quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

ProUni bate recorde, em 2014. Concedeu mais de 300 mil bolsas de estudo

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O Programa Universidade para Todos (Prouni) ofertou, somente em 2014, 306.726 bolsas, das quais 205,2 mil foram integrais. Após quase 10 anos em vigor, esta é a maior oferta de bolsas por ano contabilizada pelo programa. Criado em janeiro de 2005, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Prouni colocou, naquele ano, 112,2 mil estudantes na graduação.

De acordo com o Ministério da Educação, entre 2005 e 2013, foram 1,2 milhão de estudantes beneficiados. O Prouni é um programa de concessão de bolsas de estudo integrais e parciais para cursos de graduação e formação em instituições de ensino superior privadas. O benefício é concedido pelas faculdades e universidades em troca de incentivos fiscais.

As bolsas são oferecidas a estudantes do ensino médio da rede pública ou da rede particular, desde que também tenham estudado com bolsas. Para participar do programa é preciso ter renda familiar per capita máxima de três salários mínimos mensais.

Dados do Sistema do Prouni (SisProuni) apontam que, entre 2005 e 2013, 69% das bolsas concedidas foram integrais, o correspondente a 873.648 estudantes. Além disso, foram oferecidas mais de 400 mil bolsas parciais neste mesmo período.

Ainda segundo o SisProuni, 52% das vagas no programa foram ocupadas por mulheres. Os brancos representam 46,6% dos bolsistas, seguidos pelos pardos, com 37,3%, e pretos, com 12,5%, de acordo com classificação do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

Além disso, no mesmo período, 10,6 mil professores das redes públicas da educação básica foram beneficiados pelo Prouni.

A modalidade de ensino presencial foi a preferida pelos estudantes e escolhida por 86% deles. O turno noturno é predominante entre os cursos presenciais e representa 74% dos bolsistas. Em seguida, fica o turno matutino, com 19%, o integral, com 4%, e o vespertino, com 3%.

Entre as regiões, os estudantes do Sudeste ocuparam 51% das bolsas e os do Sul, 19%. O Nordeste representa 15% dos beneficiários, o Centro-Oeste, 10%, e o Norte, 6%.

Corrupção na Petrobras: primeiro escândalo foi no governo Sarney


Deflagrada em março deste ano, a Operação Lava Jato da Polícia Federal já conta com sete fases que investigam um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Nesta quinta-feira, o Ministério Público Federal do Paraná ofereceu denúncias contra 36 investigados pela operação, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que os envolvidos no esquema de desvio de recursos da Petrobras “roubaram o orgulho dos brasileiros”. O histórico de investigações de corrupção na empresa remonta a 1988 — o que não significa que antes não houvesse desvios.

Ainda no governo Sarney, o alto escalão da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, foi afastado após denúncias de um esquema envolvendo aplicações financeiras ou contratações bancárias. Depois, no governo Collor, em 1992, apurou-se o aliciamento de funcionários e operação de um sistema de propinas dentro da estatal. Em 1996, o jornalista Paulo Francis acusou a alta cúpula da Petrobras de ter contas na Suíça, e foi processado.

Em entrevista ao Portal, os jornalistas Suely Caldas e Ricardo Boechat, que atuaram diretamente na apuração das primeiras denúncias; e Nelson Hoineff, que reconstitui no documentário Caro Francis o caso de seu amigo Paulo Francis, revisitam estes episódios e avaliam que, se os momentos são diferentes, há pelo menos dois pontos em comum entre eles e as investigações agora em curso: entre os envolvidos estão afilhados de partidos e governantes, e o dinheiro desviado sempre sai dos fundos de pensão das estatais.

O Caso BR

A série de reportagens do Estado de S. Paulo intitulada “O Caso BR”, dos jornalistas Ricardo Boechat, Suely Caldas, Aluizio Maranhão e Luiz Guilhermino, realizada em dezembro de 1988, denunciava um esquema de desvio na Petrobras durante o governo José Sarney, resultando em desfalque de pelo menos US$ 20 milhões nos cofres da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. A investigação rendeu aos repórteres o Prêmio Esso de Reportagem em 1989. A série começou após denúncias do presidente do BNDES contra a BR. Segundo banqueiros, auxiliares ligados ao presidente da empresa, general Alberico Barroso, faziam chantagem para ganhar comissão sobre as transferências da estatal com os bancos. Barroso, indicado pelo presidente Sarney, não fez carreira na empresa e chegou assumindo os cargos mais altos.

   
A jornalista Suely Caldas, professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, lembra que a operação era feita com a diferença de dinheiro da inflação:

— A quadrilha que se instalou na Petrobras era comandada pelo general Barroso. Eles achacavam os bancos e faziam duplicatas dos postos de gasolina da BR Distribuidora para descontar numa rede de bancos, entre eles o Rural (o banco esteve envolvido em outros escândalos de desvios de dinheiro, como no esquema PC Farias, no governo Collor, e no Mensalão do PT. Ex-presidente do banco, Katia Rabello foi presa justamente por envolvimento no Mensalão). Diziam para depositar na conta da Petrobras dez dias depois, pois a inflação era muito alta, e ganhavam por fora. Na época, se o dinheiro valia dez cruzados num dia, daqui a dez dias valia 70. Essa diferença de dinheiro era dividida entre os funcionários do esquema do general e os banqueiros. Os auxiliares de Barroso utilizavam bancos pequenos para retirar a parte desviada.

Em junho de 1988, a BR estabeleceu critérios mais rígidos para as tranferências, e a aprovação de novas contas passou a depender de autorização da diretoria da empresa. Esse documento foi ignorado quando Geraldo Nóbrega, diretor financeiro da Petrobras, assumiu como vice-presidente da estatal, em setembro. Após a denúncia, o Conselho Administrativo da Petrobras sugeriu a demissão de Barroso e Nóbrega, que foi acatada.

Durante as investigações internas na Petrobras, o nome de Eid Mansur foi citado pelos banqueiros como o principal intermediário. Barroso, Nóbrega e Geraldo Magela, chefe de gabinete de Barroso, negavam conhecer Mansur.

Após a conclusão das investigações, a sindicância da BR divulgou um relatório especificando as ações dos funcionários e estimando em US$ 4 milhões o desvio dos cofres da estatal. No mesmo dia em que o documento foi divulgado, os três acusados prestaram depoimento. Todos negaram conhecer Eid Mansur, mas se contradisseram em vários pontos. Após o fim do depoimento, Barroso admitiu ser próximo de Magela — o presidente da BR morava em uma casa que pertencia ao auxiliar —, mas ressaltando que achava que ele parecia ser “uma pessoa correta”. E afirmou que não iria entregar o cargo.

Até que Suely obteve um vídeo em que os quatro aparecem tomando champanhe juntos:

— O presidente Sarney continuava a defender o general. Mas a imprensa toda estava investigando Barroso. Um dia estava na redação e me ligou uma fonte da BR Distribuidora dizendo: “Suely, eu vi o depoimento em que o general Alberico Barroso declarou não conhecer Edir Mansur. Tenho um vídeo aqui em que aparecem ele, os dois comparsas e o Edir Mansur tomando champanhe numa festa da BR”. Fui até lá com um fotógrafo e tiramos fotos do vídeo. Publicamos no jornal, e isso desmoralizou o general. Era uma prova de que ele mentira. Sarney não teve como sustentá-lo na direção da BR Distribuidora. Barroso saiu, mas dizendo que se demitiu. Foi presidir a Petrofértil.

No dia seguinte ao da divulgação das imagens, a Polícia Federal abriu investigações para apurar o caso. Com a demissão de Nóbrega e o afastamento de Magela, pedidos anteriormente pela Comissão Administrativa da estatal, o presidente da Petrobras, Armando Guedes, afirmou que com tais medidas administrativas o caso poderia estar fechado.

As investigações se estenderam por meses, até que no dia 14 de março de 1989 o juiz da 26ª Vara Criminal do Rio, Edson Vasconcelos, decretou a exclusão do general Barroso e de Geraldo Nóbrega do inquérito do caso BR.

  
Parceiro de Suely na apuração, Ricardo Boechat é categórico: aqueles não foram os primeiros indícios de irregularidades e desvios de verbas da empresa: “Certamente já se pilhava a Petrobras há muito tempo, e em muitos outros setores”. Para ele, não há comparação entre este caso — “de dimensão infantil diante dos atuais” — e o atual:

— A única coisa que liga os dois esquemas é a retaguarda politica de ambos. Os envolvidos, então e agora, eram afilhados de partidos e governantes. Ou seja: o elo que amarra as bandalheiras contra a estatal (e outras) é a apropriação do Estado brasileiro pelas máfias político-partidárias. Isso sempre existiu. Espero que, desta vez, ao menos, os culpados sejam condenados. Parece pouco, mas olhar para o passado é enxergar uma loooonga sequência de impunidades.

O Esquema PP

Em março de 1992, outra série de reportagens do jornal Estado de S. Paulo denunciou um novo caso de corrupção envolvendo a estatal brasileira. O episódio ficou conhecido como “esquema PP”, referência ao então ministro de Assuntos Estratégicos, Pedro Paulo Leoni Ramos, acusado de operar um sistema de cobrança de propinas na Petrobras e em fundos de pensão de estatais. As reportagens lançaram pela primeira vez suspeitas de corrupção dentro do governo do presidente Fernando Collor de Mello, envolvendo os fundos e a exportação e a importação de combustíveis.

A série foi produzida novamente por Suely Caldas e Aluizio Maranhão e, que tiveram como fonte off the record (que fala sem se identificar) o presidente da Petrobras na época, Luiz Octávio da Motta Veiga. Ele declarou aos repórteres que Collor tentava montar um esquema de corrupção. “Por não aceitar participar, se declarou com os dias contados dentro da empresa, o que de fato aconteceu”, lembra Suely.

Com Motta Veiga fora, Collor pôs Ernesto Weber na presidência da Petrobras. “Aí começaram a rolar as coisas: Collor inaugurou o aliciamento de funcionários”. De acordo com a apuração da jornalista, o advogado João Alves, que tinha um escritório na Avenida Rio Branco, chamava funcionários da Petrobras e dizia a eles: “Precisamos da sua ajuda. Você será promovido a um cargo de diretoria ou superintendência se viabilizar alguns processos. Caso não colabore, será rebaixado e, talvez, congelado na empresa”. Alguns aceitavam, outros não.

— Os que não aceitavam me procuraram. Tive um primeiro encontro com esse grupo de seis funcionários de carreira da Petrobras. Alugamos uma sala em um clube no Centro da cidade e nos encontrávamos. Basicamente existiam três empresas, cujas sedes eram na torre do shopping Rio Sul, que pertenciam a um compadre do Pedro Paulo Leoni Ramos — conta Suely, que resume: — Esse papo de compadrio sempre dá em crime.

As empresas passaram a intermediar milionárias operações de exportação e importação para a Petrobras, como uma compra de derivados de petróleo da Argentina com preço superfaturado. Elas eram desconhecidas pelo mercado e pelos fornecedores e, no entanto, surgiram como as principais negociadoras da maior empresa da América Latina. Como a Petrobras deveria negociar apenas com empresas de renome e confiáveis, para não serem descobertas, elas passaram a operar.

Suely lembra que, nesta época, não parava de receber denúncias anônimas, o que tornava a apuração ainda mais delicada:

— Até que um funcionário de uma empresa estatal de portos me procurou dizendo que o esquema tinha chegado aos fundos de pensão e, não só a esse, mas ao da Vale, do Banco do Brasil, da Petrobras e dos Correios. Onde é que o Estado tem dinheiro no Brasil? Nas estatais e nos fundos de pensão das próprias estatais, cujos funcionários depositaram a vida toda para ter uma pensão na velhice, e estavam sendo roubados. Aí se estendeu a investigação aos fundos de pensão. É onde tem o dinheiro. Foi assim com Sarney, com Pedro Paulo, e está sendo agora com o PT.

Para investigar tais irregularidades, foi instaurada uma CPI no Senado. O inquérito da Polícia Federal e o processo na Justiça valeram a Suely Caldas dois depoimentos e duas acareações: com Pedro Paulo Leoni e como advogado João Alves, responsável pelo aliciamento de funcionários.

— Lá fui eu. A primeira a depor. Tinha uma tropa de choque do Collor para tentar me fazer cair em contradição — conta ela, lembrando que a Comissão de Valores Mobiliários comprovou os desvios em vários fundos, e Collor foi obrigado a afastar Pedro Paulo do governo, além de mudar outros ministros.

Mais que isso, as reportagens do Esquema PP foram o estopim para as investigações de corrupção no governo Collor, que levaram ao impeachment:

— Na realidade, tudo era um esquema único, e o mandante era o ex-presidente Fernando Collor. Comecei a publicar a matéria em março, e quando chegou junho já havia CPI do Collor, havia o movimento de impeachment e os caras-pintadas.

Caso Paulo Francis

   
Em uma polêmica edição do programa Manhattan Connection, do canal GNT, em 1996, o jornalista Paulo Francis acusou a diretoria da Petrobras de fazer parte de um esquema de desvio de recursos, mantendo contas em paraísos fiscais. A alta cúpula da companhia o processou por calúnia na Justiça americana, uma vez que Francis morava em Nova York, numa ação em que cobrava US$ 100 milhões.

O processo começou em outubro de 1996. O alto valor do processo não intimidou o jornalista, que voltou a repetir as acusações no programa. Apesar de muitos o interpelarem para retirar as acusações contra Francis, inclusive o presidente da República na época, Fernando Henrique Cardoso, o presidente da Petrobras, Joel Rennó, só retirou o processo em fevereiro de 1997, mês em que o jornalista, morreu, de infarto.

O jornalista e cineasta Nelson Hoineff, amigo de Paulo Francis, fez um documentário em 2010 sobre o controverso jornalista opinativo.

— A sensação que fica é que o Francis ficou mesmo muito abalado por esse processo da Petrobras. Ele, que foi o meu melhor amigo durante 20 anos, deixava visível claramente em algumas atitudes o impacto desse processo.

No filme, muitos dos entrevistados, também próximos a Francis, afirmam que o processo pode ter abalado a saúde do jornalista.

Conservador liberal, Paulo Francis era polêmico e pregava a inoperância das estatais brasileiras. Apesar de sua linha pensamento conhecida, a denúncia contra a Petrobras foi surpreendente, pois a empresa na época já era a maior da América Latina. A fonte da informação sobre os desvios para paraísos fiscais foi um advogado, de acordo com o que Francis afirmou à época. Hoineff acredita que o teor das denúncias de Francis não se compara com os atuais:

   
— Aquilo não era o esquema atual, porque hoje existe uma estrutura de perpetuação de poder. Aquele momento ainda era do PSDB, portanto não havia essas nomeações da diretoria com o propósito de roubar dinheiro da empresa para botar no partido. Não havia isso. Mas já havia a corrupção, mas ninguém ousava pensar nisso, e o Francis dizia isso abertamente no ar. Francis tinha a qualidade que eu mais admiro em um jornalista, e que eu tento seguir muito, que é a coragem.

A Petrobras está sendo processada atualmente nos Estados Unidos, por acionistas que acusam a empresa de divulgar informações falsas e prejudicar investidores. A ação cita “esquema multibilionário de corrupção” na estatal”.

Davi Raposo e Paula Laureano
No DCS-PUC-Rio
via: http://www.contextolivre.com.br/2014/12/corrupcao-na-petrobras-primeiro.html

A concentração da mídia e a fragilidade da nossa democracia


A predominância do sistema privado comercial na comunicação eletrônica brasileira, fortalecido pelo sistema de concessão sem regulação e concentrado na mão de uma meia dúzia de famílias, privatiza o direito de liberdade de expressão, tornando homogêneo o processo de formação da opinião subordinado a um projeto liberal conservador.

No que se refere à política, a falta de pluralidade de opinião nos meios de comunicação vem historicamente comprometendo a nossa democracia. O oligopólio da mídia apoiou o golpe militar de 1964, convivendo pacificamente com a ditadura, fez oposição sistemática a todos governos populares, sempre tentou criminalizar os movimentos sociais progressistas. O oligopólio midiático é um grande defensor das políticas neoliberais. Na campanha realizada este ano, na qual houve um grande acirramento da luta de classes na polarização da disputa presidencial, foi evidenciada uma das coberturas mais sórdidas da história, com o oligopólio midiático sempre defendendo o projeto que representa o projeto das elites conservadoras deste país.

A participação golpista dos oligopólios dominantes nos meios de comunicação no processo eleitoral de 2014 coloca novamente o tema da comunicação no centro do debate da nossa democracia. O processo de concentração dos meios de comunicação é um dos mais concentrados do mundo e seu marco regulatório, além de anacrônico, não regulamenta artigos fundamentais da Constituição de 1988, como a proibição da formação de monopólios, oligopólio e da propriedade cruzada dos meios de comunicação. E utiliza todo o seu poder para promover como atentado a liberdade de expressão qualquer tentativa de discutir a sua regulamentação e inclusive de dispositivos constitucionais que visam impedir a concentração.

Considerando a grande influência que os meios de comunicação têm na formação da opinião pública e, consequentemente, na cultura, na economia e principalmente na política, a sua concentração na mão de poucos inviabiliza o desenvolvimento e o exercício da nossa democracia. Portanto, é um grande desafio para o segundo governo o da Presidenta Dilma recolocar o debate sobre este tema, já que requer uma ampla discussão na sociedade iniciada institucionalmente pela 1ª CONFECON. Sendo assim, necessitamos dar continuidade a fim de garantir a construção de um marco regulatório. Ele deve dispor de mecanismos transparentes e democráticos para o processo de concessão e renovação de outorgas, além de uma política que garanta a complementariedade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação conforme a Constituição brasileira, que na prática hoje nos submete a uma brutal predominância do sistema privado comercial sem regulação pública.

O novo marco regulatório precisa também dispor de mecanismos que garantam o direito de resposta como forma de não permitir a violação dos direitos humanos. Esse ponto é preponderante no que diz respeito à liberdade de expressão por parte dos meios de comunicação, bem como levar para o sinal aberto de TV a legislação que atualmente garante na TV por assinatura o fomento a produção regional, independente e nacional. É fundamental que os meios de comunicação contemplem em sua programação a diversidade cultural, étnico/racial, bem como não permitam nenhum tipo de preconceito e intolerância e violação dos direitos humanos em sua programação.

Josué Franco Lopes
No RS Urgente, via http://www.contextolivre.com.br/2014/12/a-concentracao-da-midia-e-fragilidade.html

Sobre o Deus que precisamos para atravessarmos o milênio


"O Deus que rogaremos, caso haja futuro, é aquele que exige que respeitemos o mandamento: ou nos salvamos todos ou ninguém se salva. 

Rita Almeida, blog da autora

O interesse que hoje tenho por Deus é mais filosófico do que religioso. Sendo assim, entendo que o conceito que se tem de Deus não é unívoco, ele vem se modificando de acordo com o tempo e as diversas culturas e sociedades. É como se cada tempo e cada sociedade tivesse o Deus (ou os deuses) que precisasse ou desejasse.

Se tomarmos o cristianismo, por exemplo, o Deus do Antigo Testamento era uma espécie de grande líder tirano e cruel, que vigiava e castigava seu povo sempre que lhe conviesse. Suas normas e regras eram rígidas e, muitas vezes, sem qualquer sentido ético, moral ou prático. O único sentido parecia ser deixar bem claro quem era o Todo Poderoso.

Já o Deus do Novo Testamento é um Deus que desceu do seu pedestal e da sua arrogância para se tornar um meio-irmão, um semelhante, que mesmo depois de morto promete ficar entre nós. Esta é exatamente a mensagem final de Jesus na Última Ceia, horas antes de ser crucificado e morto. Mas em algum momento, o Deus do cristianismo que prometeu estar entre nós passou cada vez mais a estar dentro, “habitar o coração do homem”.

Sabemos que o Deus do protestantismo, que nasce no século XV, serviu muito bem à disseminação e ao desenvolvimento do capitalismo. Ao que parece, a noção de um Deus que está dentro de cada um, tem servido muito bem à sociedade capitalista-ocidental em sua versão cada vez mais individualista e narcisista. E o Deus que produzimos neste caldeirão me parece assustador. É uma espécie de Deus-portátil, Deus-de-bolso ou um Deus-I fone; aquele que possui todos os aplicativos, conexões, contatos e arquivos que eu preciso para ser feliz.

O Deus que encontramos na sociedade capitalista-narcisista atual é um Deus que serve cada vez mais para resolver os meus problemas individuais, mesmo os mais egoístas. É um Deus capaz de atender a um pedido meu, mesmo que isso implique em sabotar o pedido de outrem. O Deus do narcisismo me permite agradecer pelo sucesso num concurso, numa seleção de trabalho ou a conquista de uma vaga na faculdade, sem questionar o fato de que isso aconteceu apenas porque alguém foi preterido. Somente o Deus do narcisismo me permite colocar aquele tradicional adesivo no carro: “Foi Deus que me deu”, mesmo quando o digno presente é mais um a poluir o ambiente já a beira do completo caos. O Deus do narcisismo é capaz de me fazer vencedor numa disputa, ainda que do outro lado esteja alguém que fracassou, como se o meu Deus fosse melhor ou mais poderoso que o dele.

Mas que tipo de Deus é este que tolera um pedido de salvação, cuidado ou proteção para apenas eu ou meus familiares e amigos mais próximos? Que tipo de Deus me permite agradecer por ter escapado viva de um acidente em que muitos outros se tornaram vítimas fatais? Que tipo de Deus me autoriza fazer um pedido de mesa farta nas festas de fim de ano, quando a miséria e a fome devasta milhões mundo afora?

O conceito de Deus que vemos hoje é tão narcisista que até quando um desejo meu não é atendido, a explicação é: “porque Deus sabe o que é melhor para mim”.

Enfim, lamentavelmente, o Deus que nos resta atualmente é aquele que atende aos apelos do Eu, o Deus- I fone. É o Deus que promete a tão sonhada felicidade individual. Um Deus que nos demanda louvores, adoração e glorificação, além de uma prova de sua devoção e fé por meio de doação financeira. Somente um Deus narcisista e egocêntrico precisaria deste tipo de devoção ou reconhecimento.

“Meu Deus!” Aí está a exclamação que usamos em nossas orações ou sempre quando o desespero bate e tudo parece perdido. Entretanto, o Deus do indivíduo não será capaz de cumprir sua missão de nos salvar, especialmente porque nosso tempo precisa urgentemente se livrar do individualismo.

No cristianismo é preciso se livrar do Deus que se ocupa das nossas misérias egoístas e individuais e resgatar o “Pai Nosso”, aquele capaz de nos ajudar a reparar as nossas mazelas coletivas. Não aquelas que estão dentro de nós, mas as que estão entre nós; a fome, as injustiças sociais, a degradação do meio ambiente, a falta de água e saneamento básico, as guerras.

É bem provável que não seja possível ou desejável um Deus único para toda a humanidade. A diversidade de culturas e religiões pelo mundo não possibilitaria isso, mas é fundamental e urgente perseguirmos a ética de um Deus para Todos, e não só para todos os seres humanos, mas para todos os seres que habitam este planeta, animados ou não.

Resumindo, se a função de Deus é nos salvar, nos libertar e nos proteger, o Deus do narcisismo, se é que realmente precisamos dele algum dia, não nos serve mais. O Deus que irá permitir à humanidade fazer sua travessia em direção ao próximo milênio precisa ser um outro Deus. Precisamos parar de orar a Deus para curar nossa unha encravada, proteger nossa prole, melhorar nossa vida financeira ou sustentar nosso amor-próprio. Nossas orações (representantes autênticas do nosso desejo) precisam se livrar do narcisismo e do egoísmo e alcançar o campo da alteridade. Caso não modifiquemos nossas orações, o abismo narcísico do EU irá nos engolir em breve.

Sendo assim, o Deus que precisamos ou que deveríamos desejar não é mais o Deus que está dentro, mas o Deus que está entre nós. O Deus que nos une, que nos enlaça, que possibilita o amor, que nos faz irmãos porque habitantes do mesmo planeta. O Deus que precisamos invocar não é o “Meu Deus”. O Deus que nos permitirá sobreviver é o "Nosso Deus", ou o "Pai Nosso" o Deus da alteridade.

O Deus que precisaremos para não sucumbirmos como espécie não poderá ser tolerante com a ideia de salvação individual, seja ela de que tipo for. O Deus que rogaremos, caso haja futuro, é aquele que exige que respeitemos o seguinte mandamento: ou nos salvamos todos ou ninguém se salva."

O Brasil, o "petrolão" e o Triangulo das Bermudas


 

"Nas ultimas semanas, o Brasil tem vivido sob o impacto das notícias da "Operação lava-Jato", que,  em busca de associar ao Mensalão, muitos chamam de Petrolão, esquecendo-se de que, enquanto se eleva esse novo escândalo ao posto de "o maior da história", outros parecem ter se escafedido em um imenso Triangulo das Bermudas, como se tivessem sido reduzidos a pedacinhos pelas lâminas de Freddy Krueger, ou abduzidos por alienígenas. 
Esse é o caso, por exemplo, do "Mensalão do PSDB" - perpetrado, de forma pioneira, com a ajuda do mesmo Marcos Valério, durante o governo do Sr. Eduardo Azeredo, em Minas Gerais. 

Esse é o caso do "Escândalo do Banestado", de desvio de mais de  100 bilhões de reais para o exterior, no qual foram indiciados vários personagens ligados ao governo FHC, incluído o Sr. Ricardo Sérgio de Oliveira, "arrecadador" de recursos de campanhas do PSDB, perpetrado, entre 1996 e 2002, também no Paraná, com a ajuda do mesmíssimo "doleiro" Alberto Youssef,  do atual escândalo da Petrobras.  

Esse parece ser também o caso, do Trensalão  do PSDB de São Paulo, que, apesar de ter tido mais de 600 milhões de reais das empresas envolvidas bloqueados pela justiça no dia  13 de dezembro, parece ter sido coberto por um Manto da Invisibilidade digno de Harry Potter, do ponto de vista de sua repercussão. 

Seria ótimo se - hipocrisias à parte - o problema do Brasil se resumisse apenas a uma briga entre "bonzinhos" e "malvados". 

Está claro que temos aqui, como ocorre em muitíssimos países, bandidos recebendo propinas no desvio de verbas públicas, atuando como "operadores" e facilitadores no trabalho de tráfico de influência, no superfaturamento e na "lavagem" de dinheiro e no envio de recursos para o exterior.  

E também empresários que se acostumaram, com o tempo, a pagar ou a ser extorquidos, a cada obra, a cada licitação, a cada aditivo de contrato, pelos "intermediários" e oportunistas de sempre, e que já sofrem sucessivas paralisações, atrasos e adiamentos nas grandes obras que executam, que ocorrem devido a razões que muitas vezes escondem interesses políticos que nem sempre correspondem aos do próprio país e da população.  
E padecemos, finalmente, ainda, da falta de coordenação e entendimento, entre os Três Poderes da República, em torno dos grandes problemas nacionais. 

Leis, projetos e obras que são essenciais para o futuro do País, não são discutidas previamente entre Executivo, Legislativo e Judiciário, antes de serem encaminhadas para aprovação e execução, o que acaba levando, nos dois primeiros casos, a relações de pressão e contrapressão que acabam descambando no fisiologismo e na chantagem e que afetam, historicamente, a própria governabilidade.     
   
Na contramão do que imagina a maioria das pessoas, com algumas exceções, ao contrário dos corruptos e dos "atravessadores", os homens públicos - incluindo aqueles que trabalham abnegadamente pelo bem comum - estão muito mais preocupados com o poder, para executar suas teses, ideias e projetos, ou apenas exercê-lo, simplesmente , do que com o dinheiro.  

No embate político, ter recursos - que às vezes chegam de origem nem sempre claramente identificada, pelas mãos de "atravessadores" que se oferecem para "ajudar" -  é essencial, para conquistar o poder, na disputa eleitoral, e nele manter-se, depois, ao longo do tempo.  

Esse é o elemento mais importante da equação. Mas ele só começará a ser resolvido se houver uma reforma política que proíba, definitivamente, a doação de dinheiro privado a agremiações políticas e candidatos a cargos eletivos, promova a cassação automática de quem usar Caixa 2 e aumente a fiscalização do uso dos recursos partidários ainda durante o período de campanha.  

Por mais que sejam importantes, e impactantes, as prisões dos corruptos envolvidos no escândalo da Petrobras e a recuperação dos recursos desviados, se não for feita uma reforma política, de fato, elas não impedirão que mais escândalos ocorram, no financiamento de novas campanhas, já nas próximas eleições."

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

COINCIDÊNCIAS ENTRE O AVIÃO MALAIO DERRUBADO NA UCRÂNIA E VENINA DA "GLOBO"




O ponto onde convergem Venina e o MH17 derrubado na Ucrânia

Por J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

"Há uma coisa em comum entre a denúncia norte-americana de que o voo MH17 da Malásia foi derrubado por insurgentes ucranianos ligados a Moscou e a denúncia de Venina de que a presidente da Petrobras, Graça Foster, não deu ouvidos a suas denúncias de irregularidades na empresa: nos dois casos, a campanha maciça da imprensa para validar as denúncias foi sucedida, em poucos dias, do mais estrondoso silêncio. No caso de Venina, só falam agora no assunto os que a ridiculizam, com razão. No caso do MH17, o silêncio é total.

Esses dois casos ilustram muito bem o papel que a “liberdade” de imprensa vem exercendo em nosso tempo. É um instrumento sobretudo de manipulação da opinião pública. Os manipuladores contam com a falta de espírito crítico da sociedade, o que, por sua vez, justifica-se exatamente pela ausência de noticiário imparcial sobre acontecimentos com valor político e estratégico. Sabe-se agora, com certeza, que o MH17 foi derrubado por forças de Kiev. Sabe-se agora que Venina, antes de ser denunciante, foi ela própria denunciada.

A ausência recente na imprensa ocidental de notícias sobre o monstruoso ataque ao MH17, um avião civil derrubado provavelmente por um míssil e por metralhadoras de um caça de Kiev sobre o Leste da Ucrânia, é a maior evidência do esgotamento da estratégia de exaustão de uma versão destinada a cobrir os fatos reais com uma máscara favorável. Eu costumava ouvir de um grande manipulador da imprensa brasileira a observação de que “o importante é a versão, não o fato”. Assim, para “plantar uma versão”, era necessário divulgá-la antes dos fatos.

Putin atribuiu formalmente a Kiev a responsabilidade pelo crime numa reunião com personalidades estrangeiras na Rússia, mas a imprensa ocidental praticamente o ignorou. Uma vez estabelecida a versão, é extremamente difícil retificá-la. Mesmo porque, no caso do MH17, estão envolvidos aspectos técnicos de difícil aferição por internautas. Os internautas, que são hoje a consciência crítica da grande mídia, não têm como penetrar em alguns de seus segredos, exceto numa situação em que interfere o gênio de um Wikileaks.

O desmascaramento de Venina tem sido uma operação relativamente mais fácil. Os internautas se lançaram a investigações próprias, independentes dos grandes jornais e tevês, para descobrir que a moça estava sendo processada pela Petrobras por incompetência ou má fé no acompanhamento de contratos na construção [da refinaria] de "Abreu e Lima"; que tinha feito contratos sem licitação com o então marido ou namorado, algo que nem o jornal "Valor" [da Folha e Globo], nem a TV Globo cuidaram de revelar em suas bombásticas entrevistas na versão original.

Sim, houve uma denúncia de Venina fundamentada. Relacionava-se com contratos superfaturados na área de comunicação, mas em 2008. A denúncia gerou uma comissão de inquérito da qual resultou a comprovação do superfaturamento e a demissão do responsável. Na interpretação de um jornalista da "Globo", isso lhe dava credibilidade para fazer as outras denúncias. Mas quais denúncias? Tudo o que ela disse no "Valor", e repetido na "Globo", eram ilações vagas, inclusive a alegação de que exortara Graça Foster das irregularidades.

Se a "Lava Jato" seguir o curso retilíneo que vem seguindo até aqui, não se admirem se Venina vier a ser condenada por irregularidades na "Abreu e Lima", das quais há indícios fortes no relatório da comissão de inquérito da própria Petrobras sobre o assunto, já entregue ao Ministério Público. Ela disse insistentemente que iria “até o fim”. Estamos aguardando que fim é esse. O fato é que, até mesmo os jornalões e a "Globo", perceberam que deram um tiro na água. Daí seu significativo silêncio. Não é nada diferente do silêncio da imprensa ocidental sobre o avião derrubado no Leste da Ucrânia. E esse é o preço que a gente tem que pagar pelo valor supremo da "liberdade de imprensa", agora felizmente vigiado pelos internautas."


FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB. Publicado no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/o-ponto-onde-convergem-venina-e-o-mh17-derrubado-na-ucrania-por-j-carlos-de-assis).[Título acrescentado por este blog 'democracia&política'].

Curso de Desintoxicação do Ódio Político

Já saiu e está disponível para download gratuito o novo Curso de Desintoxicação do Ódio Político, oferecimento da equipe CBJM a seus alunos.
É um curso teórico-prático. Teórico porque expõe conceitos e princípios relativos à arte da manipulação política, além de fazer uma análise precisa da função da raiva ou do ódio em seus resultados.
E prático porque apresenta técnicas eficientes para conhecer, controlar e, depois, eliminar totalmente os sentimentos agressivos motivados por questões políticas.
Na parte teórica (denominada “explicativa”), nossos alunos terão acesso a revelações inéditas extraídas do ultrassecreto Curso Avançado de Jornalismo Manipulativo.
Na parte prática, conhecerão mais de 20 técnicas de desintoxicação do ódio destinadas a eliminar, em si mesmos, esse efeito colateral indesejável (no caso dos manipuladores) que vem prejudicando sua atividade jornalística.
Aliás, o novo Curso surgiu exatamente da constatação deste problema: além de, corretamente, estimular o ódio nos verdadeiros alvos de sua manipulação política (isto é, os leitores), nossos alunos estavam se contaminando com esse sentimento. Os efeitos psicológicos e sociais da contaminação geraram vários problemas em sua vida pessoal e profissional. Hora de fazer algo a respeito. E nós, cada vez mais preocupados com essa situação imprevista, decidimos agir. O Curso de Desintoxicação do Ódio Político é a nossa resposta.
Um destaque na parte explicativa: a fórmula da manipulação política usada para produzir o ódio na psique dos manipulados. Essa fórmula é responsável pelo chamado “transe manipulativo” (na parte prática, o Curso ensina os nossos alunos a saírem do transe manipulativo criado pela grande mídia nesses últimos anos). O transe manipulativo é o estado no qual nossos leitores pensam sinceramente que estão vivendo num mundo fantasioso (e horrendo), bem diferente do seu mundo real (o cotidiano). Embora a maioria dos brasileiros, na prática, se sinta satisfeita com os caminhos de sua própria vida, vê-se irremediavelmente perdida ao pensar na situação atual do país e no destino trágico que nos espera.
Um destaque na parte prática: a “bala mágica”. Essa técnica praticamente desconhecida pode eliminar o sentimento de ódio em poucos minutos – muitas vezes, para sempre.
Agora, o inevitável legalês, sugerido (isto é, imposto) por nossa equipe jurídica. É bem rápido:
“As técnicas da parte prática deste Curso foram criadas por psicólogos capacitados e visam proporcionar bem-estar emocional a pessoas que se tornaram dependentes da vivência diária de raiva e ódio, por motivos políticos. Apesar disso, não podemos garantir que elas farão somente o bem, em todos os casos, dado que cada sistema psicológico difere bastante dos demais. Aplique as técnicas com critério, parando imediatamente caso sinta ou pressinta qualquer incômodo psicológico além do normal. Não podemos nos responsabilizar pelos possíveis efeitos, caso você continue a aplicar uma técnica nessa situação. Respeite o seu sistema e os seus limites psicológicos.”
Nós de novo. Segundo a nossa experiência pessoal e coletiva, essas técnicas são, sim, infalíveis. Qualquer pessoa normal que as aplicar com zelo conseguirá se livrar dos sentimentos sufocantes de indignação, raiva e ódio, que tanto mal fazem à saúde psíquica e orgânica.
Agora, se você aplicar essas técnicas direitinho e, mesmo assim, continuar sentindo ódio ao menor estímulo proporcionado pela grande mídia ou pelas redes sociais, fazer o quê? Você é um daqueles raros “casos perdidos”, e estará condenado a passar o resto da vida borbulhando em ódio, correndo o risco de sofrer doenças psicossomáticas como úlcera, gastrite, pressão alta e, quem sabe, um infarto (bem feito!), por não conseguir ter o mínimo de autocontrole emocional e de capacidade intelectual.
Mas ao menos tente. Precisamos de cada um dos nossos aliados da grande mídia, em sua capacidade manipulativa máxima, nessa luta derradeira pela mudança do governo central.
Importante
Estamos liberando, de início, a parte explicativa do Curso, com suas 129 páginas. A parte prática será liberada nas próximas semanas, ainda a tempo de permitir a aplicação antes do segundo turno das eleições (e antes das reações definitivas a estas). O hiato é importante para que a base seja bem assimilada por nossos alunos.
Leia com calma, aos poucos, porque esse material, além de secreto, é extremamente elucidativo do tempo presente na grande mídia e na política nacional.
Baixe o novo Curso, gratuitamente, no menu situado ao seu lado direito (arquivo em PDF), em “Download do Curso”.
Um serviço CBJM, a favor do Brasil e da civilização.
https://cbjm.wordpress.com/2014/09/29/curso-de-desintoxicacao-do-odio-politico/

O QUE KATIA ABREU E O FIM DA URSS TÊM A NOS MOSTRAR



Quando Lula assumiu há doze anos, o que se esperava dele era um corte muito bem marcado em diversos dos padrões que sempre nortearam a condução política no Brasil. Um corte em diversos, mas não em todos. Lula que é um grande articulador, coisa reconhecida inclusive pela oposição, soube fazer isso magistralmente e em razão disso, o país deu um salto.

Quem não gosta dele ou do PT, sempre vai dizer que o país só melhorou porque a conjuntura internacional estava propícia, e porque FHC plantou as bases para tanto. Não passam de uns ignorantes políticos, pois não é pelo fato de reconhecer o mérito de alguém, que se está necessariamente tirando o mérito próprio.

Lula sabe, como político competente que é, que não se deve desmontar um castelo já pronto, pra construir outro no lugar. Por isso, corretamente, não acabou com o Plano Real. Aliás, é essa justamente uma das bandeiras mais utilizadas pela escumalha para argumentar que São Fernando Henrique era que estava certo, pois ele criou o Real.

Vírgula, já que basta entrar no site do Banco Central pra ver que o Real foi criado em 1993 no governo Itamar. E FHC naquela época,  não era nem o Ministro da Fazenda.

Mas  como sabemos, não adianta argumentar nem mostrar números. O brasileiro não é conhecido mundialmente pela esperteza política ou pelo bom senso. Se fosse, não toleraria um Aécio como candidato da oposição, com tanta gente boa, competente e capaz disposta e ir para o sacrifício. São coisas da política brasileira, que é e sempre foi, rasteira e mesquinha. Desse mato não sai coelho diferente do que já saiu.

Acontece que de 12 anos pra cá, muita coisa mudou no Brasil e no planeta Terra. A crise econômica iniciada pelos "loiros de olhos azuis" em 2008, se agravou e o que se viu foi uma clara falta de vontade dos governantes europeus e dos Estados Unidos em tomar o caminho pragmático, o caminho certo. Era hora de terem dito "vão-se os anéis, ficam os dedos". Mas não, preferiram optar por continuar exercendo a cartilha da irresponsabilidade financeira, preservando os conglomerados que deram causa à crise, e jogando a conta pras populações pagarem. De repente, uma Europa a menos consumindo, faz bastante diferença para quem exporta commodities como o Brasil. Uma Europa a menos investindo além-mar, já que não tem dinheiro nem pra pagar as próprias contas, faz diferença para um país em crescimento como Brasil. 

De repente também, o planeta ficou dependente das importações de combustíveis de produção, commodities e alimentos que só a China estava requisitando, já que os outros estavam quebrados. O Sistema Solar inteiro dependendo das encomendas da China não sairia barato. Era claro que o mundo todo pagaria o preço de deixar nas costas dos filhos do Grande Timoneiro, a responsabilidade por tudo.

O Brasil não é uma ilha. Sofreu as consequências que qualquer país sofreria. Ainda que aqui, tenham sido muito menores. Claro que essa afirmação não pode vir de alguém da oposição, posto que de bom senso, já deu pra perceber que não vivem. Dilma terminou claudicante seu primeiro mandato, porque esperavam dela, um milagre que não se esperaria de um FHC, por exemplo.

Coisas do nosso eleitorado iletrado, já que assistir ao JN e ler a Veja é bem mais fácil do que se debruçar sobre teorias econômicas aplicadas ou mesmo, diversos canais informativos alternativos, que pululam na internet, ávidos de alguém que os leia.

Nesta toada do início do segundo mandato, a própria esquerda militante, parece perdida. Não entenderam que Dilma foi obrigada a montar um grupo ministerial político, e não técnico, como ela fez em sua primeira volta. 

Nos jornalões da escumalha, dizem que ela está brigando com Lula, tirando seus "olheiros" do Planalto. 

Quem entende um 0,1% de política sabe que não só isso não é verdade, como o caminho é justamente ao contrário. Dilma está montando um ministério lulista, governista, sedento por cargos, por holofotes, manchetes e chances políticas futuras na pele de candidaturas a governador, senador, prefeito. Isso garante apoio no Congresso para a agenda petista. Os anos dilmísticos deram boa demonstração de como é difícil governar sem um Congresso amigo.

A esquerda militante está perplexa feito barata tonta, questionando porque Katia Abreu na Agricultura, nem reparando que Patrus Ananias está no desenvolvimento agrário. Rigorosamente como tem de ser. O desenvolvimento agrário é quem tem que cuidar dos pequenos agricultores, do MST e afins. A Agricultura é quem tem que cuidar do agronegócio. Ou alguém acha que a Europa, a Rússia ou quem quer que seja vai comprar grãos dos agricultores familiares? Óbvio que não. Eles comprarão dos grandes produtores, os que oferecem bons preços e todos os adereços que só o bom e velho capitalismo é capaz de oferecer.

Já a escumalha da direita delirante, está justamente, delirando com tais escolhas, porque para todos os efeitos, isso é uma demonstração de "contradição" de Dilma. A mesma coisa vamos ouvir por séculos ainda, sobre as novas regras previdenciárias de acesso ao Seguro Desemprego e quetais. Rigorosamente nenhum direito foi garfeado. Ao contrário, ao cortar o acesso fácil ao Seguro Desemprego por exemplo, logo no primeiro trabalho, se estimula justamente que o indivíduo faça um esforço para manter-se empregado. Fosse verdade que ela quer penalizar o trabalhador, teria diminuído a multa para a dispensa injustificada, o que facilitaria os patrões a mandarem gente embora. Isso, como se viu, naturalmente não ocorreu.

Lula já identificou que em seu primeiro mandato e menos no segundo, a imprensa o odiava e nele colava todo tipo de bandalheira. Porém, não deixava de dar as notícias boas como o crescimento econômico, o emprego, as conquistas internacionais e do Obama dizendo que ele era o cara.  Já no mandato de Dilma, os jornalões da camarilha, capitaneados por Veja, Folha e JN resolveram simplesmente omitir as notícias. Passou-se a ter a impressão de que nada bom ocorria no país e que estávamos parados. Na contramão, só falavam mal. Só mostravam a corrupção e não o combate a ela. Como a imprensa tradicional é a única fonte de informação de boa parte do eleitorado brasileiro, redundou a clara idéia de que Lula tinha sido um grande presidente. Dilma ao contrário, nunca mostrou a quê veio.

Isso, aliado ao fato de que Dilma tem a sensibilidade e a destreza política de um elefante numa loja de cristais, só poderia resultar no que resultou.

O PT começa seu quarto mandato à frente da República, abalado, totalmente acuado e nas cordas Leva pau todo dia e mesmo assim, distribui zilhões de reais pro imprensalão. Na minha cabeça já dava pra notar há 10 anos que o caminho não devia ser esse.

Dilma cometeu o mesmo erro que Marina nesta seara. O de achar que porque se está "fazendo alguma coisa", o povo automaticamente verá. Não, isso não acontece numa pátria dependente da televisão. As pessoas só verão alguma coisa, se a telinha mostrar. E por telinha, entenda-se Globo, já que ALGUNS outros canais, ainda que muito timidamente, mostram os progressos brasileiros. Marina em seu périplo auto beatificado, achou que a carregariam nos braços, primeiro pra criar seu natimorto partido, já que ela mesma não foi capaz de se esforçar mais pra colher as assinaturas. Depois, pra ser eleita Mandatária. Ela realmente achou que ter chegado tão longe era realmente mérito seu, e não de uma mídia que precisava cavar desesperadamente um segundo turno pra nele, colocar o tucano da vez. 

Mas o mundo é duro. Não tolera as ingenuidades. Nem da Marina, nem da Dilma.

O momento agora era da blogsfera da esquerda se aglutinar novamente mostrando as contradições da direita. Fazendo o papel que a mídia tradicional jamais fará porque pouco se lixa para o Brasil ou para o combate à corrupção. O momento era de, com sabedoria, boas palavras e bastante conhecimento de causa, convencer a população que o caminho escolhido foi o melhor. Ou ao menos, o não tão pior.

Não se deve tentar convencer o tradicional eleitor tucano que ele está errado. Do mesmo modo que o petista de carteirinha não vai mudar de opinião, o tucano também não vai. É preciso mostrar para aquela população excedente, à deriva, desinformada, que ela está melhor representada agora, do que estaria com Aécio. Esse é o eleitor flutuante, que por causa do que ouviu, saiu da base de Lula para ir para a do tucanato. Mas ela volta, se assim for instada.

É preciso entender que política é a arte do possível, e parar de devanear. Não existe mais União Soviética há 23 anos. Os EUA já acabaram com o embargo contra Cuba. O mundo mudou bastante. Não há mais espaço pra, baseados na velha lógica marxista, querer ver o mundo diferente. Marx não estava errado em seus escritos, mas eles são o relato de uma sociedade de 1850 quando só havia exploradores e explorados. Hoje não é mais bem assim. Apesar ainda haver injustiça social, não há que se negar que o capitalismo também trouxe progressos, quando foi bem aplicado. 

Saber reconhecer os erros e acertos de todos os sistemas econômicos é uma vantagem e não uma "traição à causa".
http://anaispoliticos.blogspot.com.br/2014/12/o-que-katia-abreu-e-o-fim-da-urss-tem.html

o comunismo foi declarado morto antes do seu nascimento



No momento em que o capital prossegue sua ofensiva de classe contra os trabalhadores, na Itália os revolucionários encontram-se dispersos por organizações diversas, em torno de revistas e publicações. No entanto, como diz Domênico Losurdo, “o modelo de partido comunista elaborado por Lênin parece-me manter-se válido”. Confira a íntegra da entrevista com o italiano a respeito da contra-revolução em curso na Itália e a exigência social e política da reconstrução do partido comunista naquele país.



O filósofo e historiador comunista trata também, nesta entrevista, da disputa de versões da histórica do século 20, afirmando que “na ideologia que é hoje dominante, a história do comunismo se torna a história do horror”, e constatando, a partir de leituras de diversos historiadores, que “o comunismo foi sempre declarado morto, ao longo de toda a sua história; podemos mesmo dizer que o comunismo foi declarado morto antes mesmo do seu nascimento”.

Como bom historiador marxista, o motivo de retomar a história do comunismo e debater a disputa de versões acerca da história do mundo, e particularmente, do século 20, tem um aspecto absolutamente atual: “estamos perante uma situação que torna urgente o dever de lutar contra o imperialismo e a sua política de agressão e de guerra, e isso faz-nos voltar evidentemente à história do movimento comunista”, defende Losurdo.

A entrevista foi realizada em Urbino (Itália), pela jornalista Sara Mialzzo, da revista comunista italianaL’Ernesto. Domenico Losurdo é professor de história da filosofia na Universidade Carlo Bo, filósofo de renome internacional e presidente da Associação Marx 21. 

Sara Milazzo: Como é que chegamos aqui? O que é que falta? Como construir um dique, uma resistência, um contra-ataque?
Domenico Losurdo: Podemos distinguir dois problemas que acompanham a história da República em toda a sua existência. O primeiro problema é a desproporção entre o norte e o sul: já Togliatti tinha sublinhado que a “questão meridional” é uma questão nacional e estamos hoje em vias de ver como o déficit de solução do subdesenvolvimento do sul corre o risco de pôr em perigo a unidade nacional. 

O outro problema é a injustiça social que se manifesta de forma particularmente gritante no fenômeno da evasão fiscal. É pouco dizer que este flagelo não foi contido de nenhuma forma: pelo contrário, tornou-se mais escandaloso, mais explícito, até ser mesmo encorajado pelo Presidente do Conselho de Ministros [refere-se ao primeiro-ministro, Silvio Berlusconi], que se referiu a ele como uma coisa que pode ser tolerada, no caso em que um indivíduo singular, mesmo que seja o rico capitalista, ache que foi demasiado apertado pela pressão fiscal.
Se é verdade que estes dois problemas acompanham a história da república em toda a duração da sua evolução, nós podemos acrescentar que hoje há problemas novos que fazem pensar em uma verdadeira contra-revolução. Porventura a viragem deu-se em 1991, o ano que assiste ao fim do Partido Comunista Italiano. Este fim tinha sido anunciado por declarações enfáticas: os ex-comunistas declaravam que, acabando com um partido ligado ao desacreditado “socialismo real”, tudo se tornaria mais fácil: libertavam-se do “chumbo na asa”, e a democracia e o Estado social iriam desenvolver-se; em resumo, tudo correria pelo melhor. Na realidade estamos perante uma contra-revolução que certamente não é um exclusivo italiano, porque tem um caráter internacional, mas que se manifesta de modo particularmente virulento no nosso país.

Vejamos quais são os elementos dessa contra-revolução: a república Italiana nascida da Resistência, e marcada pela presença de um partido comunista forte na oposição, nunca se comprometeu diretamente em operações guerreiras; atualmente, pelo contrário, a participação em guerras de caráter claramente colonialista é considerada como uma coisa normal, ou mesmo um dever.

Assiste-se, além disso, a um ataque contra o Estado social e ao seu desmantelamento: toda a gente percebe isso. Pelo contrário, é menos evidente um fato para o qual gostaria de chamar a atenção: o ataque contra o Estado social não é determinado em primeira mão pelas compatibilidades econômicas, pela necessidade da economia, porque falta o dinheiro (entenda-se). Recordemos que um dos patriarcas do neoliberalismo (que chegou a ser coroado com o prêmio Nobel de economia), Friedrich August Von Hayek, declarava, por altura dos anos 70 do século passado, que os direitos socioeconômicos (exatamente os que são protegidos pelo Estado social), eram uma invenção que ele considerava catastrófica: eram resultado da influência exercida pela “revolução marxista russa”. E apelava, pois, para a libertação dessa herança maléfica. Percebe-se assim que, o desaparecimento do desafio que a União Soviética e um campo socialista forte representavam, correspondeu e continua a corresponder cada vez mais ao desmantelamento do Estado social.

Há, por fim, um terceiro aspecto da contra-revolução que não devemos perder de vista. É o verdadeiro ataque à democracia que assume formas particularmente gritantes na fábrica. Aí a contra-revolução é evidente ao ponto de ser praticamente declarada: o poder patronal deve poder exercer-se sem demasiados limites, a Constituição não deve ser causa de embaraço nas relações de trabalho. Mas há um aspecto que passa para além da fábrica e que diz respeito à sociedade no seu conjunto: é o avanço de um “bonapartismo suave” (que defini no meu livro Democracia ou bonapartismo) encarnando no nosso país pelo primeiro-ministro. A propósito da ascensão deste personagem, queria chamar a atenção para um outro fenômeno não menos inquietante: hoje em dia a riqueza exerce um peso político imediato. Enquanto existiu na Itália o sistema proporcional, era mais fácil a formação de partidos políticos de massas, e era possível conter dentro de certos limites o peso político da riqueza que, atualmente e pelo contrário, exprime-se de forma imediata, mesmo despudorada. Assistimos ao aparecimento e à afirmação de um líder político que, a partir da concentração dos meios de comunicação e utilizando sem preconceitos a enorme riqueza à sua disposição, pretende exercer, e exerce de fato, um poder decisivo sobre as instituições políticas e revela uma total capacidade de corrupção e de manipulação.

Nesta altura, podemos traçar um primeiro balanço: a viragem de 1991, que assistiu à dissolução do Partido Comunista Italiano (PCI) e que devia ter favorecido a renovação democrática e social da Itália, foi na realidade o ponto de partida de uma contra-revolução que, certamente, é de dimensão internacional, mas que se revela de modo especialmente doloroso na Itália, neste país que, graças à Resistência e à presença de uma esquerda forte e de um partido comunista forte, permitiu conquistas democráticas e sociais muito importantes.

Sara Milazzo: A propósito disso, como foi possível que, em um país que devia ter precisamente uma memória ainda fresca do que foi a Resistência, tenha-se chegado a uma anestesia das consciências a ponto de o nosso primeiro-ministro não só ser amado do ponto de vista pessoal, como ser mesmo invejado? Como explicar por um lado o fascínio pelo “self made man” e por outros fenômenos como a anti-política de Grillo [1]? E, se pensarmos no que se poderá definir como o terceiro pólo: como explicar o fascínio que a esquerda sente por uma personalidade como a de Vendola [2] que, até há pouco tempo, fazia parte da Rifondazione Comunista e que agora preenche o vazio que se abriu genericamente à esquerda do Partito Democrático?
DL: Assistimos a uma contra-revolução de que já defini os elementos políticos centrais; mas não podemos esquecer que essa contra-revolução também se dá no nível ideológico-cultural. Estamos em vias de reescrever de forma totalmente fantasiosa e vergonhosa a história não só do nosso país, como de todo o século 20.

Quais são os elementos fundamentais dessa história? A partir da Revolução de Outubro começaram três gigantescos processos de emancipação. O primeiro foi o a independência dos povos coloniais: nas vésperas da viragem de 1917, os países independentes eram apenas em número bastante restrito, quase todos situados no ocidente. A Índia era uma colônia, a China um país semi-colonial; toda a América do Sul estava submetida ao controle da Doutrina Monroe e dos Estados Unidos. A África tinha sido repartida entre as diversas potências colonialistas europeias. Na Ásia, a Indonésia, a Malásia, etc. eram colônias. O gigantesco processo de descolonização e de emancipação que pôs fim a essa situação viu o seu primeiro impulso na Revolução de Outubro.

O segundo processo foi o da emancipação das mulheres: é importante recordar que o primeiro país em que as mulheres passaram a usufruir da totalidade dos direitos políticos e eleitorais (ativos e passivos) foi a Rússia revolucionária, entre fevereiro e outubro de 1917. Foi apenas em um segundo momento que chegaram ao mesmo resultado a Alemanha da República de Weimar, saída de uma outra revolução, a de novembro de 1918, depois os Estados Unidos. Em países como a Itália e a França, as mulheres só conquistaram a sua emancipação na onda da Resistência anti-fascista.

Finalmente, o terceiro processo foi a eliminação da discriminação eleitoral que, em matéria de direitos políticos, continuava a discriminar negativamente as massas populares: na Itália liberal e dos Saboias, em vez de ser eleito pelas bases, o Senado era apanágio da grande burguesia e da aristocracia. A discriminação eleitoral também se fazia sentir na Inglaterra, e não somente pela presença da Câmara dos Lordes; ainda em 1948, havia 500 mil pessoas que gozavam de voto plural e, portanto, da faculdade de votar várias vezes: eram consideradas como mais inteligentes (claro que se tratava de pessoas ricas do sexo masculino).

Para acabar. No decurso do século 20 desenvolveu-se em três frentes um gigantesco processo de emancipação que partiu da Revolução de Outubro e da luta contra a guerra e a carnificina do primeiro conflito mundial. Tudo isso é atualmente esquecido e rejeitado a tal ponto que, na ideologia que é hoje dominante, a história do comunismo se torna a história do horror.

O paradoxo é que nesta gigantesca manipulação não participou apenas a direita propriamente dita; Fausto Bertinotti [3] prestou uma grande contribuição, assim como Vendola, que é seu herdeiro e seu discípulo. Não há qualquer dúvida que também ele se dedicou à tentativa de apagar da memória histórica o gigantesco e múltiplo processo de emancipação saído da Revolução de Outubro: desse grande capítulo da história, Bertinotti traçou um resumo que não é muito diferente do que foi traçado pela ideologia e pela classe dominante.

E assim acabou por se constituir uma cultura, ou mais exatamente uma “incultura”, que dá muito jeito para a ordem existente. Tal como no plano propriamente político, também no plano ideológico está em marcha o que defini (sempre em Democracia ou bonapartismo) o regime de “monopartismo competitivo”. Assistimos ao funcionamento de um partido único que, segundo modalidades diversas, remete para a mesma classe dominante, para a burguesia monopolista. Evidentemente, existe sempre o momento da competição eleitoral, mas trata-se de uma competição entre camadas políticas em que cada uma delas tenta realizar ambições a curto prazo, sem nunca pôr à discussão o quadro estratégico, a orientação cultural de fundo e a classe de referência, ou seja, a burguesia monopolista; sobre isso tudo, nem sequer se discute.

Eis a situação perante a qual nos encontramos: o Monopartismo Competitivo. O desaparecimento do sistema proporcional só favoreceu a sua consolidação.

E, na ausência de uma verdadeira alternativa, compreendem-se os fenômenos da anti-política, do “grillismo”: apesar das suas declarações, acabam por fazer parte integrante do regime político e do mesmo panorama desolador que tentei descrever resumidamente.

Sara Milazzo: Esses fenômenos são, pois, uma outra forma de anestesia, uma tentativa de refrear qualquer tipo de reação que seja, mesmo as que provêm das mesmas camadas sociais.
DL: É um fato que falta hoje uma força política organizada e estruturada que se oponha à manipulação ideológica e historiográfica e ao monopartismo competitivo que reinam atualmente. Ficam assim sem contestação o domínio e a hegemonia da burguesia monopolista, assim como a contra-revolução neoliberal e pró-imperialista de que falei.

Sara Milazzo: Seria necessário um movimento comunista precisamente para as questões de fundo que invadem a Itália e o mundo inteiro. Porque é que no nosso país o movimento comunista vive uma crise tão profunda?

DL: A partir de 1989 assistimos a uma vitalidade nova das forças conservadoras e reacionárias e essa vitalidade também se manifestou na Itália. Isso não nos deve espantar. É uma outra coisa que deve suscitar as nossas inquietações: porque é que no nosso país essa ofensiva contra-revolucionária encontrou uma resistência tão fraca, uma total falta de resistência mesmo e, em certos casos, como já disse, pôde mesmo beneficiar do encorajamento por parte dos que deviam constituir a esquerda?

A partir de 1989, a esquerda também começou a dizer que o comunismo estava morto. A propósito dessa palavra de ordem, que continua a aparecer, queria tecer algumas considerações enquanto historiador e enquanto filósofo. Apresenta-se como uma coisa nova mas, na realidade, é bastante velho: o comunismo foi sempre declarado morto, ao longo de toda a sua história; podemos mesmo dizer que o comunismo foi declarado morto antes mesmo do seu nascimento.

Não se trata de um paradoxo nem de uma piada. Vejamos o que se passa em 1917: a Revolução de Outubro ainda não tinha estalado, já grassava a carnificina da primeira guerra mundial. É exatamente nesse ano que um filósofo italiano de estatura internacional, Benedetto Croce, publica um livro intitulado Materialismo histórico e economia marxista. O prefácio apressa-se a declarar imediatamente que o marxismo e o socialismo estão mortos. O raciocínio é simples: Marx previra e invocara a luta de classes proletária contra a burguesia e o capitalismo, mas onde estava nesse momento a luta de classes? Os proletários andavam a cortar as cabeças uns aos outros. Em vez da luta de classes, assistia-se à luta entre os Estados, entre as nações que se confrontavam no campo da batalha. E, portanto, a morte do marxismo e do socialismo estavam à vista de todo o mundo. Ou seja, antes mesmo de aparecer e de se desenvolver o movimento comunista propriamente dito, que verá o seu nascimento na Revolução de Outubro e de seguida com a fundação da Internacional Comunista, antes mesmo disso tudo, esse movimento já tinha sido declarado morto, sob os cuidados de Benedetto Croce. Sabemos hoje, tarde demais, que a disputa pela hegemonia e a guerra imperialista, consideradas por Croce como um fato imutável, constituíram o ponto de partida da Revolução de Outubro, que se impôs precisamente na luta contra a carnificina provocada pelo sistema capitalista e imperialista. Foi assim que começou o movimento comunista. E as declarações de morte sucederam-se… Enquanto na Rússia soviética era introduzida a NEP [Nova Política Econômica], uma série de jornais europeus e americanos e intelectuais de primeiro plano e eminentes homens políticos opinaram: vejam, acabou a coletivização total dos meios de produção, que tinha sido proposta e solicitada por Karl Marx; até Lênin foi obrigado de reconhecer a necessidade da viragem; portanto o comunismo está morto. Basta ler qualquer livro de história um pouco mais profundo do que os manuais consensuais para perceber como é recorrente esta palavra de ordem que estamos a analisar. Os que continuam a afirmar que o comunismo está morto, julgando que estão a anunciar uma novidade, não se percebem, por causa da sua ignorância histórica ou da sua adesão acrítica ou da sua submissão à ideologia dominante, que estão apenas a repetir um sloganrecorrente na história da luta da burguesia e do imperialismo contra o movimento comunista.

Quanto a este ponto quase poderíamos concluir com uma piada: há um provérbio segundo o qual um indivíduo considerado morto e de que se faz o elogio fúnebre embora ele esteja ainda vivo, está destinado a gozar de longevidade. Se esse provérbio também fosse válido para os movimentos políticos, os que se reclamam do comunismo podem ter toda a confiança no futuro.

Sara Milazzo: Partindo do pressuposto de que há uma necessidade social e histórica a favor de uma nova vaga revolucionária e de que o renascimento de um partido comunista seja absolutamente necessário, quais são as características que ele deverá ter, quais são os passos a dar e quem deverá fazê-los e de que modo?
DL: É preciso distinguir a dimensão ideológico-política da dimensão organizativa. Vou concentrar-me na primeira. O que é que significa então falar da morte do comunismo quando nos encontramos frente a uma situação em que a guerra reapareceu na ordem do dia, e quando se agrava todos os dias o perigo de um conflito em grande escala? Sim, até agora temos assistido e continuamos a assistir a guerras do tipo colonialista clássico: ocorrem quando uma potência armada até aos dentes e com uma nítida superioridade tecnológica e guerreira se encarniça contra um país, ou contra um povo, que não pode opor qualquer resistência. São guerras coloniais, por exemplo, a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) lançou contra a Iugoslávia em 1999, as diversas guerras do Golfo, a guerra contra o Afeganistão. Sem falar da guerra interminável, a mais vergonhosa de todas, que continua a desencadear-se contra o povo palestino.

Mas atualmente os grandes órgãos de comunicação internacionais observam que existe o perigo concreto de guerra em grande escala: a que se seguiria à agressão desencadeada pelos Estados Unidos e Israel contra o Irã. Não se sabe qual poderá ser a evolução e as complicações internacionais. E, sobretudo, não devemos perder de vista a guerra (por agora fria) que os Estados Unidos começam a travar contra a República Popular da China: é preciso ser muito ingênuo para não perceber isso. Estamos perante uma situação que torna urgente o dever de lutar contra o imperialismo e a sua política de agressão e de guerra, e isso faz-nos voltar evidentemente à história do movimento comunista.

O outro elemento que devemos ter em conta é a crise econômica. Quem se esqueceu dos discursos triunfais, segundo os quais o capitalismo já tinha ultrapassado as suas crises periódicas, crises essas de que Marx tinha falado? E até - garantiam-nos - não só se devia falar do fim da crise, mas pura e simplesmente do fim da história. Atualmente, pelo contrário, a crise do capitalismo está debaixo dos nossos olhos e são muitos os que pensam que está para durar; não é fácil prever a sua evolução, mas com certeza não se trata de um fenômeno puramente contingente.

Portanto, é clara a permanência dos problemas, das questões centrais que estão na origem do movimento político comunista.

Vejamos agora o segundo aspecto: o que é que significa falar do fim do comunismo quando vemos um país como a China, que representa um quinto da população mundial, ser dirigido por um partido comunista? Podemos e devemos discutir as opções políticas dos grupos dirigentes, mas não podemos deixar de admirar a ascensão prodigiosa de um país de dimensão continental que liberta da fome centenas de milhões de pessoas e que, ao mesmo tempo, altera profundamente (num sentido desfavorável ao imperialismo) a geografia política do mundo.

Neste ponto é necessário fazer uma pergunta: qual foi o conteúdo político central do século 20? Já falei dos três movimentos de emancipação que caracterizam a história do século 20. Detenhamo-nos sobre quem teve o desenvolvimento planetário mais amplo: todo o século 20 foi atravessado por gigantescas lutas de emancipação, travadas pelos povos coloniais ou ameaçados de serem submetidos ao colonialismo: pensemos na China, no Vietnã, em Cuba, na própria União Soviética que, na luta contra a tentativa hitlerista de criar um império colonial precisamente na Europa oriental, teve que travar a grande guerra patriótica. Esse processo gigantesco desapareceu no século 21, no século em que vivemos? Não, ele continua. Mas há outros. Para além dos casos trágicos, como o do povo palestino que é obrigado a sofrer o colonialismo na sua forma clássica e mais brutal, nos outros países a luta anti-colonialista passou da fase propriamente político-militar para a fase político-econômica. Esses países tentam garantir uma independência que já não é apenas política, mas também econômica; estão, portanto, empenhados em romper com o monopólio tecnológico que os Estados Unidos e o imperialismo julgavam ter conquistado de uma vez por todas. Em outras palavras, estamos perante a continuação da luta contra o colonialismo e o imperialismo que constituiu o conteúdo principal do século 20. E, tal como no século que já passou, onde foram partidos comunistas que estimularam e dirigiram esse movimento, também agora vemos países como a China, o Vietnã ou Cuba guiar no século 21 essa nova fase do processo de emancipação anti-colonialista. Por certo, não é por acaso que estes três países são dirigidos por partidos comunistas. Os que declaram morto o movimento comunista, e pensam estar a falar de uma coisa evidente, não se percebem que estão a repetir uma idiotice macroscópica.

Sara Milazzo: Portanto existem as condições objetivas materiais para um relançamento, mesmo na Itália, de um partido comunista de quadros e com o apoio das massas?
DL: Sinceramente, creio que sim, estou mesmo convencido disso: não vemos porque é que a Itália tenha que ser uma anomalia em relação ao quadro internacional. Se é verdade que, na Europa oriental, entre 1989 e 1991, o movimento comunista sofreu uma severa derrota, que evidentemente é preciso reconhecer e ter em conta, também é verdade que a situação mundial no seu conjunto apresenta um quadro bastante mais variado e decisivamente mais encorajador. Por exemplo, regressei de uma viagem a Portugal, onde tive ocasião de apreciar a presença do partido comunista. É sabido que na Itália temos uma grande tradição comunista por detrás de nós e não há nenhuma razão para nos apropriarmos dela, claro de que modo crítico. Creio que existem também os pressupostos não somente ideais, mas também políticos, para pôr fim ao fracionamento das forças comunistas. Circulando pelo nosso país, mais em manifestações culturais do que políticas, observei que o potencial comunista é real. Os comunistas estão é fragmentados em diversas organizações, por vezes mesmo em pequenos círculos: é preciso arregaçar as mangas e pôr-se ao trabalho pela unidade, apoiando-se primeiro que tudo nas forças comunistas que já estão presentes de modo mais ou menos organizado em nível nacional. Estou a pensar em L’Ernesto, que atua no quadro da Rifondazione Comunista, e no PdCI (Partito del Comunisti Italiani, N.T.): se se unissem, estas duas forças ficariam em condições de lançar um sinal aos círculos comunistas difusos pelo território nacional, um convite para abandonarem a resignação e o sectarismo para se porem ao trabalho a fim de concretizarem os ideais e um projeto comunista.

Sara Milazzo: Então, o que impede a construção de um partido comunista único na Itália, na sua opinião, é essa fragmentação, esse cansaço para enfrentar de novo lutas que uma série de camaradas já travaram?
DL: A Itália ressente-se do peso de uma situação especial: a ação negativa de um partido, o da Rifondazione Comunista, conduzido durante muito tempo por dirigentes com uma visão substancialmente anti-comunista, dirigentes que se dedicaram ativamente a liquidar a herança da tradição comunista no mundo e na Itália. É evidente que devemos libertar-nos dessa fase trágica e grotesca da história que temos atrás de nós; desse ponto de vista a reconstrução do Partido não é apenas um dever organizativo, mas é um dever, sobretudo, teórico e cultural. Creio que esses problemas podem ser enfrentados e resolvidos positivamente.

Sara Milazzo: Encontramo-nos atualmente em uma situação em que assistimos a uma mudança de perspectiva mesmo cultural. Enquanto no século 20 a hegemonia cultural era apanágio do movimento comunista, hoje a palavra comunista é vivida quase com embaraço, ou mesmo com uma vergonha manifesta, até ao ponto das declarações de Bertinotti sobre a impronunciabilidade da palavra comunista ou sobre a redução do seu significado, na melhor das hipóteses, a qualquer coisa puramente cultural. Como é que se chegou a este ponto e como nos podemos libertar de tudo isso?
DL: A palavra comunismo será impronunciável? Enquanto historiador, tenho que observar imediatamente que então devíamos renunciar a palavras que servem de referência aos movimentos políticos atuais em geral. Como é que se chamava nos Estados Unidos o partido que defendeu até ao fim a instituição da escravatura dos negros? Chamava-se Partido Democrata. E como se chamava, também nos Estados Unidos, o partido que, mesmo depois da abolição formal da escravatura, defendeu o regime da supremacia branca, da segregação racial, do linchamento dos negros organizado como tortura lenta e interminável e como espetáculo de massas? Chamava-se, mais uma vez, Partido Democrata. Sim, os campeões da escravatura e do racismo mais vergonhoso fizeram profissão de fé de democracia. Deveríamos concluir que “democracia” é impronunciável? Pensar que a palavra democracia tem uma história mais bela, mais limpa, mais imaculada, do que a palavra comunismo significa não conhecer nada da história. O que eu disse a propósito da palavra democracia podia ser repetido calmamente para outras palavras que fazem parte essencial do patrimônio da esquerda. Como se chamava o partido de Hitler? Chamava-se Partido Nacional-Socialista: também devemos considerar a palavra socialista como um tabu? Para sermos exatos, o partido de Hitler chamava-se Partido Nacional-Socialista dos Operários Alemães. Então seria inconveniente e inaceitável fazer referência aos operários e à classe operária. Não há nenhuma palavra que possa exibir o estatuto da pureza. Hitler e Mussolini pretendiam ser os promotores e os protagonistas de uma revolução; eis outra palavra que, segundo a lógica de Bertinotti, devia ser impronunciável.

Na realidade, esta proposta sobre a impronunciabilidade da palavra “comunismo” pressupõe não só uma total subserviência em relação à ideologia dominante mas também uma total incapacidade de julgamento histórico e político. Para clarificar este último ponto, apoiar-me-ei em uma comparação que ilustrei no meu livroControstoria del Liberalismo. Nos anos trinta do século 19, duas ilustres personalidades francesas visitam os Estados Unidos. Uma é Alexis de Tocqueville, o grande teórico liberal; a outra é Victor Schoelcher, aquele que, depois da revolução de fevereiro de 1848, vai abolir definitivamente a escravatura nas colônias francesas. Ambos visitam os Estados Unidos no mesmo período, mas independentemente um do outro. Constatam os mesmos fenômenos: o governo da lei e da democracia estão em vigor na comunidade branca; mas os negros sofrem a escravatura e uma opressão feroz, enquanto que os pele-vermelhas são progressiva e sistematicamente eliminados da superfície da Terra. Na altura das conclusões, a começar pelo título do seu livro (A democracia na América), Tocqueville fala dos Estados Unidos como um país autenticamente democrático, e até mesmo como o país mais democrático do mundo; Schoelcher, pelo contrário, vê os Estados Unidos como o país onde reina o despotismo mais feroz. Qual dos dois tem razão?

Imaginemos que, no século 20, Tocqueville e Schoelcher regressavam ambos de volta ao mundo. O primeiro acabaria por elogiar o governo da lei e da democracia em vigor nos Estados Unidos e no “mundo livre” e considerar como pouco importantes a opressão e as práticas genocidas impostas por Washington e pelo “mundo livre” às colônias e semi-colônias (na Argélia, no Quênia, na América do Sul, etc.), o assassinato sistemático de centenas de milhares de comunistas organizado pela CIA em um país como a Indonésia, a discriminação, a humilhação e a opressão infligidas mesmo na metrópole capitalista e “democrática” à custa dos povos de origem colonial (os negros nos Estados Unidos, os argelinos na França, etc.). Schoelcher, pelo contrário, concentraria a sua atenção precisamente sobre tudo isso e concluiria que era o chamado “mundo livre” que exercia o pior despotismo. Compreende-se bem que a ideologia dominante se identifique sem reservas com o Tocqueville real e o Tocqueville imaginário. A sorte reservada aos povos coloniais e de origem colonial não conta!
Contra esta perspectiva, repito o que já disse: os comunistas devem saber olhar de modo autocrítico a sua história mas não têm que ter vergonha e não devem entregar-se à autofobia; foi o movimento comunista que pôs fim aos horrores que caracterizaram a tradição colonialista (que descambou de seguida no horror do Terceiro Reich, no horror do regime que sofreu a sua primeira e decisiva derrota graças à União Soviética).

Sara Milazzo: Podemos dizer, portanto, que a via para a reconstrução do partido comunista passa inevitavelmente pela escolha de se reapropriar do que constituiu as suas próprias raízes, do que foi o orgulho comunista e também da linguagem que faz parte dele?
DL: Sem dúvida alguma. Essa reapropriação deve ser totalmente crítica, mas essa atitude também não é uma coisa nova. Quando Lênin lançou o movimento comunista, por um lado ligou-se à tradição socialista precedente, mas por outro lado soube reinterpretar essa tradição num sentido crítico, mantendo presente a evolução da história da sua época. Nos nossos dias, não se trata de forma alguma de evitar um balanço autocrítico, que se impõe absolutamente. Mas isso não tem nada a ver com a aceitação do quadro maniqueísta proposto ou imposto pela ideologia dominante. Esse quadro não corresponde de forma alguma à verdade histórica, mas apenas à necessidade política e ideológica das classes dominantes e exploradoras de fazer calar toda a oposição de peso.

Sara Milazzo: Então, na prática como é que deveremos trabalhar para voltar a dar à classe operária um partido comunista que esteja à altura dos temas e da confrontação de classe? Como podemos ter uma relação fecunda com os cidadãos italianos?
DL: O modelo do partido comunista elaborado por Lênin parece-me manter-se válido; evidentemente, é preciso ter em conta que o seu Que fazer? se referia à Rússia czarista e também, portanto, às condições de clandestinidade em que o partido era obrigado a funcionar. Em todo o caso, trata-se de construir um partido que não seja um partido de opinião e que não se caracterize pelo culto da personalidade, como foi o caso durante tanto tempo da Rifondazione Comunista. É preciso um partido capaz de construir um saber coletivo alternativo às manipulações da ideologia dominante, um partido que deve saber estar presente nos locais do conflito e deve saber também, quotidianamente, construir uma alternativa tanto no plano ideológico como no da organização política.

Queria concluir com duas observações. A primeira: o exemplo da Lega [Liga do Norte, partido xenófobo e secessionista de Umberto Bossi, N.T.] (um partido que tem características reacionárias e que nos apresenta cenários muito inquietantes) demonstra que era terrivelmente errônea a visão segundo a qual não havia espaço para um partido enraizado no território e no local do conflito.

A segunda observação leva-me exatamente ao início da nossa conversa, em que eu recordei o ensinamento de Togliatti sobre a questão meridional como uma questão nacional. Atualmente impõe-se uma constatação amarga: a falta de solução da questão meridional está em vias de pôr em crise, ou corre o risco de pôr em crise, a unidade nacional do nosso país: num país caracterizado por grandes desequilíbrios regionais, o desmantelamento definitivo do Estado social passa pela liquidação do Estado nacional e da unidade nacional. O partido comunista, que somos chamados a reconstruir na Itália, fará a demonstração do seu internacionalismo concreto na medida, também, em que saiba enfrentar e resolver a questão nacional. Aderir aos movimentos secessionistas ou mesmo não os combater até ao fundo significará romper com a melhor tradição comunista. É preciso ter sempre presente a lição da Resistência: o partido comunista tornou-se um forte partido de massas na medida em que soube ligar a luta social e a luta nacional, interpretar as necessidades das classes populares e ao mesmo tempo assumir a direção de um movimento que lutava para salvar a Itália.

Notas :

[1] Beppe Grillo: ator cômico muito conhecido em Itália. Envolveu-se na época em uma polêmica com o PSI de Bettino Craxi que impôs a sua exclusão da televisão pública. É atualmente líder de um movimento (“5 Stelle”, 5 estrelas), de contornos qualunquistas (movimento pós-guerra que tentou afastar os partidos políticos do governo italiano - N.T.), que apela ao boicote dos partidos e das instituições e apela a uma forma pouco provável de democracia direta através da internet. Mas é necessário sublinhar que o seu movimento tem uma grande audiência, sobretudo entre os leitores que votavam antigamente nos partidos comunistas e na esquerda radical; estes eleitores viraram-se para Grillo, desiludidos com a fraca autonomia desses partidos e a sua infeliz participação no governo Prodi (“são todos iguais”).

[2] Nicola -Nichi- Vendola: nasceu e cresceu no PCI, está próximo das posições organizativas da esquerda de Pietro Ingrao, e foi um dos principais líderes do Partito della Rifondazione Comunista (PRC). Partidário fervoroso do método das primárias, foi eleito presidente da Região Puglia onde exerce atualmente o seu segundo mandato. Derrotado na corrida para o secretariado do PRC, fundou um partido pessoal, Sinistra Ecologia e Liberta (Esquerda Ecologia e Liberdade). Sempre através do método das primárias, visa atualmente a remodelação, em uma perspectiva mais radical, da esquerda moderada italiana; para esse efeito lançou a sua própria candidatura como presidente do Conselho de Ministros, em concorrência com os candidatos do Partito Democrático. Herdeiro de Fausto Bertinotti, é também o teórico de um populismo retórico de esquerda, de veia poético-literária, por assim dizer.

[3] Fausto Bertinotti: ligado na juventude à esquerda socialista de Riccardo Lombardi, depois líder da ala esquerda da CGIL (mais ou menos equivalente à CGT francesa, N.T.), foi “inscrito” como secretário do PRC pelo velho líder comunista Armando Cossutta. Dirigiu a Rifondazione durante mais de 10 anos, dando-lhe uma visibilidade mediática notável e força eleitoral. Mas foi também o principal fator da sua descomunistização e mutação para um partido de esquerda radical. Depois de ter ligado o destino do PRC ao movimento não-global e ao radicalismo mais avançado, impôs uma viragem de 180 graus em 2005, levando o seu próprio partido para o governo Prodi e aceitando a presidência da Câmara. Isso não foi aceito pelos eleitores que, nas eleições de 2008, rejeitaram clamorosamente a coligação da esquerda radical.

Fonte: Odiario.info. A entrevista foi publicada originalmente na revista italiana L’Ernesto.
Tradução: Margarida Ferreira 
Edição: Luana Bonone
via: http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2014/12/losurdo-o-comunismo-foi-declarado-morto.html