sexta-feira, 19 de agosto de 2011

MEDO DE DENTISTA


Tais Luso de Carvalho

Estava chateada com o meu problema e fui atrás de consolo: coloquei no Google Fobia por Dentistas. Para minha surpresa vi um exército na mesma situação. É sempre um alívio quando constatamos que não estamos sozinhos, que somos um pouco normais. Que nossa anormalidade é normal...

É nessa hora, a do atendimento odontológico, que afloram nossos traumas, que desnudamos nosso inconsciente, que regredirmos à infância. Ao entrarmos num consultório nossa pressão arterial sobe: é a primeira manifestação. Depois vem a transpiração e tudo desemboca numa taquicardia. Falo de mim e da legião dos traumatizados.

Sofro a síndrome da broca; sou submetida às brocas de baixa rotação e de alta rotação. Esta última é lenta, mas profunda, vai direto na caixa craniana! Tudo estremece, são minutos de terror: de um infinito e torturante terror! E ainda ouço que meu problema é delicado. Bota delicado nisso, doutor!! Tenho a impressão de que tenho o problema mais delicado do mundo! Lembro da última vez em que saí do dentista: sonhei que não tinha dentes! Que aflição, que agonia!! Óh, my God... 

A minha geração ficou com o pacote do trauma: suor, sangue e lágrimas. E meus filhos são saudáveis, não têm problemas com dentistas, aparelhos e toda a tecnologia para embelezamento. Não sei como saíram assim.

No meu tempo de criança um dentista fazia tudo; o famoso três em um. Hoje o negócio é um luxo: especialistas em endodontia, ortodontia, periodontia, implantodontia, odontopediatria, dentística restauradora, implantes, branqueamento, alinhamento.

Hoje, alguém disposto a gastar, entra num consultório com os dentes do Zé Bicudo e sai com os dentes da Cicarelli.

Mas, assim fui construída, não tem mais jeito. E não me queixo mais: contento-me a responder a clássica pergunta quando estou com a boca aberta: tá tudo bom?AHÃAA...TUDO BOM, DOUTOR, MOLEEEZA... ADORO BROCA!

Meu primeiro dentista chamava-se Samuel; Samuel, o desgraçado. Isso foi aos 8 anos; no século passado. Era um homenzinho baixo, gordo, pesado, mãos enormes segurando um alicate apavorante. Pegou o tal alicate e se veio. Levou meu dente deixando uma cicatriz para sempre. Mas já morreu, o doutor faz tudo. Samuel, Viva o Samuel!

É muito simples de entender essa questão: os traumas acontecem quando somos pequenos e indefesos; quando tudo tem uma dimensão desproporcional. Talvez o homem não tivesse mãos tão grandes, não fosse tão enorme! Mas ninguém fica traumatizado por esporte. A imperícia aliada à falta de psicologia gera o desastre. Foi o que aconteceu. E, nessa idade, certas coisas calam tão fundo que se tornam quase irreversíveis.

Mas reconheço que hoje temos profissionais excelentes; capazes, delicados e com certa psicologia. Embora se esforcem para demonstrar que hoje não existem mais problemas, diria que existem sim, doutores: só existem! O medo está no inconsciente; ele se manifesta antes de irmos ao consultório; começa na marcação da consulta.

Faço força pra acreditar que estou indo para uma festa: de boca aberta, cheia de algodão, prestes a levar uma anestesia, e com aquele cachimbo sugador pra lá e pra cá, como se eu estivesse numa dança de salão do programa do Faustão.

Estou consciente que não há alegria que sempre dure e mal que nunca acabe. Acho que estou em processo de recuperação: posso dizer que estou nas mãos de dentistas excelentes e até me orgulho deles. Na vida, tudo depende de nossas escolhas: podemos ter sorte se não esbarrarmos com um Samuel...

Acredito que, após ter passado por algumas tempestades, alcancei a bonança, calmaria. 
Consegui acreditar, acho que fiz as pazes... Mas ainda não cem por cento!

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