanto, em todo o mundo a luta para reverter esse quadro será uma conjugação de esforços nacionais e internacionais, troca de informações e unidade nas ações. Como inverter a lógica da Pirâmide?

O princípio fundamental é o surgimento de novos valores na base da pirâmide, que se baseiem na paz, na solidariedade e na cooperação, com todos os povos aceitando-se e convivendo-se na diversidade, de forma harmônica e sustentável com o meio-ambiente e a biodiversidade, e procurando elevar os padrões de vida da sociedade e a garantia das liberdades religiosas e individuais. Assim, cada estrutura da pirâmide deverá ser reestruturada:

5) É necessário que haja uma verdadeira democratização do sistema político, sendo para isto eleitos aqueles que estejam ligados a causas anti-imperialistas, democráticas e populares, sem vínculos com o capital financeiro. Aqueles que se comprometem com esquemas de privatizações ou com projetos que beneficiem o banca financeira não podem ser eleitos em quaisquer instâncias. Por isto deve-se exigir o fim do financiamento empresarial das campanhas.

6) Isto será conquistado com uma mídia independente, a internet livre, e a democratização dos meios de comunicação. O controle público sobre as corporações será determinante, e os interesses empresariais devem ser submetidos à vontade pública. Se necessário, deve-se estatizar empresas estratégicas ou aquelas dominadas pelo capital financeiro internacional, garantido a efetividade no exercício de sua missão pública.

7) Todo apoio deve ser dado a cooperativas de crédito. Bancos públicos devem reduzir drasticamente o custo do crédito e estimular iniciativas alternativas de emissão de moedas, focadas na cooperação e no desenvolvimento social e ambiental, sem exigências draconianas.

8) Os Bancos Centrais precisam ser controlados e administrados de acordo com a necessidade do país, o bem-estar do povo e o desenvolvimento nacional. Seus membros devem ser eleitos e não podem possuir vínculos com a oligarquia financeira internacional, que é quem atualmente os controla.

9) O FMI e o Banco Mundial devem perder suas autoridades, sendo minados por dentro e por fora. Em seus lugares, devem emergir iniciativas de bancos regionais e nacionais, com foco no desenvolvimento e na integração solidária. Exemplos como o Banco do Sul, o Banco do BRICS e o Banco da Ásia devem ser estimulados, bem como outros tipos de arranjos contingencias de reserva.

10) O Banco de Compensações Internacionais perderá o seu poder quando o dólar deixar de ser a única moeda de reserva internacional. É preciso criar uma alternativa ao Swift.

Para isto é necessário uma nova arquitetura do sistema financeiro internacional, que imploda os tratados de Basileia, a ordem econômica pós-Bretton Woods e do pós-Guerra Fria.

Compreender o topo do sistema financeiro é o centro da questão. Para isto, vale destacar que o imperialismo uma etapa histórica do capitalismo que tem como subproduto o capital financeiro, que é a fusão do capital bancário com o industrial.

A manipulação midiática, as guerras fabricadas, a fome e a miséria no mundo apenas sustentam essa máquina. Não se pode ignorar que é nos EUA onde está o centro do poder mundial. Porém, esse grupo que tomou de assalto o Estado, o governo, o congresso e as instituições estadunidenses, não pode ser confundido com o povo deste país. A defesa da paz, da democratização da comunicação, da transparência dos processos políticos, a socialização dos meios de produção e o controle público do sistema financeiro devem ser os esforços conjugados de todos os povos para a construção de uma Nova Era para a humanidade.

Prof. Thomas de Toledo
No Ligia Deslandes
via: http://www.contextolivre.com.br/2015/08/a-piramide-da-dominacao-imperialista.html

O “Tratado sobre a tolerância” de Voltaire e a intolerância nossa de cada dia


Podemos aprender muito com a leitura do Tratado sobre a tolerância, escrito por Voltaire em 1763 para expor como concebia a convivência pacífica entre seres humanos diferentes e divergentes, mas que se relacionam entre si. Mesmo com as incoerências do autor e contradições que aparecem ao longo do texto e da distância que nos separa da época da publicação da obra, o pensamento de Voltaire ainda é inspirador para que possamos realizar as nossas próprias reflexões sobre o tema. Aliás, é isso o que torna relevante a leitura de um texto clássico e não uma presumida capacidade de explicar com exatidão a realidade.

Na época, o livro foi proibido de circular na França, tão acirrados eram os conflitos entre católicos e protestantes, tema principal do livro. Os acontecimentos que motivaram a elaboração da obra foram a condenação e execução do comerciante de tecidos de religião calvinista Jean Calas, de 63 anos, em 10 de março de 1762, pelo tribunal criminal de Toulouse, com entusiasmado apoio da população católica local, que determinou que o réu fosse “quebrado vivo”, estrangulado e tivesse o corpo incinerado em uma fogueira. A acusação contra Jean Calas era de ter assassinado o seu filho que, segundo boatos, pretendia se converter ao catolicismo.

Informado sobre os acontecimentos, Voltaire redige o Tratado sobre a tolerânciaentre outubro de 1762 e abril do ano seguinte, discutindo os erros do processo e o clima de intolerância religiosa contra Jean Calas depois da morte por suicídio de seu filho Marc-Antoine Calas. Ainda em março de 1763 o caso é reaberto pelo Conselho do Rei. Dois anos depois Jean Calas é oficialmente inocentado e sua família indenizada pelo Estado francês.

A leitura do Tratado sobre a tolerância também nos ensina que a intolerância que muitas vezes prevalece no tratamento que os povos europeus dispensam aos outros povos com os quais entraram em contato desde o século XVI, é uma consequência até óbvia do tratamento mútuo observável entre os próprios europeus, em muitas situações habitantes de um mesmo país.

Para Voltaire o conflito religioso que levou à condenação injusta de Jean Calas demonstrava que a religiosidade pode deixar de lado a caridade para promover a violência nas relações humanas, incentivando o ódio e a perseguição, ao invés de promover o amor e a solidariedade. Para superar o fanatismo, e “diminuir o número de maníacos”, segundo Voltaire (2015, p. 4) a melhor maneira era “submeter essa doença do espírito ao regime da razão, que esclarece lenta, mas infalivelmente os homens. Essa razão é suave, humana, inspira a indulgência, abafa a discórdia, fortalece a virtude, torna agradável a obediência às leis, mais ainda do que a força é capaz”.

Logo se vê que o autor depositava uma grande esperança na difusão do racionalismo iluminista como um meio para promover a convivência democrática e a tolerância. Dois séculos e meio depois, infelizmente, já tivemos exemplos de sobra de como a racionalidade cientifica pode estar a serviço da intolerância, como demonstram as pesquisas tecnológicas de aplicação militar.

Voltaire nasceu em 1694 e viveu até 1778, um período histórico em que germinam as ideias e se acirram os conflitos que levaram à Revolução Francesa de 1789, e que alterou radicalmente as relações de poder entre a nobreza, de um lado, e de outro o chamado terceiro estado, composto pela burguesia, as nascentes classes médias de trabalhadores intelectuais e pequenos proprietários, trabalhadores urbanos e camponeses.

Uma reflexão que pode nos ocorrer, então, diz respeito às possíveis consequências do prevalecimento do ideal da tolerância, defendido por Voltaire, nesse contexto histórico revolucionário. Caso os estamentos e classes sociais em conflito, ou seja, o Rei, a nobreza e o chamado terceiro estado, adotassem o ideal da tolerância mútua, a revolução teria sido impedida e o antigo regime e as relações sociais feudais continuariam em vigência naquele país. A tolerância se revelaria, assim, como uma forma de conservação da ordem social.

Já a intolerância dos dominados em relação ao regime monárquico e ao feudalismo, por sua vez, gerou a violência revolucionária que colocou fim a séculos de opressão social e consolidou politicamente a modernização da sociedade francesa.

Voltaire apresenta inúmeros exemplos históricos de tolerância em diferentes povos, na tentativa de persuadir os franceses sobre a superioridade ética e benefícios práticos da convivência tolerante. O texto visa convencer os leitores de que a tolerância é viável e necessária para a conveniência da realização dos interesses privados e do estado. Foi elaborado para que as ideias nele defendidas fossem colocadas em prática na ação política e na vida social. Por isso os seus argumentos não partem de uma concepção idealizada e sublime de uma humanidade pacífica, e sim de situações históricas e formas de resolução dos conflitos que sejam efetivamente viáveis, pois aceitos pelos seus contemporâneos e pelos dirigentes do estado e pelo rei.


tolerancevarbergO estilo do texto é de um discurso que apela ao bom senso dos possíveis leitores cristãos. O autor deixa bem evidente que não defende a tolerância por estar imune aos preconceitos contra os outros povos, costumes e religiões, mas sim por considerar que a convivência tolerante pode trazer melhores resultados para todos.

Voltaire nem faz questão de esconder os seus preconceitos contra os egípcios, povo que ele considera “sempre turbulento, sedicioso e covarde, povo que havia linchado um romano por ter matado um gato, povo desprezível em quaisquer circunstâncias, não obstante o que digam dele os admiradores das pirâmides” (Voltaire, 2015, p. 59). “Seu antissemitismo, tão pouco de acordo com suas convicções iluministas”, como bem expressou Eric Auerbach (2012, p. 281), o levou a escrever que não se encontra em toda a história do povo judeu “nenhum traço de generosidade, de magnanimidade, de beneficência” (Voltaire, 2015, p. 73); em algumas passagens de sua obra predomina uma visão desumanizada e estereotipada dos negros (Voltaire, 1978, p. 62-63). Mesmo pensando dessa forma, Voltaire achava que era possível a convivência tolerante com esses diferentes povos. É evidente que podemos questionar se de fato alguém consegue ter uma convivência respeitosa e pacífica com aqueles sobre os quais cultiva representações tão negativas.

Tolerância e intolerância como estratégias

Tolerância e intolerância são duas formas de conceber como devem se dar as relações entre os humanos, seus grupos, classes sociais, nações e suas instituições religiosas, empresas, estados. São duas concepções diferentes sobre quais as estratégias que devem ser empregadas para a busca da resolução de conflitos de interesses ou de crenças, com ou sem o uso da violência.

A tolerância é a concepção de que as relações humanas devam ser baseadas na convivência pacifica entre indivíduos e coletividades que tem diferentes interesses, costumes, concepções e até aparência, mas que mesmo com divergências necessitam e optam pela continuidade dos relacionamentos sociais e transações mercantis, formando uma unidade nas relações sociais entre contrários.

Caso a estratégia da tolerância seja adotada, o conflito entre classes sociais, por exemplo, deverá ser limitado, pois as classes em luta terão que conter as suas demandas, para manter a possibilidade de realizar pelo menos uma parte de seus interesses. As classes proprietárias terão que garantir um mínimo de condições aceitáveis para que os trabalhadores não sejam eliminados ou simplesmente abandonem seus postos de trabalho. Já os trabalhadores terão que respeitar que a propriedade foi estabelecida como um direito para os patrões, que de outro modo não manteriam os seus empreendimentos que oferecem as oportunidades de emprego para os trabalhadores.

No contexto de uma sociedade capitalista os patrões não podem ser intolerantes com os seus trabalhadores, pois estes valorizam o capital, e nem os trabalhadores podem eliminar seus empregadores, pois ficariam sem os investimentos que garantem os seus salários. A tolerância volta a se revelar, então, como uma condição para a manutenção desse tipo de sociedade. Conflitos motivados por convicções religiosas ou costumes diferentes devem então ser controlados para que não inviabilizem o mínimo de convivência que pelo menos parcialmente beneficia a todos.

Do ponto de vista dos mais céticos, aqueles que concebem que deva prevalecer a tolerância nas relações humanas ou se beneficiam com a convivência pacífica, ou então não contam com os meios violentos à sua disposição para preferir a intolerância como estratégia para a subjugação pela força ou eliminação dos seus inimigos. Por isso optam pelas relações políticas democráticas, que são aquelas que preveem que os conflitos de opinião, crença e interesse serão resolvidos através da observância às leis e regras vigentes, de preferência previamente pactuadas entre os possíveis litigantes.

As sociedades contemporâneas são compostas por interesses tão heterogêneos e inconciliáveis, que não podemos ter a ilusão de que a convivência democrática e pacífica possa ser considerada como um valor absoluto pela unanimidade dos seres humanos, pois existem segmentos importantes e poderosos que dependem da perpetuação da violência para manter a lucratividade dos seus negócios. Em um relatório divulgado em 2013, aparece a informação de que as 100 maiores empresas fabricantes de armas faturaram 402 bilhões de dólares naquele ano, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), sendo que a maior parte desse faturamento ficou com empresas sediadas nos Estados Unidos e na Europa.

Uma fabricante de armas como a empresa norte-americana Boeing, mais conhecida por suas atividades civis de fabricação de aviões, ocupa o segundo lugar entre as 10 maiores empresas do setor, com faturamento de 30,7 bilhões de dólares, empregando 168.400 trabalhadores. A brasileira Embraer aparece na 62ª posição no mesmo ranking, faturando 6,3 bilhões de dólares em vendas, empregando 19.280 trabalhadores. A lista inclui muitas outras empresas que lucram com a intolerância no mundo atual e que são mais conhecidas pela fabricação de eletrodomésticos e automóveis comoHyundai, Hewlett-Packard (HP), Rolls-RoyceGeneral Electric, Samsung, Mitsubishi etc.

Incontáveis acontecimentos violentos já expressaram o grau extremo a que chegou a intolerância nas relações entre os humanos de diferentes concepções, crenças, interesses ou cor da pele no mundo contemporâneo. É o que demonstram os exemplos dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos; a invasão das tropas norte-americanas no Iraque e no Afeganistão, que já deixou centenas de milhares de mortos; os conflitos entre judeus e palestinos na faixa de Gaza; os conflitos envolvendo o governo sírio e seus opositores armados; os atentados contra jornalistas da revista Charlie Hebdo e a um mercado judaico em janeiro de 2015, em Paris; o tratamento aviltante dispensado aos imigrantes que chegam à Europa diariamente.

Também devemos recordar o assassinato de nove fiéis negros que participavam de uma reunião de estudos bíblicos na Igreja Metodista Africana Emanuel na cidade de Charlleston, Carolina do Sul (EUA), no dia 17 de junho de 2015. A este respeito, uma matéria jornalística divulgada no portal da rede de comunicação inglesa BBC em 23/06/5015 informa que atualmente 784 grupos de ódio racial e defesa da supremacia branca estão em atividade nos Estados Unidos, dentre os quais 142 grupos com inspiração neonazista, e outros 72 vinculados à já antiga Ku Klux Klan.

Ainda no mês de junho de 2015, no dia 26, ocorreram mais três atentados terroristas de repercussão mundial, um contra turistas no balneário de Sousse, na Tunísia, e outro contra fiéis muçulmanos em uma mesquita no Kuwait, deixando dezenas de mortos e feridos, e um terceiro atentado contra um trabalhador francês na cidade de Lion, França.

A mensagem que fica é que a violência não poupa nenhum grupo social, nacionalidade, confissão religiosa e orientação comportamental no mundo contemporâneo.

Os exemplos de violência na sociedade brasileira atual, as disputas pela propriedade da terra, o racismo cotidiano contra as populações negras e indígenas, a violência contra mulheres, crianças e homossexuais, demonstram também que estamos muito longe da tolerância enfatizada há dois séculos e meio por Voltaire.

Conclusão

A crítica que fazemos à intolerância não deve sensibilizar aqueles que se beneficiam com a violência e o sentimento de insegurança que ela propaga. Mas num mundo em que a intolerância predomina ninguém pode se considerar seguro. A lucratividade obtida por uma minoria que aumenta os seus negócios na medida em que aumenta também a insegurança da maioria não pode prevalecer em relação ao direito de todos ao respeito à sua integridade física e identitária.

Embora esta defesa da tolerância possa parecer ingênua diante da onda contemporânea de violência, temos que difundi-la como antídoto contra aquelas concepções que propagam que o mundo só pode ser uma arena de luta de todos contra todos, afinal, esta é sua maior estratégia de marketing.

Para promover o respeito à alteridade, o conhecimento intercultural pode contribuir para que sejam superadas as barreiras do preconceito e do desconhecimento que separam e geram estranhamento entre indivíduos e grupos humanos.

Mas a defesa da concórdia entre os povos espalhados pela Terra, para não se tornar inócua, por se restringir às formas de animosidade entre indivíduos e grupos intolerantes em relação às identidades religiosas e culturais dos outros, deverá ser combinada com o reconhecimento de que a concentração da renda e da riqueza, do poderio militar e do acesso privilegiado às condições ambientais necessárias para a vida, a começar pela água e ar limpos e solos agricultáveis, são obstáculos que deverão ser superados para que prevaleça a verdadeira tolerância entre os seres humanos.

Referências
AERBACH, Erich. Ensaios de literatura ocidental. São Paulo, Duas Cidades, Editora 34, 2012.
BBC. “EE.UU.: ¿quiénes son los supremacistas blancos y cuál es su poder político?”http://www.bbc.com/mundo/noticias/2015/06/150622_eeuu_tiroteo_charleston_supremacistas_blancos_bd?ocid=wsmundo.content-promo.email.newsletters..newsletter. Acesso em 26.06.2015


VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo, Folha de São Paulo, 2015.

______. Cartas inglesas ou Cartas filosóficas. São Paulo, Abril Cultural, 1978.

Walter Praxedes é docente na Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Ciências Sociais; Doutor em Educação (USP) e co-autor de O Mercosul e a sociedade global (São Paulo, Ática, 1998) e Dom Hélder Câmara: Entre o poder e a profecia, publicado no Brasil pela Editora Ática (1997) e na Itália pela Editrice Queriniana (1999).
via:http://www.contextolivre.com.br/2015/08/o-tratado-sobre-tolerancia-de-voltaire.html

Aécio tem 72 horas para prestar esclarecimentos ao TSE

Área técnica do tribunal encontrou erros na prestação de contas da campanha do tucano à Presidência, em 2014


O Tribunal Superior Eleitoral solicitou que o senador e candidato derrotado à Presidência, Aécio Neves (PSDB), preste esclarecimentos em até 72 horas sobre indícios de irregularidades na prestação de contas da campanha presidencial de 2014.

O despacho, assinado pela relatora do processo, a ministra Maria Thereza Moura, não detalha quais são as irregularidades, mas informa que os erros foram apontados pela área técnica do tribunal.

As informações financeiras da campanha do tucano ainda não foram julgadas pelo plenário do TSE. Em dezembro do ano passado, o Partido dos Trabalhadores denunciou ao tribunal ilegalidades na relação da campanha com empresas prestadoras de serviços.

O principal indício apontado pelo PT no requerimento foi que 28 dessas empresas foram criadas somente em 2014. Além disso, apenas 21% das notas fiscais das pessoas jurídicas foram juntadas aos autos entregues ao TSE.

Faltaram, ainda de acordo com os advogados do PT, documentos obrigatórios, como extratos bancários do período de campanha e o termo de encerramento das contas bancárias.

A prestação de contas também não apresentou o contrato com o fotógrafo da campanha, nem da produção e oferta de conteúdo para celulares, como vídeos para aplicativos.

O PT também apontou que a campanha tucana recebeu doação no valor de R$ 100 mil pela Associação das Indústrias Químicas (Abiquim). A legislação eleitoral proíbe a doação por entidades de classes.

Segundo a ação protocolada no TSE, há evidências de que o valor tenha sido transferido, em 31 de julho, da conta do partido para a campanha de Aécio.

Há ainda suspeita de fraudes e nulidades na emissão de três notas fiscais de gráficas, que teriam sido duplicadas e emitidas fora do prazo eleitoral, no valor total acima de R$ 2,5 milhões.

As notas fiscais não são numeradas, o que dificulta a conferência das informações prestadas pelo comitê financeiro da campanha.

Lava Jato

Levantamento feito pela Agência PT de Notícias mostra que Empresas citadas nas investigações da Operação Lava Jato doaram, ao menos, R$ 35,77 milhões à campanha do tucano. O valor representa 16% das doações apresentadas ao TSE.

O valor refere-se à soma, item por item, das doações declaradas no site do TSE por instituições que integram o cartel denominado “clube das empreiteiras”, responsável pelo esquema de desvios junto a doleiros e ex-diretores da empresa.

Cristina Sena
No Agência PT de Notícias

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Pedaladas e falácias econômias


Eu pergunto sinceramente: deveria ter sido pedido o impeachment do governador Tarso Genro por ter pedalado o pagamento do piso do magistério, estabelecido por lei federal? Eu me pergunto com a mesma sinceridade: deveria ser pedido o impeachment do governador José Ivo Sartori por pedalar o pagamento completo do funcionalismo, descumprindo a Constituição estadual, e por deixar de pagar a parcela da dívida com a União, descumprindo o contrato, embora absurdo, assinado antes?
Eu me pergunto se pedalar não é uma necessidade.
Todos são ciclistas.
Eu me pergunto se não seria o caso de pedir o impeachment de Dilma por bloquear os repasses ao Rio Grande do Sul deixando hospitais sem recursos para recolher dinheiro de juros (por que a União cobra juros dos entes da Federação) a ser enviado a banqueiros estrangeiros. Não é um crime de lesa-pátria? Que tipo de lei um governante pode descumprir?
As pedaladas me fazem pensar numa família condenada porque o pai adiantou o pagamento da comida dos filhos com o dinheiro da empresa familiar. O bloqueio feito pela União me faz pensar numa família em que o pai deixa a filharada sem comida para pagar os juros do cartão de crédito. Claro que sou um ingênuo e não compreendo tanta complexidade.
A crise do governo Dilma tem a ver, em parte, com a corrupção do PT. Outra parte é fruto da crise econômica internacional. O que resta, cada vez mais forte, é pressão da oposição, inconformada com a derrota eleitoral, que tenta transformar o impasse econômico em profundo enrosco político para pegar um atalho e, quem sabe, chegar ao poder antes de 2018. É a política do quanto pior, melhor. As chances de o projeto se realizar, sem ser golpe, dependem das manifestações de rua (o PSDB está incentivando na tevê) e, juridicamente, da rejeição das contas da campanha de Dilma pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A outra hipótese, a das pedaladas fiscais, crime praticado desde Getúlio Vargas, depende do Tribunal de Contas da União, que tem três membros tão enrolados quanto o PT.
Os que apostam na queda disputam o espólio. Michel Temer prefere a destituição pelas pedaladas fiscais. O poder cairia no seu colo. Outro dia, sorrateiramente, aumentou o tamanho da crise e afirmou que o país necessita de alguém que o unifique: ele mesmo. Aécio Neves prefere a queda pela recusa das contas. Assim, Dilma e Temer desabariam juntos e poderia haver nova eleição. Aécio saltaria na frente em relação aos seus concorrentes internos, José Serra e Geraldo Alckmin, que teria de renunciar ao governo de São Paulo. Para Aécio, o melhor é agora. Para Alckmin, ideal é que Dilma sangre até 2018 e Lula seja carneado até lá, de preferência com uma prisão. Para José Serra agora é cedo demais e 2018 certamente será tarde. Os principais interessados na ampliação da crise são o PMDB e o PSDB.
O economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor da Unicamp, em entrevista ao jornal Valor Econômico, garante que o Brasil não sai da crise com o ajuste fiscal de Joaquim Levy e que Dilma erra ao adotar o programa de governo dos tucanos: “Ela certamente capitulou diante de uma enorme pressão, que tem como centro principalmente o mercado financeiro. Claro que essa pressão reduziu-se muito depois dessa virada para a ortodoxia do governo. O problema é que hoje, como aconteceu com os países europeus e aconteceu várias vezes na história, o reforço da austeridade exigido pelos credores da dívida pública com muita frequência acaba piorando a trajetória da dívida pública”. Em outras palavras, não é por aí. O que é preciso fazer?
Há alternativa? Bastos acha que sim e receita: diminuir a meta do ajuste fiscal, taxar grandes fortunas e “reduzir desonerações, mesmo porque a apreciação cambial já melhorou muito a proteção da indústria”. O que mais? “Eventualmente ampliar as tarifas alfandegárias, para ampliar a proteção contra as importações que estão muito grandes. E aí você faz também ajuste fiscal porque hoje elas estão abaixo do que é permitido pela OMC, no caso brasileiro”. Palpitante, não? Dilma está embretada. Perdeu a base. Cedeu aos opositores. Viu seu partido atolar-se na lama. Comprou por certo o que é duvidoso. Aceitou como verdadeiro o discurso do adversário. Enterrou-se. Para ela cair só falta que lhe descubram um crime.
no: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=7469

O Brasil gasta mais dinheiro com o pagamento de juros ou com pagamento do bolsa família? Quantas vezes mais?



O Brasil gasta mais dinheiro com o pagamento de juros ou com pagamento do bolsa família? Com essa pergunta, Fernando Facury Scaff, advogado e professor livre docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), abre seu artigo A DRU, os direitos sociais e o pagamento dos juros da dívida, publicado no último dia 14 de junho no portal Consultor Jurídico.
A pergunta norteia o texto, que noticia o interesse do atual governo em estender até 2023, por meio de Emenda Constitucional, a vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de diversas contribuições sociais, como PIS, Cofins, CIDE, e ampliar a mordida sobre tais contribuições: dos atuais 20% para 30%.

Com lucidez e equilíbrio, Facury Scaff demonstra que tal decisão não é responsabilidade de apenas um mandato presidencial ou partido político, nem exclusividade do Executivo, mas sim de toda a sociedade brasileira que, ao não questionar a destinação das arrecadações federais, nem os constantes desrespeito à Carta Constitucional, acaba legitimando lucros exorbitantes para os segmentos rentistas que absorvem uma fatia cada vez maior do desembolso tributário da população. Confira abaixo o artigo na íntegra ou leia no site do portal Consultor Jurídico.


“Inicio esta coluna com uma pergunta; quero ver se você acerta: O Brasil gasta mais dinheiro com o pagamento de juros ou com pagamento do bolsa família? Quantas vezes mais? A resposta darei ao final do texto.
DRU quer dizer Desvinculação de Receitas da União. Trata-se de uma medida que desatrela da arrecadação grande parte dos recursos públicos que possuem destinação específica. Por exemplo, quando se paga uma a contribuição para o PIS parte dessa arrecadação é utilizada para financiar o seguro desemprego. O mesmo ocorre com o pagamento de outros tributos como o salário educação ou a contribuição denominada Cofins, que tem sua arrecadação destinada ao custeio de diversos direitos sociais.
A DRU faz parte daquelas soluções tipicamente brasileiras, pois transforma em permanente algo que é apresentado como provisório e, sempre que o prazo de sua vigência está por vencer, acaba sendo renovada sob o argumento da crise e da possível ingovernabilidade financeira do país. Pode parecer que se trata de um assunto estratosférico, que não diz respeito ao dia-a-dia de cada um de nós, mas, pelo contrário, afeta diretamente o bolso de todos e acaba por atacar a implementação de diversos direitos sociais em nosso país, afetando aqueles que mais precisam de apoio governamental para o gozo desses direitos.
Se formos olhar com lupa, essa sistemática foi iniciada no governo Itamar Franco, em março de 1994, através da Emenda Constitucional de Revisão número 1, e vigorou durante os exercícios de 1994 e 1995, sob o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Posteriormente, já sob o governo Fernando Henrique Cardoso foi efetuada sua prorrogação através da Emenda Constitucional 10, de 1996, sob o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), o qual foi prorrogado pela Emenda Constitucional 17/97, com vigência até 1999. No ano 2000, ainda sob o governo de FHC, a sistemática foi aperfeiçoada, tendo sido criada a DRU, pela Emenda Constitucional 27/00, a qual vem sendo sucessivamente prorrogada pelas EC 42/03 e EC 56/07, ambas sob o governo Lula, e pela EC 68/11, promulgada durante o governo Dilma, cujo prazo de vigência encerrar-se-á no final de 2015. O Poder Executivo já enviou um Projeto de Emenda Constitucional — PEC para prorrogar a vigência da DRU até 31/12/2023. Ou seja, não se trata de algo em que esteja envolvido apenas o governo atual, do PT, pois foi criado em um governo do PMDB e perdurou durante os dois governos do PSDB. Trata-se de um procedimento que independe de cor partidária e que envolve não só o Poder Executivo, mas também o Legislativo federal, pois tratam-se de Emendas Constitucionais.
Em breve síntese, nossa Constituição foi promulgada em 1988 e já tem quase 27 anos de vigência, dos quais 21 anos transcorreram sob a égide de sete Emendas Constitucionais cujo objetivo foi desvincular recursos públicos de sua finalidade constitucional. Não é à toa que setores do Ministério Público tencionam representar junto à Procuradoria Geral da República visando obter a declaração de inconstitucionalidade da DRU.
O que a DRU desvincula? Cada qual dessas Emendas possui peculiaridades que não vem ao caso mencionar neste artigo, pois incluem ou excluem receitas/tributos a cada edição e se referem a um período de tempo específico. Foquemos na proposta encaminhada à Câmara dos Deputados, a PEC 87/15, que pretende prorrogar a DRU até 2023, ou seja, por mais oito anos, e que, se aprovada, representará 29 anos de desvinculação.
Pretende o Poder Executivo que sejam desvinculados 30% (até este ano são apenas 20%): de todas as contribuições sociais e econômicas, o que inclui o PIS, a Cofins e a CIDE, embora exclua o salário educação e as contribuições previdenciárias; de todas as taxas cobradas pela União; da parcela da União relativamente aos royalties pela exploração de recursos hídricos (CFURH) e pela exploração de minérios (CFEM). Os royalties do petróleo estão excluídos da desvinculação. E a parcela de Imposto sobre a Renda e IPI destinada aos Fundos Constitucionais do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro Oeste (FCO).
Isso representa a diminuição de recursos para vários programas sociais, como o de seguro desemprego e de abono salarial que são custeados por receitas do PIS na forma do artigo 239 da Constituição. Por outro lado, por força do artigo 1º da Lei Complementar 70/91, as receitas da Cofins serão “destinadas exclusivamente às despesas com atividades fins das áreas de saúde, previdência e assistência social”, o que não será cumprido, pois, por força da nova DRU, 30% desses valores serão desvinculados dessas finalidades.
Desse modo, vários direitos sociais serão afetados, pois as receitas a eles destinados serão desvinculadas — isso quer dizer, utilizadas em outra finalidade que não aquela legalmente instituída. E como são direitos sociais, caracterizados como direitos eminentemente prestacionais, cortar 30% de sua fonte de receita equivalerá a cortar igual montante desses direitos — triste e simples assim.
Pode-se dizer que o valor mínimo estabelecido pela Constituição para as transferências obrigatórias com saúde e educação foram preservados da desvinculação — o que é verdadeiro. Contudo, esse efeito acaba por transformar o que é um piso, em um teto. Assim, o que é um orçamento mínimo social para garantir a execução de políticas públicas, o que já expus em outra coluna se transforma no gasto máximo com saúde e educação. Isso sem falar nas questões envolvendo a qualidade do gasto, como já observaram na ConJur Élida Graziane Pinto e Valdecir Fernandes Pascoal.
Além da questão dos direitos sociais, cortar a destinação de recursos para os Fundos Constitucionais do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro Oeste (FCO), só fará aumentar a recessão econômica, pois os recursos desses Fundos só podem ser utilizados para programas de financiamento do setor produtivo dessas Regiões, por força do artigo 159, I, “c”, da Constituição. Logo, sendo desvinculado 30% desse montante, haverá igual corte no crédito público para o setor privado das regiões menos desenvolvidas de nosso país.
Falta ainda um tópico a ser analisado, de suprema importância para o completo conhecimento do assunto. Para onde vai o dinheiro “desvinculado”? Confesso que fico na tentação de dizer: “o gato comeu…”, mas não é bem assim. O dinheiro vai para cumprir o superávit primário que o país ficou de entregar ao final de cada ano. Traduzindo em palavras mais simples: servirá para pagamento dos juros da dívida pública, o que tentei explicar em outra coluna.
Inicialmente o valor previsto para pagamento dos juros em 2015 seria de 1,13% do PIB brasileiro, algo como R$ 66 bilhões, já tendo sido proposto pelo Senador Romero Jucá a redução desse número para 0,4% do PIB, cerca de R$ 22 bilhões, o que ainda é apenas uma sugestão não encampada pelo Governo. Para 2016 o Governo estima 2,0% do PIB para pagamento de juros, algo como R$ 122 bilhões (para todo o setor público — União, Estados e Municípios e estatais), dos quais 1,65% só para a União (R$ 104 bilhões).
É dessa forma que são restringidos os gastos com direitos sociais e outros objetivos constitucionais que possuem receitas vinculadas, para que sobre dinheiro para o pagamento de juros. Ou, como disse Bercovici e Massonetto¹, é a blindagem da Constituição Financeira e a agonia da Constituição Econômica.
Chegando ao final do texto, é necessário responder à pergunta formulada em seu início, qual seja: O Brasil gasta mais dinheiro com o pagamento dejuros ou com pagamento do bolsa família? Quantas vezes mais?
Pois bem, vamos ver se você acertou. Os dados a seguir expostos foram compilados pela mestranda Isabela Morbach e advêm dos Relatórios de Execução Orçamentária da União de cada ano.
O governo gastou com Bolsa Família os seguintes valores: em 2010, R$ 14 bilhões; em 2011, R$ 17 bilhões; em 2012, R$ 20 bilhões; em 2013, R$ 25 bilhões; e em 2014, R$ 27 bilhões. O que corresponde nesses cinco anos a R$ 103 bilhões e dá uma média de pouco mais de R$ 20 bilhões por ano.
E o governo gastou com o pagamento de juros os seguintes valores: em 2010, R$ 122 bilhões; em 2011, R$ 131 bilhões; em 2012, R$ 135 bilhões; em 2013, R$ 142 bilhões; e em 2014, R$ 170 bilhões. Isso corresponde nesses cinco anos a R$ 700 bilhões e dá uma média anual de 140 bilhões por ano. Observe-se que se trata apenas dos juros pagos, sem contar as amortizações do principal e as renegociações da dívida.
Fazendo uma relação entre os dois tipos de gastos, o montante desembolsado com Bolsa Família é de apenas 15% do que foi gasto com o pagamento de juros no período referido. O que foi gasto com Bolsa Família em cinco anos (R$ 103 bilhões) é inferior ao que foi gasto com o pagamento de juros em apenas um ano, considerada a média (R$ 140 bilhões).
Acertou a resposta?
Desconheço quantas pessoas são beneficiadas com os R$ 151,00 mensais do Bolsa Família, bem como desconheço quantas pessoas são beneficiadas recebendo os juros mais altos do mundo, hoje chegando a 14% ao ano, mas tudo isso me parece a vitória dos rentistas sobre os sem-renda; da minoria da população sobre a maioria; da perseverança da desigualdade contra um país mais igual. Restringem-se os direitos sociais em prol do pagamento dos juros da dívida.
O que fazer?
Na Grécia, em situação completamente diferente e que não serve de paradigma para o Brasil, foi realizado um plebiscito.
Como a dívida brasileira atual é predominantemente interna, isto é contratada no Brasil e expressa em moeda nacional, não se pode nem mesmo arguir o artigo 26 do ADCT/CF-88 que preconizava ser realizado um “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”, o que acabou por se tornar letra morta.
Outra alternativa é alterar a meta de superávit fiscal, mas isso acarretará o risco de impeachment, como ocorreu especificamente no apagar das luzes de 2014 e comentei na última coluna daquele ano.
Enfim, espera-se que os leitores, com seu brilho habitual, encaminhem ideias para que possamos vencer o impasse colocado entre a ampliação dos direitos sociais e a ampliação do pagamento de juros, via DRU. Aceitam-se sugestões.”
1: Gilberto Bercovici e Fernando Massonetto. A Constituição Dirigente Invertida: A blindagem da Constituição Financeira e a Agonia da Constituição Econômica. (Boletim de Ciências Econômicas XLIX, págs. 2/23. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2006.
vi no: http://forumzn.blogspot.com.br/2015/08/o-brasil-gasta-mais-dinheiro-com-o.html