quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Síndrome do governo genérico



Vale a pena voltar ao assunto do mutismo presidencial. Sobretudo porque, após os posts que este blog vem publicando sobre o tema, opiniões de peso aderiram à tese de que a presidente Dilma Rousseff “não fala”. E, também, por conta de opiniões discordantes de leitores que julgam que, ao contrário do que foi dito aqui, ela tem falado, sim.
Para fundamentar a discussão, reproduzo, a seguir, trechos de post do jornalista Luiz Carlos Azenha publicado em seu site na última sexta-feira (12). Em seguida, reproduzo comentário que o filósofo e professor da USP Renato Janine Ribeiro deixou neste blog no post Parla, Dilma!, publicado na mesma data...

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Do site Viomundo, de Luiz Carlos Azenha
(…) leio, no Blog da Cidadania, as opiniões de Eduardo Guimarães (…) Os discursos de Dilma, pelo menos os que ouvi, tendem a ser longos e burocráticos, repletos de números. Apelos à razão (…)
Comentário do prof. Renato Janine Ribeiro neste blog
Caro Eduardo,
tem toda a razão. Ela não fala! FHC soube propor uma agenda ao País e falar. Completou sua tarefa. Ao terminar seu mandato, sua agenda estava completa (ou esgotada, se quiser).
Lula soube propor uma agenda a uma sociedade mais ampla ainda, porque incluía os pobres, e não completou sua agenda – pela simples razão de que ela é enorme e exige mudanças no País que estamos devendo há séculos…
E Dilma? Em princípio, sua agenda dá continuidade à de Lula; resumindo muito: justiça social, sem assustar os mais ricos.
Ora, já é difícil não ter uma marca própria, uma grife sua – ainda que pela excelente razão de que essa agenda (pelo menos a parte da justiça social) é a mais nobre que existe. Mas, se ela não fala, como ficamos?
O presidente do Brasil tem de ser um grande comunicador. Aliás, talvez todo governante. Isso me preocupa.
A agenda dos colunistas conservadores pouco tem a ver com a opinião popular. Se Dilma não tiver o apoio dos mais pobres, não serão os que detestam Lula que vão constituir sua base de sustentação.
Mas, independentemente disso: precisamos saber o que a presidente propõe.
Tenho um palpite. Lula foi audaz e inovou em n coisas. A difícil tarefa de sua sucessora é acertar mil ponteiros. Muita coisa foi feita, que agora precisa ser ajustada. Dilma parece a pessoa ideal para isso. Só que isso não dá popularidade.
Criar universidades novas, para falar de minha área, entusiasma. Fazer que os docentes cooperem entre si, produzam cientifica e tecnologicamente, em suma, fazer tudo funcionar dá mais trabalho. É chato. Descontenta, porque exige pitos.
Parece que a presidente/a dá pitos. Acho difícil ela agir de outro modo, e acho importante ela organizar o que precisa ser organizado. Mas, e a popularidade – que requer, reitero o que você disse, fala?
Um abraço,
Renato
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Esse é o grande engano das pessoas que julgam que a presidente, por falar, fala o que deve ser dito. O discurso tecnocrático não serve. Aqui mesmo em São Paulo tivemos ou temos governos assim, os de José Serra, Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab.
São aqueles governantes genéricos, sisudos, avessos ao discurso político. Com a diferença de que os tucanos têm a mídia para fazer o discurso político por eles e, então, portam-se como gerentes, como executivos da administração pública – técnicos, sem ideologia, não “populistas”.
Dilma segue o figurino de que a mídia gosta, mas não tem seu apoio. Entre uma ou outra concessão ao seu estilo “tucano” de se manifestar – ainda que o conteúdo de suas políticas públicas não seja farsa como o do PSDB paulista –, apanha bastante da mídia, porém muito menos do que Lula, que, mesmo após deixar o poder, continua sendo malhado todo dia.
Como bem lembrou o professor Renato Janine Ribeiro, governantes são líderes políticos, têm que se manifestar, têm que falar com seus eleitores, têm que lhes explicar suas medidas, seus problemas e dar uma outra versão dos fatos para as acusações que recebem.
Dilma se encantou com a versão da “faxina” que ela estaria promovendo, mas nos mesmos veículos em que eventualmente é elogiada por “faxinar” o próprio governo é dito que a presidente está limpando o que ela mesma sujou, pois foi a sub-chefe dos ministros no governo Lula e é aquela que os nomeou agora.
A história de que Dilma “herdou” esta ou aquela pessoa da gestão anterior, é balela. Dilma nomeou cada membro de seu governo. Tirou alguns membros do governo anterior e manteve outros, mas nenhum estaria no governo se ela não tivesse nomeado.
Alguns ramos da mídia tentam vender que Dilma não expurgou outros ministros quando era chefe da Casa Civil porque Lula quereria manter corruptos em seu governo e, assim, só agora ela poderia promover a tal “faxina”.
Essa é uma acusação que precisa ser esclarecida e só quem pode esclarecer é a própria presidente. Mas Dilma, à diferença de Lula, não critica a oposição ou a mídia. E como quem cala consente, na opinião deste blog parte da população começa a formar a convicção de que ou Dilma está traindo Lula ou ambos conduziram corrupção.
Nunca vi um presidente que não criticasse a oposição. FHC e Lula, como disse o professor Renato, nunca se furtaram a rechaçar as críticas aos seus governos e a partirem para cima dos opositores. E mesmo FHC não tendo criticado a mídia – por razões óbvias –, se sofresse ataques sistemáticos como Lula, teria criticado.
É, portanto, absolutamente inverossímil a teoria da “faxina”. Dilma acaba de nomear os membros do governo. Por que nomeou, ora? E por que não se levantou contra a corrupção durante o governo Lula? Por que o presidente não deixava? É isso que a presidente quer que fique parecendo? Pode não ser, mas, se ela não toca no assunto, fica parecendo…
Mal dá para acreditar que alguém não veja nada demais em um governo que, em sete meses e pouco, já perdeu três ministros e caminha para perder mais dois, apesar das garantias de Dilma de que o ministro do Turismo e o da Agricultura têm seu apoio. Afinal, outros que caíram também tinham, no começo.
Como Lula bem disse antes da queda de Antonio Palocci, portanto, se Dilma cedesse naquele momento, em seu quinto mês de governo, sua administração se arrastaria pelos próximos quatro anos, tendo que lutar para não ver seu ministério sendo desarticulado passo a passo.
Tentando promover a paz, portanto, Dilma está vivendo, em seu primeiro ano, o que Lula não viveu nem no primeiro nem no segundo ano de seu governo de oito anos. Em 2003 e 2004, o ex-presidente teve tempo de organizar seu governo para chegar a 2005, no início da guerra com a mídia, forte o suficiente para enfrentar o que sobreviria dali em diante.
Chega a parecer surreal que alguém considere “normal” que, ainda longe do fim do primeiro ano do governo Dilma, já tenhamos três ministros derrubados e mais dois correndo sério risco de engrossarem o grupo dos defenestrados. Não aconteceu isso com nenhum presidente do pós-redemocratização.
Dilma está vivendo sobressaltos até maiores do que aqueles que Lula só passou a viver dois anos depois de seu governo ter início e há quem não veja problema nisso. Seu silêncio corrobora a teoria da “herança maldita” deixada por aquele que a fez chegar ao poder e que tem presença importante em seu governo, e há quem ache isso uma “estratégia”.
Mais: as pesquisas de opinião mostram clara tendência de perda de popularidade da presidente e, assim mesmo, aparecem comentários políticos na mídia tentando convencer as pessoas de que Dilma estaria ganhando com a teoria da “faxina” que estaria promovendo em um governo que ela mesma montou.
É incomensurável o vácuo político que a mudez de Dilma, no que diz respeito ao jogo político, está deixando. Se a líder política dos brasileiros não ocupa o espaço a que tem direito para dar a sua versão dos fatos sobre as acusações e críticas que recebe, alguém irá ocupar. Na verdade, é um processo que está sofrendo um outro “gerente”, Barack Obama.
O lema do Tea Party é o de que Obama será “o presidente de um mandato só” em um país em que, como está se tornando costume no Brasil, os presidentes costumam permanecer no cargo por dois mandatos. É a síndrome do governante “genérico” e sem apoio da mídia. Obama não tem esse apoio, assim como Dilma. E, como ela, tem uma oposição sabotadora.
O governo Dilma tem conteúdo, mas não tem forma. Há bons projetos, boas idéias e, no entender deste blog, boas intenções. Mas não tem discurso ou personalidade. Aparenta ser um governo genérico como os do PSDB paulista, porém sem ter o mesmo apoio político da mídia, repito.
Em situação normal, o bem-estar social daria conta de preencher o vácuo político que está se formando. Contudo, mesmo que o Brasil não sinta muito os efeitos da crise econômica internacional, por certo haverá um decréscimo de bem-estar. Aliás, em determinados segmentos, a economia já dá sinais de esfriamento.
O xis da questão é o nível de emprego e a valorização dos salários. Qualquer interrupção nesse processo terá potencial explosivo no que diz respeito à popularidade de Dilma. Agora imaginem o governo ter que enfrentar o bombardeio da mídia com popularidade baixa. Melhor nem cogitar sobre isso, ainda que não se possa impedir que o leitor cogite…
blog da cidadania

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