quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Dentro do capitalismo não há saída: “O que ocorreu na Grécia demonstra que outro capitalismo é impossível”

 Ángeles Maestro


“Há algum tempo que a Red Roja vem formulando a questão: romper com a extorsão da Dívida tem carácter de linha de demarcação. Clarifica perante o povo o eixo político principal que neste momento sustenta toda engrenagem do poder e do qual este não pode prescindir. Nesse sentido, Não pagar a Dívida equivale à exigência de Paz, Pão e Terra dos bolcheviques.”

Insurgente entrevista Ángeles Maestro, militante de Red Roja, Espanha.

¿O que ocorreu na Grécia é um golpe duro para os que defendem o “Sim é possível” dentro do marco capitalista?

É uma demostração mais de que outro capitalismo é impossível [1]. Dentro da estrutura de poder e das relações sociais capitalistas não há qualquer espaço, não já para recuperar o perdido e regressar Estado de Bem-estar como defendem tanto Podemos, como IU e seus satélites de “Ahora en común”, mas nem sequer para deter os intermináveis apertos de garrote em direcção ao abismo, como ficou demonstrado na Grécia.

O pagamento da Dívida, como sucedeu na América Latina, África e Asia, é o mecanismo de extorsão por excelência para impor aos governos as políticas que as classes dominantes requerem; máxime em uma situação de profunda crise geral do capitalismo sem saída previsível.

Sem assumir a anulação unilateral do pagamento da Dívida e a consequente saída do Euro e da UE, não há outra opção senão o espectáculo lamentável do Syriza: ajoelhar perante as imposições ilimitadas da troika e levar o país ao descalabro garantido.

A Red Roja vem a dizê-lo desde há dois anos: o pagamento da Dívida é o fim de qualquer soberania e dos direitos sociais e laborais [2]. Não é que tivéssemos uma bola de cristal que nos permitisse saber o que finalmente veio a suceder na Grécia, simplesmente fizemos análises rigorosas sem os antolhos do oportunismo eleitoralista.
 
¿Por que fracassa o reformismo “bem-intencionado” de Syriza?

Em primeiro lugar, como já disse, porque propõe políticas impossíveis. O reformismo é um delírio de ilusões que muita gente aceita - contra toda a evidência – porque é mais cómodo e menos perigoso conseguir o que se necessita introduzindo um voto numa urna e sem tocar nos interesses das classes dominantes….se isso fosse possível.

Que pessoas mais ou menos ignorantes acreditem nisso não é estranho. A vigarice vem dos que proclamam opções irrealizáveis sabendo que o são. O critério mínimo imprescindível de legitimidade deveria ser dizer a verdade ao povo. E tanto IU, como Podemos, como qualquer das novas coligações sabem-no e calam.

Em segundo lugar, Tsipras, em nome de Syriza, levou à prática pela enésima vez a função histórica da social-democracia. Em momentos cruciais, de grande debilidade das classes dominantes, trai o povo trabalhador - cujos interesses devia representar - para assegurar o poder da burguesia. Os exemplos são inumeráveis; desde a votação dos orçamentos de guerra na Alemanha em 1914 até à sua participação directa no assassínio de Rosa Luxemburg e de Karl Liebnecht em 1918, ao papel de Kerenski desde Março a Outubro de 1917 ou ao do PSOE e do PCE na Transição.

O que Tsipras fez é o que eu vi na direcção de IU sucessivas vezes. Enquanto não há pressões, mantém-se a coerência; mas quando o poder exerce a sua capacidade de chantagem e de ameaça – quando de verdade há que demonstrar onde se está, engole-se o que for preciso. O “politicamente correcto” impõe-se a velocidade vertiginosa, ou seja, impõe-se o que as classes dominantes exigem.

E não é só IU, obviamente [3].

A questão é que o dilema “reforma ou revolução”, que em outras épocas poderia ser apenas um debate mais ou menos interessante, hoje é crucial. E o problema de fundo, que hoje como em outros períodos históricos de crise delimita campos irreconciliáveis, é se se  “vende” (nunca a palavra foi melhor utilizada) perante o povo la ideia de que a democracia burguesa permite opções políticas que questionem o direito à propriedade privada dos meios de produção, ou se prepara o povo para enfrentar esse poder.

E quem não fale disso, como fez o Syriza de Tsipras, ou como fazem Podemos ou IU, o que prepara é a encenação da próxima traição.
 
¿O que sucedeu confirma o que os comunistas gregos do KKE vinham afirmando?

No fundamental, sim.

Ante o grande sobressalto que foi a convocatória do Referendo – e os ataques da UE ao governo de Syriza por ter chamado o povo a opinar – era difícil entender que o KKE apelasse ao voto nulo. Poucos se detiveram a analisar o conteúdo concreto da pergunta, que em nenhum momento questionava a participação da Grécia na Eurozona e na UE. Enquanto o povo construía o seu grande NÃO, Tsipras tirava o coelho da cartola e dizia que o inquestionável era a permanência da Grécia no Euro e na UE, custasse o que custasse.

As lágrimas de crocodilo ante a brutal imposição da troika não valem. ¿Acaso não sabiam os Syrizas dali e daqui quem tinham pela frente? ¿Acreditavam que era um confronto entre democratas e não uma extorsão de criminosos? É inaceitável alegar ignorância, depois de todos os ensinamentos da história, quando do que se trata é de  justificar uma descomunal cobardia e um crime contra o povo.

É evidente que o KKE tinha razão. Muitos analistas, James Petras entre eles, o reconheceram. Não seria aceitável que em momentos tão críticos como os actuais, prevalecesse – pelo menos entre as pessoas de boa-fé - um anticomunismo primário face à evidente necessidade de unir forças de esquerda frente a uma calamidade como a que a classe operária e o povo grego enfrentam.

O que sucede na Grécia é um grande laboratório, tanto para o capital, como para o resto dos povos da Europa. O Syriza é uma experiência arrumada. Após ela está a erguer-se a grande confrontação que delimitará os campos no futuro e que não oferecerá muitas opções.

Uma das mais importantes para a classe operária e para todos os povos do sul da Europa é confluir, coordenar políticas e apresentar alternativas políticas, económicas e sociais convergentes capazes de enfrentar o inimigo comum.
 
¿Que outra saída tinha o povo grego após o referendo?

A única possibilidade de evitar o que sucedeu era ter deposto o Syriza com  a luta operária e popular. Obviamente, não estavam ainda reunidas as condições.

O único caminho sério que se abre é o da resistência face a todas e cada uma das medidas que a aliança de Syriza com os partidos da burguesia pretenda impor ao povo trabalhador grego e que acentuarão o empobrecimento massivo em que já vive. É preciso fortalecer o poder da classe operária e construir uma alternativa ao Syriza a partir da esquerda, que inevitavelmente terá como pilar o Partido Comunista e como programa suspender o pagamento da Dívida, nacionalizar a banca e as grandes empresas monopolistas e sair do Euro e da UE.

Essa única opção de futuro a partir da esquerda deve construir-se também no resto dos países da UE, mas sobretudo nos do sul. Como o vêm dizendo muitas vozes, é preciso aproveitar as contradições internas no seio da UE e entre Alemanha e EUA, mas sobretudo definir um rumo claro e firme.

A Red Roja tem-no formulado há algum tempo: romper com a extorsão da Dívida tem carácter de linha de demarcação. Clarifica perante o povo o eixo político principal que neste momento sustenta toda engrenagem do poder e do qual este não pode prescindir. Nesse sentido, Não pagar a Dívida equivale à exigência de Paz, Pão e Terra dos bolcheviques.
 
Transpondo o sucedido para Espanha recordemos que IU, Podemos e inclusivamente Amaiur foram a Atenas apoiar o Syriza nas eleições….

O panorama com que os novos governos eleitos se depararam após as eleições é pavoroso. Onze Comunidades Autónomas (CC.AA.) estão a incumprir os objectivos de défice e de dívida. E a ameaça de intervenção nelas e em centenas de ayuntamientos está sobre a mesa. Por exemplo no País Valenciá, onde já se fala abertamente de Valenexit, o novo Consell encontrou-se ante “uma Generalitat Valenciana sob intervenção de facto, que antes de ser concretizada já correspondia a todos os parâmetros que deveriam ter conduzido à intervenção de jure que a Europa pode exigir a qualquer momento”[4]. O curioso é que não só ninguém fala de não pagara Dívida, como na passada reunião do Conselho de Política Fiscal e Financeira a única coisa que as autonomias não governadas pelo PP questionaram foram os números concretos propostos por Montoro relativos à diminuição do défice e à % de redução da dívida, não a necessidade de reduzir ambos os indicadores.

O que surpreende nesse espesso muro de silêncio dos novos governos de esquerdas. Se não se está a explicar ao povo que têm as mãos atadas se aceitam os objectivos do Tratado de Estabilidade da Zona Euro e das leis que aqui o aplicam, como a Lei 2/2012, é porque não se colocam outro horizonte senão acatar esse quadro normativo. Por outras palavras, desempenhar o mesmo papel de esbirro que Tsipras está desempenhando.
 
¿Como resolver a dicotomia reforma/revolução neste momento, neste país?

 O esgotamento, a inutilidade das opções reformistas, vai verificar-se a curto prazo. Rajoy mente como um miserável, mas também enganam aqueles que ocultam que após as eleições gerais – a mesma troika, os mesmos “homens de negro” da Grécia vão exigir novas contra-reformas laborais e das pensões, mais privatizações e maiores reduções da despesa pública. E vão fazê-lo, como na Grécia, com mais ferocidade se há um governo de “esquerdas”, precisamente para demonstrar que não há qualquer esperança de soberania e de democracia, que apenas resta baixar a cabeça para encaixar a canga.

A esperança depositada nas eleições gerais vai estalar como uma bola de sabão. Muito rapidamente. Por isso o trabalho obscuro de organização a partir de cada bairro, de cada povoação, as explicações pacientes acerca da necessidade de se preparar para o que se avizinha e de não confiar em ilusões sem fundamento algum.

Para o caso de ainda existir alguma dúvida acerca da vacuidade abismal dos discursos dos novos “referentes”, leia-se o artigo de Pablo Iglesias que tem um título tão sugestivo como “Podemos: Uma nova Transição”[5]. Se não estivessem a brincar com as vidas de tanta gente, poderia falar-se de uma antologia do absurdo.
 
¿Como se encontra de saúde a esquerda não reformista?

A confirmação da justeza das análises – tendo como último exemplo o que sucedeu na Grécia com Syriza – é muito importante. Tanto como o silêncio actual dos que se acotovelavam em Atenas para aparecer ao lado de Tsipras.

A realidade é teimosa e impõe-se sobre o nevoeiro dos sonhos ou dos delírios. 

Por muito sugestivos que sejam. E o povo vê-a.

A construção da ponte entre o descrédito das falsas ilusões – que como na Grécia pode ser rápido e brutal – exige confluências que partam do trabalho ombro a ombro com aqueles que mais estão compreendendo a necessidade de organização e de luta: os sectores mais explorados do movimento operário e os bairros populares.

A esquerda revolucionaria é a única capaz de oferecer uma alternativa ao beco sem saída das novas miragens eleitorais. Com a condição de que saiba estar bem próxima do povo trabalhador, para que a sua mensagem seja escutada quando se veja que “o rei vai nu”.

Esse trabalho de explicação paciente, que desespera alguns impacientes, é o único fecundo. Como dizia Red Roja no seu último Comunicado [6], “a ambiguidade apenas serve para a desmoralização e a derrota. Está a confirmar-se que é muito menos útil do que falar claro e que nos faz perder um tempo precioso. A vitória só poderá decorrer da conjugação de uma linha revolucionaria com a máxima solidariedade internacionalista. E há que prepará-la desde já. ¿Acaso Ítaca não é tanto aquela ilha “longínqua” como o objectivo de lá chegar?”


[1] http://redroja.net/index.php/comunicados/831-el-mito-de-la-vuelta-al-estado-del-bienestar-otro-capitalismo-es-imposible

[2] http://redroja.net/in dex.php/noticias-red-roja/noticias-cercanas/1910-informe-de-red-roja-sobre-la-ley-organica-22012-el-final-de-cualquier-soberania-y-el-arma-de-destruccion-masiva-de-los-servicios-publicos

[3]  No caso da alemã Die Linke (A Esquerda) as pressões recrudesceram face à possibilidade de o seu ascenso eleitoral lhe permitir governar em determinados länder com o SPD, e concretizaram-se na necessidade de eliminar o seu apoio à causa palestina para passar a  apoiar o “direito de Israel a defender-se” e evitar assim ser acusada de “anti-semita”. Num comunicado de 2011 a organização citada afirmava: “Não participaremos em iniciativas sobre o conflito do Médio Oriente que façam apelo à solução de um Estado para Palestina e Israel, ou à implementação de boicotes contra produtos israelitas, ou inclusivamente na Flotilha deste ano para Gaza”. http://redroja.net/index.php/noticias-red-roja/opinion/2789-las-tareas-de-la-izquierda-revolucionaria-ante-podemos-y-otras-opciones-electorales

[4] http://www.annanoticies.com/wp-content/uploads/valenexit2.gif

[5] http://elpais.com/elpais/2015/07/18/opinion/1437241765_050702.html

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